Para além da crítica ao stalinismo, Milan Kundera fez literatura de alta qualidade
23 julho 2023 às 00h00
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Uma das melhores entrevistas do escritor tcheco Milan Kundera saiu no livro “As Entrevistas da Paris Review” (Companhia das Letras, 451 páginas, tradução de George Schlesinger) e foi concedida a Christian Salmon, em 1983.
Milan Kundera, que morreu no dia 11 deste mês, aos 94 anos, teve de se exilar na França por causa da perseguição do governo stalinista da Tchecoslováquia. Entre suas principais obras literárias estão “A Brincadeira”, “O Livro do Riso e do Esquecimento”, “A Insustentável Leveza do Ser”, “A Imortalidade”, “A Valsa dos Adeuses” e “Risíveis Amores”. Escreveu também ensaios de alta qualidade, publicados em “A Arte do Romance”, “Um Encontro” e “Testamentos Traídos”, nos quais examina escritores, pintores, compositores, diretor de cinema: Beethoven, Cervantes, Dostoiévski, Fellini, Francis Bacon, García Márquez, Hemingway, Kafka, Leoš Janáček, Philip Roth, Proust, Schoenberg e Stravinski.
A seguir, sintetizo a entrevista, destacando trechos que mais chamaram a minha atenção. Vale a pena ler toda a entrevista e o livro, porque há outras entrevistas — de Salman Rushdie, Elizabeth Bishop, Julio Cortázar, Vladimir Nabokov, Joseph Brodsky, Martins Amis — que podem interessar aos leitores aficionados por literatura.
A entrevista foi feita no apartamento de Milan Kundera, em Paris. Lá, Christian Salmon notou que as estantes estavam cheias de livros sobre musicologia e filosofia. Duas fotos estavam nas paredes. Uma do pai do escritor. A outra do compositor tcheco Leoš Janáček, que o autor de “A Identidade” admirava.
Na época, o romance “A Insustentável Leveza do Ser” havia se tornado best-seller (desaguou num belo filme, com título homônimo, dirigido por Philip Kaufman). “A fama súbita o deixa pouco à vontade”, pontua Christian Salmon. A imprensa esbaldou-se, publicando dezenas de resenhas, inclusive no Brasil. “Já tive uma overdose de mim mesmo”, disse Milan Kundera ao entrevistador.
O autor de “A Ignorância” não apreciava falar de si, não tinha o hábito de se promover. Era discreto. “Desprazer em falar sobre si mesmo é o que distingue o talento literário do talento lírico”, afirmou Milan Kundera à “Le Nouvel Observateur”.
Robert Musil e Hermann Broch
Na primeira pergunta, Christian Salmon pontua que os escritores vienenses Robert Musil (1880-1942) e Hermann Broch (1886-1951) eram admirados por Milan Kundera. O escritor-crítico comenta que, em razão da “decadência” do romance psicológico, Hermann Broch versava sobre o romance “poli-histórico”.
Milan Kundera sublinha que Musil e Broch “viam” o romance “como a suprema síntese intelectual, o último lugar onde o homem ainda podia questionar o mundo como um todo”. Ambos postulavam “que o romance possuía tremendo poder de síntese, que podia ser poesia, fantasia, filosofia, aforismo e ensaio, tudo numa coisa só”. Thomas Mann não é mencionado (é citado na página 99 do “Livro do Riso e do Esquecimento”), mas a fala do escritor tcheco tem a ver com “A Montanha Mágica” (Companhia das Letras, 856 páginas, tradução de Herbert Caro) e não apenas com “O Homem Sem Qualidades” (Nova Fronteira, 872 páginas, tradução de Lya Luft e Carlos Abbenseth), de Robert Musil, e “A Morte de Virgílio” (Sétimo Selo, 424 páginas, tradução de Wagner Schadeck) e “Os Sonâmbulos” (Relógio D’Água, 592 páginas, tradução de António Sousa Ribeiro).
