Polêmica da semana vem do século passado: os Mamonas Assassinas seriam bolsonaristas?

17 julho 2022 às 00h23

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O ano de 2022 está sendo curioso sob um aspecto bem particular: o calor da disputa de eleição presidencial antecede ao clima de Copa do Mundo, porque desta vez o evento será no fim do ano – as altas temperaturas no Catar inviabilizam sua realização no verão do hemisfério norte. Quando a bola rolar para o Mundial, já será conhecido o vencedor do pleito de outubro.
O acirramento desta vez vem junto a uma régua ideológica que tenta reconhecer quem é “de esquerda” e quem é “de direita” como nunca houve em eleições precedentes, ainda que isso esteja ressaltado desde 2014 e tenha se agravado em 2018.
Como o presidente Jair Bolsonaro (PL) tem como estratégia puxar o debate para essa polarização, atrelada a sua agenda de costumes, um dos modos de classificar quem é de um espectro e quem seria do outro é pela medição do que se massificou como “politicamente correto”.
Nessa divisão discursivo-ideológica, aqueles que se dizem “contra o mimimi”, não têm papas na língua na hora de usar termos considerados sensíveis para os integrantes de alguma etnia, gênero, orientação sexual etc. e militam pelo uso irrestrito da “liberdade de expressão” seriam gente de direita ou “conservadores”. Já os que protestassem contra essas ações, seja como for, são de esquerda, progressistas.
Nessa rotulação, entram também artistas e outras personalidades. E não se perdoa nem as que já se foram. Uma polêmica da última semana no Twitter foi sobre em que espectro estariam os Mamonas Assassinas se estivessem vivos.
Dinho, Bento, Júlio, Sérgio e Samuel formaram o quinteto que saiu de Guarulhos (SP) para tomar o Brasil em 1995, numa escalada de sucesso poucas vezes vista na história do pop nacional. Em 2 de março de 1996, ao retornar do último show que fariam em terras brasileiras antes de uma turnê por Portugal, o jatinho em que estavam se chocou com a Serra da Cantareira durante os procedimentos para a aterrissagem.
Seus hits escrachados ficaram na memória afetiva de todos os que viveram os anos 90. Todas as canções do único álbum que gravaram com este nome – antes, a banda se chamava Utopia e em quase nada se discernia do padrão “sério-existencialista” de boa parte do Rock BR dos anos 80 – tinham a pegada do bom humor e da irreverência.
Mas as músicas da banda geraram muita polêmica à época, porque tinham muitos palavrões e faziam muito sucesso com crianças e adolescentes – os adultos não entendiam que o fascínio dos pequenos pelos rapazes de Guarulhos se dava muito mais pelo estilo naturalmente brincalhão do grupo e pelos figurinos espalhafatosos de fantasias diversas, de super-heróis a presidiários, de vestidos a praticamente cuecas como peça única.
O fato é que as redes sociais, num exercício de imaginação, resolveram carimbar os Mamonas como bolsonaristas, se vivessem hoje. Na rotulação post-mortem houve ainda um “princípio de cancelamento” do grupo, já que suas letras seriam inaceitáveis na sociedade atual. O Vira, Robocop Gay e Jumento Celestino fariam, respectivamente, apologia à misoginia, à homofobia e à xenofobia.
Fã da banda, a usuária do Twitter @carolreoli resolveu reagir da melhor forma: em uma sequência de postagens (tuítes), chamada de “fio”, postando trechos de depoimentos dos próprios Mamonas Assassinas em que, eles mesmos explicam o contexto das letras. Em uma das falas do “fio” no Twitter, o tecladista Júlio Rasec diz:
“Nossa música é basicamente um retrato musical do cotidiano. A gente só relata as tragédias de uma forma engraçada. A pessoa pensa que é tudo engraçado, mas, se for analisar, é tudo uma grande tragédia.”
E assim, com essa virada no olhar, pode-se perceber, por exemplo, que Robocop Gay, uma sátira com o estereótipo gay, serviu para atenuar o sentimento da sociedade em tempos nos quais a violência contra homossexuais, especialmente travestis, era vista como aceitável por boa parte da população.
Da mesma forma, Jumento Celestino não pode ser vista como uma exaltação da xenofobia – Dinho, o vocalista e destaque principal da banda, havia nascido em Irecê, no interior da Bahia. Os hits 1406 e Chopis Centis, vistos além da zoação, são ironias críticas sobre o consumismo.
Há outros detalhes importantes para afastar a imagem póstuma de “bolsonaristas” do quinteto: eles chegaram a fazer campanha conjunta para Lula (presidente) e Geraldo Celestino (deputado), vereador de sua cidade natal. Na brincadeira de amigo secreto do Fantástico do fim de 1995, presentearam Deolinda, uma militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), com uma fantasia de Mulher Maravilha “puxada” no vermelho e nas estrelas. E Dinho fala: “Uma pessoa batalhadora, trabalhadora e alguém que luta por um ideal muito bonito.” Mais do que isso, Dinho era envolvido com a política, já tinha sido assessor parlamentar e declarou voto em Lula em 1994.
De qualquer forma, não faria sentido algum pensar que alguém seria bolsonarista ou petista hoje por conta de situações que ocorreram em sua juventude. O ser humano está em constante e a prova está na própria política: adversários durante décadas e protagonistas do duelo final de 2006, Lula e Geraldo Alckmin hoje formam dobradinha de presidente e vice para concorrer neste ano.