Papa Leão XIV: Igreja Católica não é progressista ou conservadora. É Império que evolui sem revolução

10 maio 2025 às 21h15

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Parte da imprensa brasileira parece tratar a Igreja Católica como um partido político. O que não é. Trata-se, muito mais, de um Império religioso e, de certo modo, financeiro. É uma das maiores “empresas” globais¹. Uma multinacional da fé.
Instituição milenar, a Igreja Católica muda tão-somente de maneira gradual, sem revoluções. O Império evolui, mas, no básico, praticamente não muda.
Francisco, um dos mais admiráveis papas da história, certamente “não” queria mudar integralmente a Igreja Católica. Operador hábil, duro e menos flexível do que sugere a imagem pública, percebeu, de cara, que precisava, em vez de revolucioná-la, atualizá-la — o que já representa um avanço imenso. Noutras palavras, agiu, de maneira firme, para torná-la contemporânea de seus seguidores. Um grande feito.
Sob Francisco, talvez a Igreja Católica tenha se tornado, por assim dizer, mais pop. Mais observável, sempre com interesse, pelas pessoas, independentemente de credos religiosos.
Agora, com a morte de Francisco — homem que parecia ter um prazer imenso em ser, digamos, mundano, não no sentido de farrista —, deu-se uma histeria, mesmo nos setores ditos laicos, como a imprensa. Afinal: o papa será “progressista” ou “conservador”?
O problema é que as duas palavras, do ponto de vista de um Império, como o da Igreja Católica, são meramente retóricas. Não traduzem, por assim dizer, a realidade real. Nenhum papa será inteiramente progressista, assim como não será inteiramente conservador.
As retóricas, a incandescência do verbo, podem sugerir que o papa Bento XVI era mais conservador do que o papa Francisco. Talvez em questões comportamentais. Porém, no geral, os dois operaram, de maneiras diferentes, para manter e ampliar o Império da Igreja Católica.

A rigor, o papa Francisco atualizou mais a Igreja Católica do que Bento XVI, homem de cultura invulgar, mas adepto de mudanças — de adaptações — mais lentas. Josepht Ratzinger era uma espécie de Kant da teologia, como Santo Agostinho e São Tomás de Aquino. Homens de Deus e do pensamento filosófico rigoroso.
Para manter o Império católico, forte e coeso, Francisco optou por torná-lo mais próximo — empático — das pessoas, não apenas das católicas. Todo Império precisa de súditos. Francisco quis manter os da Igreja Católica. Por isso, atualizou, o quanto pôde, a instituição milenar. Manteve o rebanho, atraiu parte dos que escaparam e atraiu novos (me incluo entre os admiradores do papa falecido). Era, pois, um grande operador. O Império católico só tem a agradecê-lo, portanto.
A missão de Robert Francis Prevost, o papa Leão XIV, será a mesma de Francisco: manter a unidade do Império da Igreja Católica. Hora sendo mais progressista. Hora, alegando pressões internas, sendo mais moderado. Tende a manter a atualização, não da doutrina católica em si, e sim das práticas da Igreja na relação com a sociedade, no sentido de mantê-la aberta às, por certo, mudanças, por exemplo comportamentais-culturais, dos indivíduos.
Uma igreja mais inclusiva tende a acolher aqueles que os radicalmente conservadores querem manter à parte, isolados. Quando inclui, aceitando a diferença como riqueza e não desvio, fica mais forte, e não fragilizada. O que existe na face da terra, diria Terêncio, não deve ser estranho a ninguém, nem aos padres nem ao papa. Perspicaz, Francisco entendeu isto como poucos.
A imprensa brasileira, parte dela, parece pensar que tudo é meio futebol: Fla x Flu — algo assim. Em outros termos, uma batalha, uma mera batalha, entre conservadores e progressistas. Daí a especulação mais frequente sobre se Prevost, Leão XIV, é tão progressista quanto Francisco.
Prevost e Francisco são parecidos e, ao mesmo tempo, diferentes. Francisco era mais retórico. Leão XIV parece ser mais contido. A falta de apreço à torre de marfim os identifica. Interesse efetivo pelas pessoas os torna hermanos.
Homem inteligente, da escola de Santo Agostinho — um dos sábios não apenas da Igreja Católica, e sim da teologia e da filosofia ocidentais —, Leão XIV será um papa mais litúrgico e, ao contrário de Francisco, menos “mundano”? Não parece. Tende a mesclar as duas cousas, o que avalio como positivo.
O processo de atualização da Igreja Católica resulta de pressões — diretas e indiretas — talvez mais da sociedade do que do Império religioso. Talvez não seja possível mais segurá-lo. Os avanços, daqui para frente, podem ser mais lentos? É provável.
Mas é certo que a Igreja Católica de Leão XIV seguirá pelo sendeiro da de Francisco: evolucionária e mais próxima das pessoas, de todas elas, mas também um pouco mais dos esquecidos pelo desenvolvimento desigual das sociedades.
A Igreja Católica continuará de todos — é assim o pensamento global e dominante de seus integrantes. Não tem como ser só dos ricos ou só dos pobres. Tem de ser — e sempre será — de todos. Por isso, quando tantos impérios caíram, o Império católico continua de pé. Isto se deve, em larga escala, a não se pretender ser guia tão-somente de uma classe social. É de todos. O que é positivo.
Os indivíduos, com ou sem religião, sofrem — uns menos, outros mais. A Igreja Católica fala para todos. Busca o “divino”, não para tornar os homens santos — Santo Agostinho, por exemplo, teve uma vida complexa, quer dizer, riquíssima —, e sim para torná-los melhores.
O papa Francisco era um homem bom, e evoluiu com o tempo, tornando-se um exemplo, dos mais positivos. Espera-se o mesmo do “jovem” Prevost, agora Leão XIV. Aos 69 anos, ele tem a face de um homem estoico, tão espartano quanto Francisco, mas, ao mesmo tempo, parece tão firme quanto o antecessor.
Um papa, mesmo que pareça, nunca é mocinho. Mas também não precisa ser vilão. Espera-se que Prevost seja um grande papa. O filho de Mildred Martínez Prevost, na sua primeira fala, falou em paz. Isto é importante.
Competitivos, os seres humanos (mais os homens, sempre mais bélicos) são afeitos à guerra, que sempre estará na ordem do dia. Então, é importante que o papa — uma espécie de ONU com mais peso global — mencione que o mundo precisa de paz e de defesa do meio ambiente.
A causa do meio ambiente precisa se tornar, ainda que dependente da ciência, meio religiosa, quiçá quase fanática. Por isso o jornalista André Trigueiro, da GloboNews, fala como pregador. O notável biólogo Edward O. Wilson pensava mais ou menos assim.
Prevost é um realista, como qualquer religioso que seja sagrado papa. Sendo assim, sabe que as guerras continuarão e os bárbaros, em nome da “civilização”, continuarão (se) atacando. Mas, ao dirigir um Império influente e poderoso, é saudável que fale em paz e em igualdade social (inalcançável, como quase toda utopia, mas é preciso reduzi-la).
Nota sobre o valor das propriedades da Igreja Católica
¹ Leia sobre os bens da Igreja Católica (https://tinyurl.com/mr2brrdt), que tem “PIB” de país rico.
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