O termo “romance poli-histórico” não agrada a Milan Kundera, que o considera “mal escolhido”. “O objeto específico que Broch gostava de chamar ‘conhecimento novelístico’ é a existência. A palavra ‘poli-histórico’ precisa ser definida como ‘aquilo que reúne todo dispositivo e toda forma de conhecimento no sentido de lançar luz sobre a existência’. Eu me sinto próximo a uma abordagem como essa.”
O entrevistador ressalta que, depois de um artigo publicado por Milan Kundera, na revista “Le Nouvel Observateur”, os franceses redescobriram Broch. “Todas as grandes obras (justamente por serem grandes) são parcialmente incompletas”, anota o autor de “Um Ocidente Sequestrado — Ou a tragédia da Europa Central” (Companhia das Letras, 96 páginas, tradução de Mariana Delfini).
“Broch é uma inspiração para nós não apenas pelo que conseguiu, mas também por tudo o que teve como objetivo e não conseguiu conquistar. A própria incompletude de seu trabalho pode nos ajudar a compreender a necessidade de novas formas de arte, inclusive: 1 — despir-se radicalmente das coisas não essenciais — buscando capturar a complexidade da existência no mundo moderno sem perda da clareza arquitetônica; 2 — ‘contraponto novelístico’ — para unir filosofia, narrativa e sonho numa única música; 3 — o ensaio especificamente novelístico — em outras palavras, em vez de se propor a transmitir uma mensagem apodítica, manter-se hipotético, brincalhão ou irônico”, interpreta Milan Kundera.
Técnica da elipse, a arte da condensação
Sem o domínio da técnica da elipse, a arte da condensação, não se tem como “transformar o romance na iluminação poli-histórica da existência”, assinala Milan Kundera. Corre-se o risco de se escrever romances gigantes, “enrolados”. “O livro de Musil, ‘O Homem Sem Qualidades’, é um dos dois ou três romances de que mais gosto. Mas não me peça para admirar sua gigantesca e inacabada extensão!”
O grande leitor de Broch e Musil sugere que, “quando você acaba de ler, deve ser capaz de se lembrar do começo. Senão, o romance perde sua forma, sua ‘clareza arquitetônica’ fica embaçada”.
“O Livro do Riso e do Esquecimento”, na edição que tenho em mãos, conta com 214 páginas. Trata-se da edição da Nova Fronteira publicada, sob licença, pelo extinto Círculo do Livro, em 1990, com tradução de Tereza Bulhões Carvalho da Fonseca (sua grande tradutora no Brasil). É uma crítica corrosiva da ação do stalinismo na versão tcheca — que, denuncia o autor, contaminou todos os escaninhos da vida da Tchecoslováquia. O trágico é iluminado (e não escondido) pelo cômico.
Como “O Livro do Riso e do Esquecimento” tem sete partes — com capítulos curtos, alguns curtíssimos —, o entrevistador sugere que, se o tratamento não tivesse sido elíptico, a obra poderia ter resultado em sete romances, porque são várias as histórias, ainda que variações sobre o mesmo tema — a tragédia do comunismo na vida das pessoas (inclusive das que o apoiam, pois se tornaram delatoras, desleais).
A opinião de Milan Kundera: “Se eu tivesse escrito sete romances independentes, teria perdido a coisa mais importante: não teria sido capaz de captar a ‘complexidade da existência humana no mundo moderno’ num único livro. A arte da elipse é absolutamente essencial. Ela requer que sempre se vá diretamente ao centro das coisas”.
Ao mencionar o uso da elipse, Milan Kundera cita Leoš Janáček, “um dos maiores mestres da música moderna. Sua determinação de despir a música para focar o essencial foi revolucionária. (…) Meu propósito é como o de Janáček: libertar o romance do automatismo da técnica novelística”.
Inquirido sobre o “contraponto novelístico”, Milan Kundera frisa que “a ideia do romance como uma grande síntese intelectual quase automaticamente levanta o problema da ‘polifonia’”. Ele lembra que a terceira parte de “Sonâmbulos”, de Broch, “é composta de cinco elementos: 1 — a narrativa ‘novelística’ baseada nos três personagens principais; 2 — a história pessoal de Hanna Wendling; 3 — a descrição factual da vida num hospital militar; 4 — uma narrativa parcialmente em verso de uma moça do Exército da Salvação; 5 — um ensaio filosófico escrito em linguagem científica sobre a degradação dos valores”.
