Portal “Metrópoles” dá aceno à misoginia em matéria sobre traição
13 agosto 2023 às 00h00
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De história relativamente recente – foi fundado em setembro de 2015 –, o portal Metrópoles é um dos veículos de comunicação online de um grupo do empresário e ex-senador (cassado) Luiz Estevão que conta ainda com editora, emissora de rádio e produtora de filmes. Com certeza, nos últimos anos o site foi um dos de maior crescimento, senão o maior, e também um dos que colaboraram com grandes reportagens durante a pandemia e na cobertura dos atos golpistas do período eleitoral e pós-eleitoral de 2022.
No entanto, na terça-feira, 9, em um descuido editorial – provavelmente sem dolo algum –, o portal postou uma matéria sobre traições amorosas com uma foto que gerou controvérsia e até mesmo indignação a olhos mais atentos.
Intitulada “Traição: 39% das pessoas traem mesmo tendo relacionamentos felizes”, a nota se baseia em uma “pesquisa” – na verdade, o termo correto seria “enquete” – realizada por um site de encontros extraconjugais, Ashley Madison, sediado no Canadá, com 2.117 membros.
A questão é que o texto é ilustrado com uma cena infeliz: um casal está na casa e, enquanto o homem parece dormir, em primeiro plano está a mulher manuseando o celular, insinuando-se uma traição dela.
Então, mulher não trai? Claro que trai. Traição não é exclusividade de um gênero. Homens e mulheres traem, casais hétero ou homoafetivos. Mas não há dados que sustentem que mulheres traiam seus parceiros homens mais do que o inverso.
Pela foto da postagem, o que se insinua, logo abaixo do título, que tem como retranca “Pouca Vergonha” – que é o nome da coluna –, é que ela está traindo ele. É uma questão de opção editorial, talvez por, em uma sociedade machista como a brasileira, escandalizar muito mais uma mulher traindo do que o inverso. Por quê? Porque é muito mais comum que o homem traia. E arriscaria a dizer que, em relacionamentos felizes, como é o tema da nota, esse porcentual masculino cresce ainda mais.
Por isso, um despretensioso texto acaba trazendo muitos problemas pela escolha editorial de ao ilustrá-lo. O primeiro é que, na comunicação profissional, o fotojornalismo faz parte da reportagem. Pinçar aleatoriamente uma imagem não deve ser algo normal.
Como não há nada na pesquisa exposta pela matéria que indique a novidade de a mulher trair mais do que o homem em relacionamentos felizes, escolher uma foto que remeta a isso traz reflexões sobre machismo, misoginia e até feminicídio.
Sobre machismo: no Brasil, por ser tão comum, a traição do homem é “absorvida” e até “absolvida”, pela sociedade em geral e mesmo pela parceira. O contrário já não se dá de forma tão comum. Mulher traindo, como já dito, se torna mais “notícia”, seja na vizinhança, se for uma pessoa comum, seja nas publicações de fofocas, se for uma celebridade.
O fato é que no Brasil, salvo alguma eventual exceção à regra, das grandes cidades até os pequenos vilarejos não há casas de massagem, cabarés ou puteiros dedicados a receber público feminino como clientela. Homens são educados a ver a traição como uma aventura ou até um desafio diante dos amigos. Para as mulheres, sabe-se, a cultura é outra.
A plasticidade da foto leva também a um sentimento de que a mulher está fazendo coisa errada e reforça, em quem já o tenha, o viés de confirmação de que “mulher não presta”. Isso em um momento em que algumas plataformas aceitam canais e vídeos que se dedicam a rechaçar a independência e a autonomia da mulher em relação ao homem, sob o argumento de que isso “acaba com a família”. No fundo, é pura misoginia.
A mistura de misoginia e machismo leva, em seu estado mais radical, à violência contra mulheres e até ao cometimento de assassinatos.
Por isso, é importante que, quanto maior é o alcance de um canal – e o Metrópoles tem se tornado um canhão de comunicação –, maior tem de ser o entendimento de seu papel e a gravidade e responsabilidade do que se posta e do “como” se posta.
“Uma parcela considerável dos usuários está satisfeita com seus relacionamentos, mas busca uma conexão adicional fora do casamento para complementar suas vidas emocionais e físicas”, afirma Isabella Mise, diretora de comunicações da plataforma.