Ao menos um dos jornais do grupo Folha apoiou abertamente a ditadura e a Folha de S. Paulo, ao apoiar as Diretas Já, lavou o passado

Muitos apoiaram o golpe de 1964 e, também, a ditadura civil-militar que durou 21 anos, até 1985. A maioria dos grandes jornais fez campanha contra o governo de João “Jango” Goulart, apoiou sua derrubada e apoiou todos os candidatos militares (com ressalvas pontuais, no caso do “Estadão”).

Quem apoiou o golpe e a ditadura usufruiu algumas vantagens, como empréstimos subsidiados em bancos públicos. Se os governos militares não foram positivos para os meios de comunicação — em termos de liberdade de expressão, devido à censura e às pressões —, não se pode sugerir que foram ruins para as finanças das empresas.

Observe bem: tem alguém forçando Roberto Marinho a falar com o general Costa e Silva, a andar de braços dados com o general João Figueiredo e com Antônio Carlos Magalhães (civil)?

O grupo “Folha da Manhã”, que edita a “Folha de S. Paulo” e editou a “Folha da Tarde”, mantinha uma relação de cumplicidade com a ditadura. Pode-se falar quase numa agenda participativa. O Grupo Globo, que dirige a TV Globo e o jornal “O Globo”, era de um entusiasmo flamante com a ditadura. Os produtos da empresa cresceram alegremente sob Castello Branco, Costa e Silva, Emílio Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. De 1964 a 1985, as reclamações sobre os cinco generais eram mínimas. Eram quase “gênios da raça”.

Em 1984, dada a inteligência sutil de Otavio Frias Filho, recém-falecido, a “Folha” saiu na frente e hipotecou total apoio à campanha das Diretas Já, conquistando um público fiel. O jornalista soube interpretar o momento histórico, ao ficar ao lado da sociedade contra o arbítrio. A ação acabou por “lavar” a “conexão” das “Folhas” com a ditadura, embora talvez não fosse a intenção do diretor de redação. A “Folha” boa, a ser destacada, não era a que apoiou a ditadura, e sim a que apoiou as Diretas Já. Um lance de mestre.

Roberto Marinho e o presidente-general Castello Branco

A TV Globo tentou esconder, ao menos no início, os comícios gigantes que propunham eleição direta para presidente. Quando começou a ser cobrada pela sociedade, que denunciava a miopia dos proprietários e dos editores, a Globo mudou de posição e passou a divulgá-los. Mais recentemente, com Roberto Marinho morto, os filhos autorizaram os novos ideólogos do jornal a publicar um editorial sugerindo que o apoio ao golpe e à ditadura foi um “erro”. O pedido de desculpas “lavou” o passado conservador do Grupo Globo, criando uma era progressista.

Mas lavou mesmo? Teria lavado se os proprietários dissessem: “Como faturamos tantos milhões de reais na ditadura, vamos destinar 50% do que ganhamos para ações sociais e culturais”. Não há notícia, apesar do apoio a algumas atividades culturais, de que o Grupo Globo pense em “devolver” dinheiro à sociedade.

Livro apresenta uma visão menos heroica da imprensa sob a ditadura

A história não perdoa e não esquece. Portanto, do ponto de vista da história, o pedido de perdão da Grupo Globo nada significa. A história não anistia nem condena, mas mostra, por meio de documentos e interpretações, o que aconteceu. A conexão dos meios de comunicação com a ditadura ainda está sendo contada pelos pesquisadores. Recomendo vivamente o livro “Cães de Guarda — Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988” (Boitempo, 404 páginas), da historiadora Beatriz Kushnir. É um daqueles livros que, nos grandes jornais e revistas, ninguém quer resenhar, pois deixa a imprensa de calças curtas.

Fica-se com a impressão, depois da queda da ditadura, que a imprensa teve uma atuação heroica. Não é bem assim. Houve alguma resistência — folclorizada tanto no “Estadão” quanto no “Correio Braziliense” — mas a adesão foi, evidentemente, muito superior. O amor entre jornais e ditadura por certo não era romântico, mas era pragmático, como muitos casamentos longevos.

A impressão que se tem, do ponto de vista atual, é que ninguém gostou de apoiar a ditadura. Todos teriam sido forçados. Portanto, é preciso contratar um caça-fantasmas para localizar, entre os fantasmas, quem de fato teve um caso de amor com os governos militares. Não se deve ficar surpreso se, adiante, os filhos ou netos dos generais-presidentes pedirem desculpas públicas, como a família Marinho.