Pode-se condenar e exigir indenização da Jovem Pan, mas não se deve retirar a rádio do ar

02 julho 2023 às 00h00

COMPARTILHAR
Censurar a divergência, mesmo se excessiva, para agradar ou não o poderoso do momento, parece mas não é uma boa ideia. Jornalistas não devem comemorar as teses do MPF. Agora, pode ser a Jovem Pan. Amanhã, não se tendo a rádio, um excesso menor poderá sofrer ‘penalidades’ semelhantes.
Ecoando a esquerda, que durante anos criticou asperamente a TV Globo e aquilo que chamava de “grande mídia” ou “grande imprensa (a dita “imprensa burguesa” de tempos idos), o ex-presidente Jair Bolsonaro e o bolsonarismo aceleraram os ataques a jornalistas e empresas de comunicação.
O próprio Bolsonaro, mais do que criticar, atacou jornais — como a “Folha de S. Paulo” —, o Grupo Globo e jornalistas. As maiores violências verbais foram dirigidas às profissionais mulheres, como as competentes (e não militantes) Patrícia Campos Mello, da “Folha”, e Vera Magalhães, de “O Globo”.

Poucas vezes se viu, na história do país, ataques tão rasteiros aos profissionais do ramo da comunicação. A linguagem de Bolsonaro e de seus apoiadores frequentemente eram chulas. Na verdade, continuam, quiçá em menor escala, dada a falta do controle do poder federal.
Desde Carlos Lacerda, com seu jornal “Tribuna da Imprensa” — no qual fuzilava verbalmente seus adversários políticos, que tratava como inimigos —, a direita radical, mesmo em jornais conservadores, como o “Estadão”, nunca conquistou espaço considerado suficiente para expor suas opiniões e, por vezes, diatribes.
Com a internet, sobretudo com as redes sociais e a multiplicidade de sites e blogs de indivíduos isolados — que não necessariamente dirigem empresas, exceto de “fundo de quarto”, por assim dizer —, a direita aprendeu rapidamente a constituir espaços para suas manifestações.

Com as redes sociais e sites, a direita radicalizou-se — com posicionamentos cáusticos em relação a adversários (que são transformados em inimigos a serem destruídos) e instituições. Perdeu-se, na prática, a noção de que é preciso ter limites. A meta a ser alcançada é exatamente não ter limites. Aparentemente, quanto menos limites, mais se conquista adeptos, que se tornam multiplicadores das ideias mastigadas e simplistas da direita, que, aos poucos, se tornou extrema.
Em termos de veículos tradicionais, a direita não conquistou apoio de jornais, rádios e emissoras de televisão (a Record alinhou-se a Bolsonaro, porém não a ponto de se tornar uma espécie de porta-voz do ex-presidente) — exceto da Rádio Jovem, que está no mercado há 80 anos e tem (ou tinha) um bom nome.
A Jovem Pan — que adversários nominam de “Jovem Klan” e de “Velha Pan” —, com presença também no YouTube e na tevê por assinatura, radicalizou-se, à direita, e alinhou-se ao governo de Bolsonaro.

Com uma equipe de relativa qualidade — Augusto Nunes, Rodrigo Constantino e Guilherme Fiuza estavam acima da média de seus colegas, pois têm uma formação intelectual mais rigorosa (foram demitidos depois da vitória de Lula da Silva) —, a Jovem Pan decidiu se colocar como uma espécie de porta-voz informal do governo Bolsonaro.
Mesmo as maluquices (mais do que isto, claro) de Bolsonaro, que incentivava as pessoas a não se vacinaram — em decorrência, milhares morreram —, receberam o endosso de vários jornalistas da Jovem Pan. Uns mais, outros menos.
Durante os quatro anos do governo Bolsonaro — ou pelo menos boa parte deles —, a Jovem Pan, para defendê-lo e atacar seus adversários, excedeu, como uma linguagem virulenta, como se estivesse “ameaçando” discordantes. “Desafetos” eram chamados de “canalhas” e “covardes”.
Pois, se passou quase meia década defendendo causas espantosas — como o próprio apoio desmedido a Bolsonaro, o que a levou a duvidar da eficácia das vacinas contra a Covid 19 —, Jovem Pan não foi incomodada pelo Ministério Público Federal.

