1958, Suécia: a primeira Copa do Mundo do menino Pelé

No fim da década de 1950, ao transformar o Maracanã em palco para seu futebol visto e produtivo, Pelé recebeu uma ligação de alguém da seleção brasileira. Ele fora convidado para participar da Copa Roca e, aos 16 anos, teria de enfrentar a Argentina, mestre da catimba.

Envergando a camisa 13, Pelé entrou no segundo tempo. A Argentina vencia por 1 a 0, mas o garoto empatou a partida. Os jogadores do país de Oliverio Girondo venceram por 2 a 1. Mas o país descobriu que agora tinha um grande jogador (com 1,73m).

Didi, o Príncipe Etíope, Mazzola, Pelé, o Rei, e Pepe: estrelas de 1958 | Foto: Reprodução

Na partida de volta, no Pacaembu, em São Paulo, a seleção venceu a Argentina, por 2 a 0. Pelé fez um gol e Mazzola fez o outro. O Brasil foi campeão da Copa Roca. “Foi meu primeiro título internacional”, assinala o pibe de ouro, ah, sim, do Brasil.

No Santos, na sua primeira temporada completa, Pelé se tornou o titular da camisa 10. “Fui o artilheiro do Campeonato Paulista, o principal que disputávamos, com 17 gols.” Agora, era forte. “Eu treinava bastante. Sempre fui um perfeccionista. Treinava mais o pé esquerdo, que tinha menos potência do que o direito. Também exercitava cabeceios.”

O caratê ensinou Pelé “a cair e saltar”. O judô contribuiu para “aprimorar o equilíbrio e a agilidade”. “Quando driblava os adversários, dificilmente caía”.

Pelé: o caratê o ensinou “a cair e saltar” (lutou também judô) | Foto: Reprodução

O jogador modelo para Pelé era Zizinho. “Foi o jogador que eu mais idolatrei.” Ao vê-lo em campo, a majestade do futebol, Zizinho disse que pensou: “Esse aí vai longe”.

Em 1958, a imprensa sugeria que Pelé ou Telê Santana seria convocado para a disputa da Copa do Mundo, na Suécia. Deu Pelé.

Mas, num jogo-treino entre a seleção e o Corinthians, Ari Clemente machucou o joelho direito de Pelé. O menino ficou desesperado, ao sair de campo. O fisioterapeuta Mário Américo disse, para confortá-lo: “Escute aqui, Crioulo [outro apelido de Pelé], vou fazer todo o possível para você ficar bem”. O chefão da seleção, Paulo Machado de Carvalho, acreditava na sua recuperação.

Vicente Feola: o técnico que bancou Pelé na Copa, em 1958 | Reprodução

“Estive muito perto de ser cortado”, admite Pelé. O médico Hilton Gosling teria dito que sua recuperação era complicada, mas não impossível. “Fui mantido na equipe.” Os colegas, tentando animá-lo, o chamavam de “Alemão”. Suecas se empolgaram com Pelé e outros jogadores. Ele flertou com a bela Ilena.

No primeiro jogo, contra a Áustria, Pelé ficou de fora. O Brasil ganhou por 3 a 0. A segunda partida resultou em empate — 0 a 0 — contra a Inglaterra.

Nos treinos, Pelé e Garrincha faziam “gato e sapato dos titulares”. Inquirido por Paulo Machado de Carvalho se o garoto de 17 entraria contra a dura União Soviética — do fantástico goleiro Yashin e do atacante Simonian —, o técnico Feola disse: “Mas é claro! Faz tempo que estou querendo lançá-lo”.

Pelé faz seu primeiro gol em Copa do Mundo, em 1958, contra o País de Gales | Foto: Reprodução

Porém, o psicólogo João Carvalhaes disse que Pelé era “infantil” e aconselhou a não escalá-lo. E disse que Garrincha não era “responsável”. Feola discordou: Você pode estar certo. O problema é que você não entende nada de futebol. Se o joelho de Pelé está bom, ele joga!”.

A torcida ficou espantada com aquele menino negro, com a camisa 10 nas costas. “Garrincha entrou em ação imediatamente, driblando de forma devastadora pela ponta direita e abrindo buracos nas linhas russas, relata Pelé. Mas a bola não entrava no gol dos soviéticos. Didi disse para Pelé: “Relaxa, garoto. O gol vai sair, é só ter calma”. De fato, logo depois Vavá fez um gol, aproveitando passe de Didi. Vavá fez mais um gol e o Brasil venceu os atletas vermelhos Kruschev.

Pelé faz gol contra a França, em 1958 | Foto: Reprodução

Contra o País de Gales, Pelé fez seu primeiro gol numa Copa do Mundo. “E foi o gol da vitória. (…) Aquele gol foi o mais inesquecível da minha carreira. Fez a minha autoconfiança disparar de vez. O mundo agora sabia quem era Pelé. Ninguém me segurava mais.”

Na semifinal, contra a França, Pelé fez três gols — dando chapéus nos adversários — e os demais foram feitos por Vavá e Didi. O Brasil venceu por 5 a 2. Garrincha havia se tornado uma estrela. “Depois que o Garrincha pegava a bola, o adversário não conseguia mais tomá-la dele. (…) Foi o começo de uma parceria histórica na seleção: toda vez que jogamos juntos, o Brasil nunca perdeu. (…) Didi era o nosso mestre.” Didi foi escolhido como o melhor jogador da copa.