O crítico tcheco admite que, apesar de “cada segmento” ser “magnífico, os cinco elementos permanecem desunidos, ou seja, não constituem uma polifonia verdadeira”.
Milan Kundera propõe que “o romance pode incorporar elementos externos de duas maneiras. No decorrer de suas viagens, Dom Quixote conhece vários personagens que lhe contam suas histórias. Assim, histórias independentes são inseridas no todo, encaixando-se na moldura do romance. (…) Broch, em vez de encaixar a história de Hanna Wendling na história principal de Esh e Huguenau, deixa as duas se desenrolarem simultaneamente” (…) A primeira coisa que me incomoda em relação à terceira parte de ‘Sonâmbulos’ é que os cinco elementos não são equitativos. (…) A segunda coisa que me incomoda é que a história de Hanna Wendling ou o ensaio sobre o declínio dos valores poderiam muito bem se sustentar como obras independentes”.
Então, Milan Kundera arrola os requisitos básicos para o contraponto novelístico: “1 — a equivalência dos vários elementos; 2 — a indivisibilidade do todo”. O autor sugere que, na terceira parte de “O Livro do Riso e do Esquecimento” descobriu “a chave para uma nova maneira de reunir uma narrativa. A polifonia novelística é poesia muito mais do que técnica”.
A Insustentável Leveza do Ser
Christian Salmon nota que o contraponto novelístico não é tão aparente em “A Insustentável Leveza do Ser”. “Meu objetivo foi esse. Eu quis que sonho, narrativa e reflexão fluíssem juntos numa corrente indivisível e totalmente natural.”
De acordo com Milan Kundera, “o caráter polifônico do romance é muito visível na parte seis: a história do filho de Stálin, reflexões teológicas, um acontecimento político na Ásia, a morte de Franz em Bangcoc e o funeral de Thomas na Boêmia estão todos ligados pela mesma e permanente pergunta: ‘O que é o kitsch?’ Essa passagem polifônica é o pilar que sustenta toda a estrutura do romance. É a chave do segredo de sua arquitetura”.
O entrevistador volta a Broch, enfatizando sua linguagem científica. Milan Kundera pondera que, em “Os Sonâmbulos”, o prosador austríaco “não teve a intenção de expor uma tese filosófica”, mas o livro pode acabar sendo lido como um romance filosófico. “Como incorporar um ensaio no romance? É importante ter em mente um fato básico: a própria essência da reflexão muda no instante em que é incluída no corpo de um romance. (…) O romance é um território onde não se fazem asserções: é um território de brincadeiras e hipóteses. A reflexão dele é hipotética por sua própria essência.”
Christian Salmon contrapõe que um escritor pode “expressar sua filosofia de forma aberta e assertiva em seu romance”. Milan Kundera discorda, sustentando que o escritor não tem nenhuma filosofia. “As pessoas falam da filosofia de Tchékhov, de Kafka ou de Musil. Mas tente achar uma filosofia coerente em suas obras. Mesmo quando exprimem suas ideias em anotações, elas redundam em exercícios intelectuais, brincadeiras com paradoxos, ou improvisações em vez de asserções de uma filosofia”.
Filósofos que escrevem literatura são “pseudoromancistas”, postula Milan Kundera. “Nem Voltaire nem Camus jamais descobriram ‘aquilo que só um romance pode descobrir’. Eu sei de apenas uma exceção, que é o Diderot de ‘Jacques, o Fatalista’. Que milagre! Tendo cruzado a fronteira do romance, o filósofo sério se transforma num pensador brincalhão. Não há uma única frase séria no romance — tudo está na brincadeira. (…) ‘Jacques, o Fatalista’ contém tudo o que a França perdeu e se recusa a recuperar. Nesse país, preferem-se ideias a obras.”