É provável que, se o MPF tivesse acionado a Jovem Pan com dezenas de ações, a rádio teria corrigido, pelo menos em parte, seu rumo profissional. Faltou “independência” aos procuradores para firmarem uma posição, digamos corretiva, às diatribes dos jornalistas e do proprietário? Com algum rigor legal, é provável que os excessos pelo menos poderiam ter sido contidos.
O MPF que agora acorda e “aperta” a Jovem Pan é o mesmo dos últimos quatro anos, mas não parece aquele que, se não foi leniente (deveria ser investigado por omissão?), não soube perceber tantos excessos da Jovem Pan (e de Jair Bolsonaro). A morte de milhares de pessoas — muitas delas porque não aceitaram o isolamento social e, depois, se recusaram a serem vacinadas — não podem ser atribuídas diretamente à rádio. Mas é preciso admitir que seguiu a cartilha anti-vacina de Bolsonaro e sequazes.
A ascensão de Lula da Silva, do PT, à Presidência da República, em 1º de janeiro de 2023, parece ter “libertado” o Ministério Público Federal de alguma amarra (o que se pode indicar é que houve certa omissão).

Com seis meses de Lula da Silva no poder, o MPF decidiu ajuizar uma ação civil pública pela qual solicita o cancelamento de três outorgas de radiodifusão da Jovem Paz e o pagamento de 13 milhões de reais como indenização por danos morais coletivos.
O MPF alega, na ação — que será julgada por um juiz (depois, por um desembargador e, em seguida, pela STJ e, provavelmente, chegará ao Supremo Tribunal Federal) —, que a Jovem Pan divulgou, de maneira reiterada, entre 1º de janeiro de 2022 e 8 de janeiro de 2023, material dito jornalístico que contribuiu para tentar desacreditar, sem a devida comprovação, o processo eleitoral. Ao mesmo tempo, teria incitado a desobediência às leis, a subversão à ordem e defendeu a intervenção das Forças Armadas nas instituições. Ou seja, postulou pelo golpe de Estado, pela hegemonia da ilegalidade.
O Supremo Tribunal Federal — sobretudo os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, os mais vergastados — foi criticado de maneira extrema, com a prevalência de fake news.
O Ministério Público Federal não está, evidentemente, mentindo e nem exagerando. A Jovem Pan excedeu-se mesmo.
Porém, é preciso concordar com a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. A Abert observa que o cancelamento de uma outorga de rádio e televisão “é uma medida extrema, grave e que a liberdade de programação das emissoras é fundamental para o livre exercício do jornalismo”.
A Abert acerta, mas também erra ao não apresentar uma crítica, mínima que seja, à conduta da Jovem Pan. Porque não se pode confundir liberdade de imprensa com liberticídio, com excesso contra pessoas e instituições.
Entretanto, a postulação do MPF — que dificilmente será acatada por um juiz que seguir a lei estritamente e tiver bom senso (frise-se que, no país, as leis andam por demais elásticas, superando inclusive as jurisprudências; às vezes, de maneira imprudente) —, é excessiva. Tudo bem que a Jovem Pan seja processada e que aqueles que excederam, inclusive o proprietário (que, no momento, parece posar de “santo”), sejam até condenados. A indenização também é aceitável, por certo, mas num valor não tão alto. Porque 13 milhões correspondem a 10% dos ativos da rádio, o que, se não inviabiliza, retira grande parte de seus recursos. Uma “multa” um pouco menor será tão educativa quanto os 13 milhões (frise-se: 13 é o número do PT).
Há a possibilidade de o MPF acreditar que, “punindo” — tentando “punir” — a Rádio Jovem Pan, estará agradando o novo residente na Casa Grande, Lula da Silva? Não se sabe. O MPF quase sempre teve uma conduta exemplar.
Mas fica-se com a impressão de que o castigo — a cassação da concessão, que pode retirar a rádio do ar — é excessivo, espécie de vingança contra os bárbaros. O “veneno” pode até “matar” — que é o que se pretende fazer com o possível “garroteamento” da rede? —, mas, ao contrário do que se pensa, não tem caráter didático. Censurar a divergência, mesmo quando excessiva, para agradar ou não o poderoso do momento, parece mas não é uma boa ideia. Jornalistas não deveriam comemorar as teses do Ministério Público. Hoje, pode ser a Jovem Pan. Amanhã, não se tendo a rádio, um excesso menor poderá sofrer “penalidades” semelhantes.
Denunciem e, até, condenem a Jovem Pan (cujo jornalismo não me entusiasma). Mas deixem a rádio no ar. Porque é democrático. A censura — ideológica ou de outro matiz — não é saudável. Por incrível que possa parecer, até os que são antidemocráticos merecem algum respeito da democracia.