Papa Francisco sugere que pode renunciar e que não vai viver muito

19 agosto 2014 às 10h09

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O chefe da Igreja Católica admite que pode morrer em dois ou três anos. Como ficam seus aliados?
A Igreja Católica é uma instituição milenar e, como tal, muda lentamente. De tempos em tempos, para adaptar-se às mudanças culturais, sociais e econômicas, a Igreja convoca um papa apresentado como mais progressista, mas mantém suas linhas básicas — que é, no fundo, o que a mantém viva por tantos anos. Dada sua longevidade, a Igreja deixa a impressão de que tem um radar para perceber que as pessoas mudam, embora mais lentamente e menos radicalmente do que pregam. O homem, na sua vivência, é quase sempre mais conservador do que seu discurso. Os líderes da Igreja percebem isto com rara perspicácia e, por isso, adaptam seus discursos aos novos tempos aos poucos. O que não falta aos homens que decidem na Igreja é tato.
O papa Francisco é um sopro de renovação na Igreja, não resta dúvida. Mas não é um sopro exclusivamente individual, de Francisco, e sim um sopro coletivo, da Igreja como instituição. A imagem conservadora de Bento 16, um dos religiosos mais preparados intelectualmente da Igreja, não se coadunava com os tempos velozes da globalização e seu símbolo, a internet. A troca, se não é uma mudança integral de rota, é uma adaptação aos novos ventos. Francisco, um grande papa e um humanista de primeira linha, embora um intelectual menos versado do que Joseph Ratzinger, sabe exatamente como funciona a Igreja, uma estrutura, insistamos, milenar.
Ao voltar da Coreia do Sul para o Vaticano, o papa Francisco abriu-se com os jornalistas — reforçando, quem sabe, sua faceta humana. Ele está sugerindo (na verdade, confirmando o óbvio) que é mortal como quaisquer outros homens. Segundo os jornais italianos, Francisco espera viver mais dois ou três anos e admitiu que pode se aposentar antes disso. Sobre sua popularidade de pop star, Francisco disse: “Vejo com generosidade do povo de Deus. Tento pensar em meus pecados, meus erros para não me tornar orgulhoso. Porque eu sei que vai durar apenas um curto período de tempo. Dois ou três anos, e depois vou embora para a casa do Pai”. É um recado humanista a todos os homens, por certo, sem deixar de ser religioso.
Francisco sugeriu que, se não tiver condições de saúde, poderá se aposentar. “Mesmo não agradando alguns teólogos”, frisou, poderá renunciar. “Bento 16 abriu uma porta”, disse.
Sem se alongar, o papa revelou que teve “alguns problemas nos nervos” e que passou por uma fase de tratamento. “Tenho que me tratar bem, tomando mate todos os dias. Uma dessas neuroses é que eu sou mesmo uma pessoa caseira.”
A fala do papa deve ter preocupado seus aliados. Primeiro, estaria encontrando alguma resistência para emplacar mudanças na Igreja? Segundo, se há resistência, a mensagem de que pode renunciar e que pode morrer brevemente significa efetivamente o quê? Que não precisam lutar contra pelo poder, pois ele brevemente sairá de cena?
A mensagem do papa deve ter preocupado seus aliados, notadamente aqueles que estão mais enfronhados com as mudanças que está, mais do que fazendo, propondo. Consta que, na ação, Francisco não é um papa relutante; antes, está procurando adaptar (ou mudar) a Igreja com uma mensagem mais amena, mas sem recuos. Ele seria mais duro e determinado do que aparenta. Porém, qualquer mudança, ainda que não se mexa na estrutura da Igreja, nos seus negócios e linhagem básica de pensamento, é sempre incômoda.
Os aliados do papa certamente querem um chefe que viva mais e não pense em renúncia. Porque, se aceitarem que Francisco vai ficar pouco tempo no poder, certamente vão refrear seu ímpeto pelas mudanças. Tudo que não se espera de um papa mudancista é que seja relutante. Francisco não é relutante, dizem seus aliados. Talvez seja esteja apenas dizendo o óbvio: que, como todos nós, é mortal. Ou, quem sabe, que as mudanças devem ser feitas de maneira mais rápida — já que ele não vai durar para sempre ou muito tempo.