O deputado Wanderley Dallas “apresentou um projeto que propõe transformar palavras como ‘piroca’, ‘cabaço’, ‘baitola’, ‘pinguelo’ e ‘xibiu’ em patrimônio imaterial do Estado”

Policarpo Quaresma saiu do divertido e inquiridor romance de Lima Barreto, mudou-se para o Amazonas e “vestiu” a pele do deputado estadual Wanderley Dallas [foto acima], do PMDB, integrante ativo da bancada evangélica. Dallas, relata o repórter José Marques, da “Folha de S. Paulo” — na matéria “Deputados quer que ‘piroca’ seja patrimônio imaterial do Amazonas” —, “apresentou um projeto que propõe transformar palavras como ‘piroca’, ‘cabaço’, ‘baitola’, ‘pinguelo’ e ‘xibiu’ em patrimônio imaterial do Estado”. A base do projeto do peemedebista é o livro “Amazonês — Expressões e Termos Usados no Amazonas” (110 páginas), do acadêmico Sérgio Freire (também citado pela “Folha” como “Freitas”).

Como se tornou motivo de chacota nacional, o projeto não deve ser aprovado pela Assembleia Legislativa do Amazonas. Embora evangélico, Dallas usa uma linguagem que faria Oswald de Andrade (e até Carlos Zéfiro e Dercy Gonçalves) corar: “É um grupo de deputados que se constrange com a palavra ‘cabaço’, mas usa de boca cheia em qualquer lugar”. A crítica é apropriada, mas não é uma justificativa para que a palavra se torne patrimônio imaterial do Amazonas. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Orlando Cidade (PTN), diz que o projeto não tem “a menor consistência”.

Dallas, segundo Cidade, “já tentou transformar em patrimônio até a festa do repolho”. Se amanhã, na falta de uma ideia mais rica, Dallas, se eleito deputado federal, tentar transformar o “peido” em patrimônio imaterial do Brasil ou da humanidade, alegando que protege a camada de ozônio, devemos reler “Policarpo Quaresma”, com certa urgência “material”. Não se sabe de quem vamos rir mais — se de Dallas, com suas ideias criativas e inusitadas, ou do grande personagem do gigante Lima Barreto.

O que surpreende é que Sérgio Freire [foto acima], professor, doutor em Linguística e tido como pesquisador gabaritado, endosse o projeto de Dallas. “O português oral falado aqui é riquíssimo e lhe cortar partes numa censura linguística — porque é ‘feio’ — é de uma pobreza intelectual imensa”, afirma o intelectual amazonense. Ele está certo: a língua não deve ser censurada, mas não há motivo algum para determinadas palavras se tornarem patrimônio imaterial do Amazonas ou de qualquer outro Estado.

A “Folha” não se atentou para os curiosos sobrenomes dos parlamentares: Dallas, Cidade.

Piroca segundo o Houaiss

Sobre “piroca”, o “Dicionário Houaiss” explica, na página 2225: “Adjetivo (1889). 1 — Calvo, pelado [esclarece que são termos usado com este sentido no Amazonas]. 2 — Que se caracteriza pela avareza; sovina [nesse sentido, é usada no Nordeste de maneira pejorativa]. Substantivo feminino: 3 — Pênis infantil ou pequeno. 3.1. — Por extensão, qualquer pênis. Etimologia: segundo [Antenor] Nascentes, do tupi pi’roka — ‘calvo’, ‘pelado’; para o autor, ‘o nome do pênis de menino vem da aparência da glande’”.