“As reflexões musicológicas de ‘O Livro do Riso e do Esquecimento’ são hipotéticas ou assertivas?”, quer saber Christian Salmon. “Minha intenção é dar essas reflexões num tom brincalhão, irônico, provocativo, experimental ou questionador. Toda a sexta parte de ‘A Insustentável Leveza do Ser’ — ‘A grande marcha’ — é um ensaio sobre o kitsch que expõe uma tese principal: o kitsch é a negação absoluta da existência da merda”, assinala. Mas “o tom nunca é sério; é provocador. Esse ensaio é impensável fora do romance, é uma reflexão puramente novelística”.
Kafka: fusão de sonho e realidade
Christian Salmon aponta que há “narrativa onírica” em “A Vida Está em Outro Lugar”, “O Livro do Riso e do Esquecimento” e “A Insustentável Leveza do Ser” (os sonhos de Tereza). Milan Kundera conserta, digamos assim, a interpretação do entrevistador: “Não há nada para decifrar nos sonhos de Tereza. Eles são poemas sobre a morte. Seu significado reside em sua beleza, que a hipnotiza. Você percebe que as pessoas não sabem como ler Kafka simplesmente porque querem decifrá-lo? Em vez de se deixarem carregar por sua inigualável imaginação, procuram alegorias e se saem com nada mais além de clichês: a vida é absurda ou não é absurda, Deus está fora de alcance (ou ao alcance). Você não pode entender nada de arte, especialmente de arte moderna, se não entende que a imaginação é um valor em si. Novalis sabia disse quando exaltava os sonhos. Eles ‘nos protegem da monotonia da vida’, dizia, eles ‘nos liberam da seriedade mediante o prazer de seus jogos’”.
Milan Kundera enfatiza que “as novelas de Kafka são uma fusão de sonho e realidade; isto é, não são nem sonho nem realidade. (…) Kafka fez uma revolução estética. Compartilho com ele, e com Novalis, o desejo de trazer sonhos, e a imaginação dos sonhos, para dentro de um romance. Minha forma de fazê-lo é por confrontação polifônica, em vez de uma fusão de sonho e realidade. A narrativa onírica é um dos elementos do contraponto”.
Afinal, “O Livro do Riso e do Esquecimento” é, com suas variações e várias histórias, um romance? Seria um romance-contos, um romance-fábulas? “Não há unidade de ação, e é por isso que ele não parece um romance. (…) [Laurence] Sterne e Diderot divertiram-se tornando a unidade extremamente frágil. (…) Em ‘O Livro do Riso e do Esquecimento’ é a unidade dos temas e suas variações que dá coerência ao todo. É um romance? Sim. Um romance é uma reflexão sobre a existência, vista através da personagens imaginários. A forma é liberdade ilimitada.”
O autor de “A Valsa dos Adeuses” sublinha que, “acima de tudo, o romance é basicamente construído sobre algumas palavras fundamentais, como as séries de notas de Schoenberg. Em ‘O Livro do Riso e do Esquecimento’, a série é a seguinte: esquecimento, riso, anjos, litost¹, a fronteira. (…) As vigas de ‘A Insustentável Leveza do Ser’ são: peso, leveza, a alma, o corpo, a grande marcha, merda, kitsch, compaixão, vertigem, força e fraqueza”. Milan Kundera diz que tem de explicar aos tradutores — como a brasileira Teresa Bulhões, que o traduziu muito bem — que as repetições fazem parte de seu, digamos, “estilo”.
Os romances de Milan Kundera, menos um (“A Valsa dos Adeuses”), têm sete partes. O primeiro deles, “A Brincadeira”, tinha sete partes. “A Vida Está em Outro Lugar” continha seis partes, mas o autor não estava satisfeito. Então, introduziu mais uma parte e, “imediatamente, a arquitetura do romance ficou perfeita”.
“Risíveis Amores” continha, no início, dez contos breves. Milan Kundera expurgou três e sobraram sete.