Na final, a Suécia saiu na frente, surpreendendo os brasileiros. Vavá fez dois gols, Pelé fez dois e Zagallo marcou um. Nilton lançou para o craque, que, “com um lençol”, superou Gustavsson. “Bati de primeira, antes que a bola tocasse o chão. Foi um belo gol. É um dos meus favoritos entre todos.” A torcida delirava: “Samba! Samba!”

Gol de Pelé contra a Suécia, em 1958: o Brasil é campeão | Foto: Reprodução

Ao fazer o quinto gol, numa cabeçada perfeita, Pelé acabou desmaiando. Mas não era nada sério. O Brasil venceu por 5 a 1 e se tornou campeão mundial pela primeira vez.

O zagueiro sueco Sigge Parling disse: “Depois do quinto gol, até eu queria ir comemorar com ele”. A seleção de 58 era assim: jogava bonito, encantava as plateias, e fazia muitos gols.

A “Paris-Match” deu na capa que o futebol tinha um novo rei, Pelé. “O termo pegou, e em seguida eu comecei a ser chamado de Rei Pelé. (…) Escolhido pelo povo.”

Pelé havia se tornado uma celebridade internacional. Em Santos, ganhou, desapontado, uma Romisetta, “um carrinho barulhento de três rodas”, que repassou para o pai.

Em 1958, com Pelé em forma estelar, o Santos foi campeão paulista. O artilheiro marcou 58 gols em 38 partidas. Em 1959, o time ganhou o torneio Rio-São Paulo pela primeira vez. Em seguida, o clube não parou de ganhar títulos em São Paulo. “Eu era sempre o artilheiro.” O ataque, irresistível, era formado por Pelé, Pepe, Pagão e Coutinho. Pelé e Coutinho ficaram famosos pelas tabelinhas que terminavam em gols, de um ou do outro.

Pelé faz o famoso gol de placa contra o fluminense, no Maracanã, em 1961 | Foto: Reprodução

Em seguida, o coração começou a bater pela jovem Rosemeri Cholbi, a Rose. Porém, como ela era muito jovem, não dava para casar.

Em 1959, Pelé jogou pelo Brasil no Campeonato Sul-Americano das Forças Armadas. No jogo contra a Argentina, Pelé foi expulso pela primeira vez.

Com a vitória na Copa da Suécia, e consagrado nacional e internacionalmente, Pelé conseguiu um contrato melhor com o Santos e, finalmente, conseguiu comprar uma casa para os pais.

O Santos excursionava por todo o mundo. Certa feita, o time-seleção iria jogar no Egito. “Em Beirute, uma grande multidão invadiu o aeroporto e ameaçou me sequestrar se não concordássemos em jogar uma partida contra um time libanês. Em Paris, Pelé encantou-se pela modelo Kiki. Ao voltar para casa, a namorada Rosemeri, que havia visto suas fotos com a deslumbrante europeia Kiki, ficou jururu.

Em 1961, jogando contra o Necaxa, no México, Pelé sofreu uma lesão grave. “O goleiro e eu saltamos e fui atingido no rosto ao mesmo tempo que era golpeado no ombro pelo defensor argentino Dalacho. Caí desmaiado. (…) Percebi que alguma coisa estava errada com a minha visão.” O Santos perdeu de 4 a 3.

Num jogo contra o Fluminense, Pelé diz ter feito seu gol mais espetacular. “Peguei a bola junto à nossa grande área e comecei a correr com ela na direção do gol do Fluminense. Um jogador veio tentar me desarmar, depois outro, um terceiro, um quarto, um quinto, um sexto… Eu driblei todos eles antes de passar pelo goleiro também.” “Foi o mais lindo gol” marcado no Maracanã, disse um jornal, que mandou colocar uma placa de bronze na entrada do estádio. “O gol ficou conhecido como ‘gol de placa’.”

Verdadeira máquina de fazer gols, apesar de acossado com violência pelos zagueiros, Pelé, em setembro de 1961, em meras três semanas, marcou 23 vezes em seis partidas.

Num jogo contra o Guarani, Pelé fintou “dois jogadores da defesa antes de passar por um terceiro e desferir um chute violento”. A bola bateu no travessão. O árbitro João Etzel Filho disse que havia sido gol. “Quer saber de uma coisa? Foi uma jogada tão bonita que eu vou dar o gol, mesmo que a bola não tenha entrado. Gol do Pelé, e fim de papo!”, vociferou, onipotente, o juiz. A torcida? Aplaudiu, é claro, pois de Rei, sobretudo na arte futebolística, não se discorda.

Dois livros foram publicados sobre Pelé e um filme, “Eu Sou Pelé”, foi lançado. A Inter de Milão fez o impossível para contratá-lo. “Não aceitei.” Correu a lenda de que o Congresso o havia declarado, oficialmente, um “tesouro nacional não exportável”. Ainda assim, o dono da Juventus (e da Fiat), Umberto Agnelli, tentou contratá-lo. “Que tal 1 milhão de dólares para começo de conversa?”, disse o empresário italiano ao presidente do Santos, Athiê Jorge Coury. Ele acabou oferecendo mais dinheiro, mas Pelé era a máquina que gerava dinheiro para o Santos.

No Brasil, Pelé começou a ganhar dinheiro “emprestando” seu nome “para promover diversos produtos”. Ganhando mais dinheiro, o jogador decidiu fazer investimentos, e começou a ser passado para trás.

[A base deste texto, o segundo de uma série, é o livro ‘Pelé — A Autobiografia” (Sextante, 299 páginas, tradução de Henrique Amat), de Pelé, com redação de Alex Bellos e Orlando Duarte.]