Presidente eleito em 2022 vai receber o Brasil cercado por uma recessão mundial
14 agosto 2022 às 00h00
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Economistas, os americanos Paul Krugman e Carmen Reinhart apontam para uma crise econômica global e o Brasil, que não é uma ilha, será um dos países atingidos.
Ao participar de um encontro, em São Paulo, Krugman, Nobel de Economia de 2008, sublinhou, na síntese da “Folha de S. Paulo”, que a posição do Brasil é privilegiada — “seja pelo fato de o país ser relativamente autossustentável em relação ao fornecimento de energia, ou por conta do forte viés exportador de commodities agrícolas, que beneficia a região com a alta de preços das matérias-primas no mercado internacional e do dólar”.
Krugman pontuou que a crise gerada pela invasão da Ucrânia pela Rússia — que provocou uma alta no preço do petróleo, atingindo vários países, como o gerido pelo presidente Jair Bolsonaro — pode, paradoxalmente, representar uma oportunidade para o Brasil. Assim como a Ucrânia e a Rússia, o país sul-americano é um grande produtor agropecuário e abastece o mercado global com, entre outros produtos, carne e soja.
Então, para Krugman, “o Brasil é um dos emergentes menos vulneráveis em um cenário de crise global, apesar dos problemas domésticos que ele atravessa”.
Numa entrevista ao repórter Carlos Valim, da revista “Veja”, a economista-chefe do Banco Mundial, a professora de Harvard Carmen Reinhart, postula que uma recessão econômica mundial é iminente. “A invasão da Ucrânia continua, assim como seu impacto nas pressões inflacionárias e na volatilidade nos preços das commodities. (…) Os riscos de uma mudança para um ambiente de maior inflação, menor liquidez de recursos financeiros e, em muitos casos, de política fiscal mais restritiva estão à mesa”.
Para os países emergentes, como o Brasil, Carmen Reinhart prevê dois cenários: “um para os importadores de commodities e outro para os exportadores”.
Carmen Reinhart corrobora o que sugere Krugman? Em parte, sim. A economista frisa que, “por enquanto, vai haver um boom de commodities temporário, que pode ajudar na situação fiscal. Mas nem os importadores nem os exportadores vão se beneficiar das condições financeiras internacionais mais restritivas do futuro. A situação vai ficar feia [o que Krugman não aponta], e vai afetar o Brasil também, mesmo que o Banco Central do país tenha se mexido de forma mais agressiva para lidar com a inflação do que o Federal Reserve, nos Estados Unidos, e os bancos centrais de outras economias avançadas”.
(Carmen Reinhart não comenta a questão, mas a crise, por ser mundial, não tem como ser controlada, de maneira ampla, por economias locais, como a brasileira. Direta ou indiretamente, fazendo ou não o governo brasileiro a lição de casa, como um ajuste fiscal vigoroso, o Brasil pode ser afetado de maneira dramática. O presidente Jair Bolsonaro e Paulo Guedes poderão agir, enxugando custos do governo, e, mesmo assim, o país vai ser atingido.)
A economista do Banco Mundial assegura que, com a crise, se terá “menos fluxo de capital especialmente para os grandes mercados emergentes, como o Brasil, a África do Sul e a Turquia”.
A mestre de Harvard diz que “o desequilíbrio fiscal é um risco para o Brasil. O país tem historicamente um alto nível de endividamento, e que no setor púlico está alto no momento, de cerca de 80% do PIB. Além disso, o Brasil é muito vulnerável a mudanças das condições de mercados financeiros. Então, é grande o risco, se o governo atrasar o reajuste fiscal”.
Carmen Reinhart enfatiza que, “mesmo que não houvesse a questão das eleições, o boom dos preços de commodities estimula os governos a atender as demandas por mais gastos. A alta das exportações faz a situação fiscal parecer melhor, mas o ajuste das contas públicas é fundamental”.
O Brasil terá eleições, daqui a menos de 50 dias, e o presidente eleito será Bolsonaro, do PL, ou Lula da Silva, do PT, de acordo com as pesquisas de intenção de voto — que sugerem, ao menos no momento, que não há espaço para a terceira via.
Bolsonaro planeja fazer ajustes e, se o ministro Paulo Guedes continuar influente, ampliar as privatizações e o enxugamento do Estado. Lula da Silva, segundo as entrevistas, planeja investir no social e mudar os rumos do governo — que não será liberal, ou, mais realisticamente, será menos liberal.
É óbvio que os países são autônomos, mas, com a integração econômica global, pode-se sugerir que são interdependentes. Portanto, não há como Bolsonaro (ou Lula da Silva) adotar projetos que evitem totalmente os danos da crise internacional. Com sua economia forte, relativamente estável, o Brasil não é um mero joguete das forças de mercado mundiais. Porém, aqui e ali, seus problemas são derivados por determinações externas. A crise do petróleo, provocada pela invasão da Rússia na Ucrânia, não tem como ser controlada por Bolsonaro ou por Lula da Silva. O governo patropi pode até minimizar os problemas, adotando algumas ações, mas não há como contorná-los inteiramente.
O Brasil, assim como outros países, vai enfrentar outro problema. “Agora, até mesmo os empréstimos chineses para países da América Latina, Ásia e África foram interrompidos. (…) Não podemos mais contar com a China para segurar o crescimento”, assinala Carmen Reinhart.
Então, qualquer que seja o presidente eleito em 2 de outubro deste ano, a situação do Brasil, entre 2022 e 2023, não será, por certo, auspiciosa. Krugman parece mais otimista do que Carmen Reinhart.