“A Insustentável Leveza do Ser” teria apenas seis partes. Mas Milan Kundera acabou decidindo que a primeira parte precisava ser dividida, então se tornara duas, e o romance ganhou sete partes. “A única razão de eu mencionar tudo isso é para mostrar que não estou sucumbindo a alguma afetação supersticiosa em relação a números mágicos, nem fazendo um cálculo racional. Não, sou guiado por uma profunda, inconsciente e incompreensível necessidade, um arquétipo formal do qual não consigo escapar. Todos os meus romances são variantes de uma arquitetura baseada no número sete”, explica-se Milan Kundera. A explicação é convincente? Na minha opinião, não.
O conto “O simpósio”, do livro “Risíveis Amores”, é apresentado por Milan Kundera como “uma farsa em cinco atos”. Por que farsa? “Refiro-me à ênfase no enredo e em toda a sua espiral de coincidências incríveis e inesperadas. Nada ficou mais suspeito, ridículo, obsoleto, banal e sem gosto num romance que o enredo e seus exageros farsescos. De Flaubert em diante, os romanistas têm tentado se livrar dos artifícios do enredo. E por isso o romance tem ficado mais chato do que a mais chata das vidas. No entanto, existe outro meio de rodear o suspeito e gasto aspecto do enredo, que é libertá-lo de sua exigência de probabilidade. Você conta uma história improvável que opta por ser improvável! É exatamente assim que Kafka concebeu ‘América’. (…) Kafka penetrou no seu primeiro universo ‘surreal, em sua primeira ‘fusão de sonho e realidade, com uma paródia do enredo — pela porta da farsa.”
O entretenimento e o kitsch
O entrevistador diz que “A Valsa dos Adeuses” não é entretenimento. Milan Kundera discorda: “É entretenimento. Não entendo a aversão que os franceses têm ao entretenimento, por que eles têm tanta vergonha da palavra ‘divertissement’?”
Se não apreciam o entretenimento literário, os franceses, de acordo com Milan Kundera, têm apreço pelo kitsch, “esse doce e falso embelezamento das coisas, a luz rosa que banha obras modernistas como a poesia de Éluard ou o recente [a entrevista é de 1983] filme de Ettore Scola, ‘O Baile’, cujo subtítulo poderia ser: ‘A história francesa como kitsch’. O kitsch, e não o entretenimento, é a verdadeira doença estética. O grande romance europeu começou como entretenimento, e todo romancista de verdade tem nostalgia disso. Os temas desses grandes entretenimentos são muito sérios — pense em Cervantes”.
“A Valsa dos Adeuses”, segundo Milan Kundera, apresenta uma questão: “Será que o homem merece viver nesta terra? Não se deveria livrar o planeta dessas garras humanas?” O autor de “A Lentidão” diz que sua “ambição de vida tem sido unir a seriedade máxima da questão com a leveza máxima da forma. (…) A combinação de uma forma frívola e um assunto sério desmascara de imediato a verdade a respeito de nossos dramas — aqueles que ocorrem na nossa cama, bem como os que encenamos no grande palco da história — e sua terrível insignificância. Nós vivenciamos a insustentável leveza do ser”.
A literatura às vezes é uma grande resposta — ficcional — à história. Não raro um romancista processa e explica melhor a realidade do que um infatigável historiador, um devorador de arquivos. Milan Kundera mostra, com excelência, a capacidade de destruição do comunismo — sob o tacão do stalinismo (que sobreviveu ao georgiano Stálin) — e, ao mesmo tempo, a capacidade de contraponto dos indivíduos. E, certamente, deve ser consultado por pesquisadores que querem saber mais — principalmente sobre o cotidiano das pessoas — a respeito da Tchecoslováquia tiranizada pelo stalinismo da União Soviética e pelos tiranetes locais. Porém, para além do vínculo com as ambiguidades e crueldades da história, o que fica claro é que o autor de “A Imortalidade” fez, acima de tudo, literatura, alta literatura, e não história romanceada.
O que significa a palavra tcheca litost
¹ No romance “O Livro do Riso e do Esquecimento” (Nova Fronteira/Círculo do livro), nas páginas 115 e 116, Milan Kundera escreve: “Litst é uma palavra tcheca intraduzível em outras línguas. (…) A litost é um estado atormentador nascido do espetáculo de nossa própria miséria repentinamente descoberta”.
Leia sobre uma 2ª entrevista de Milan Kundera