Os judeus austríacos Gustav e Fritz Kleinmann estiveram nos letais Auschwitz e Bergen-Belsen e conseguiram escapar para contar a história

Há histórias que, de tão fantásticas, parecem irreais, produto da imaginação poderosa de escritores. Não é o caso do romance “O Rapaz Que Seguiu o Pai Para Auschwitz” (Planeta, 416 páginas), de Jeremy Dronfield, que, apesar de fantástica, retrata a mais cruenta realidade. O livro saiu em Portugal, mas não tem edição brasileira.

Escritor e consultor editorial, Jeremy Dronfield foi convidado a participar da tradução do diário de um prisioneiro de campos de concentração e extermínio do nazismo. “É um documento muito valioso, mas difícil de ler e não encontramos editor. Mas percebi que era uma história muito importante e que precisava ser contada. Por isso decidi relatá-la de maneira romanceada”, disse o escritor ao jornal “La Vanguardia” (edição de 23 de março deste ano).

A família Kleinmann: quatro sobreviveram e duas mulheres foram assassinadas num campo de concentração da Bielorrússia | Foto: Reprodução

A família Kleinmann, judia, morava em Viena. Gustav Kleinmann era estofador e sua mulher, Tini, era dona de casa. O casal tinha quatro filhos: Fritz, Edith, Herta e Kurt. Viviam tranquilos. Entretanto, quando o ditador nazista Adolf Hitler decidiu anexar a Áustria (sua terra natal), a família começa a ser perseguida. Vizinhos, com os quais conviviam sem nenhum problema, se tornaram inimigos e o negócio de Gustav foi expropriado pelos nazistas.

Gustav e Fritz foram presos e levados para Buchenwald, na Alemanha. Lá, sem direito a nada, os dois foram espancados e passaram fome. “Gustav contraiu disenteria e esteve a ponto de morrer, mas, tal como escreveu nas suas anotações secretas, seu ‘pequeno’ [Fritz] era o motivo pelo qual seguia levantando todos os dias. ‘O menino é minha maior alegria. Damos força um ao outro. Somos um, inseparáveis’.”

Fritz e Gustav Kleinmann: filho e pai sobreviveram à brutalidade de cinco campos de concentração e extermínio | Foto: Reprodução

Como pai e filho sobreviveram, tendo passado por cinco campos de concentração — Buchenwald, Auschwitz, Mauthausen, Mittelbau-Dora, Bergen-Belsen —, suportando as maiores privações? Tudo indica que o amor de um pelo outro foi o alimento e o combustível que levaram-nos a criar uma resistência espantosa.

O relato de Fritz, de 18 anos: “Queria ficar com meu pai custasse o que custasse. Não posso seguir vivendo sem ele”. A mãe, Tini, e uma irmã, Herta, foram assassinadas num campo de concentração da Bielorrússia — ao lado de mais de mil judeus. Kurt e Edith sobreviveram porque conseguiram fugir para os Estados Unidos e para a Inglaterra.

Jeremy Dronfield garante que não há informações de pai e filho que “passaram pelo inferno” dos campos de concentração e dos campos de extermínio “juntos, do princípio ao fim”. Eles sobreviveram à ocupação nazista na Áustria, a Buchenwald, a Auschwitz (altamente letal), a Mittelbau-Dora, a Bergen-Belsen “e voltaram vivos para casa”. “Não conheço outro caso de dois familiares que tenham estado em mais de dois campos e que, além de sobreviver, se mantiveram juntos todo o tempo”, afirma o escritor.

Jeremy Dronfield

Gustav e Fritz foram enviados a Auschwitz para serem assassinados (no mesmo período, o escritor Primo Levi, químico por formação, também estava lá). Mas escaparam porque tinham conhecimento de construção civil e trabalharam na edificação do subcampo de Monowitz. De lá foram levados, como trabalhadores, para Mauthausen. Na transferência de um campo para o outro, os dois foram separados pela primeira vez.

Sem forças, Gustav estava às portas da morte — inclusive porque os nazistas matavam aqueles que consideravam inúteis para o trabalho (escravo). Fritz tinha um plano de fuga, e chegou a ser incentivado pelo pai, mas o garoto não teve coragem de abandonar Gustav à própria sorte.