Como estava fora do país, li tardiamente os obituários de Ariano Suassuna. Quando terminei, concluí: estão falando de Machado de Assis, James Joyce, Graciliano Ramos, William Faulkner, Thomas Mann e Guimarães Rosa — menos de Ariano Suassuna.

O escritor paraibano, quase pernambucano, parece ter escrito “Memórias Póstumas de Brás Cu­bas”, “Ulysses”, “O Som e a Fúria”, “A Montanha Mágica”, “Vidas Secas” e “Grande Sertão: Veredas”. Quando ficou conhecido, na verdade, não pelo livro, e sim pelo filme “O Auto da Compadecida”, uma ode ao caipirismo.

Ariano Suassuna não é um par de nenhum dos escritores citados acima. Porém, como a morte transforma qualquer um em gênio da raça, ao menos nos tristes trópicos, de repente ele se tornou quase um Gilberto Freyre da prosa.

A imprensa tende (ou tendia) a apresentar Ariano Suassuna como um resistente ao capitalismo. Ele era um resistente, dos mais retardatários, à modernização. Como os socialistas, o romancista, poeta e dramaturgo — e mais uma dezenas de coisas, como conselheiro de políticos de Per­nambuco —, não dizia respeito ao presente. Esteve sempre voltado para o passado, tratado de maneira idílica, nostálgica.

Para Ariano Suassuna, o brasileiro urbano, moderno e em contato com as coisas do mundo, não existe, é ficção. O brasileiro é visto, na prosa de Suassuna, como o eterno caipira. É isto que chamo de estetização do caipira. Ao estetizar o caipira, ao apresentá-lo como esperto, entre bonzinho e maledicente, o escritor o cristaliza como o homem (herói) ideal, quiçá o “homem cordial”. Um Ma­cunaíma manqué.

Parte da obra de Ariano Suassuna é um ataque frontal ao moderno e mesmo ao que há de mais avançado no passado, mesmo o remoto. O homem ideal, enfim, é o caipira esperto — Chicó e João Grilo. O homem institucional, às vezes apresentado como “civilizado”, não existe para o caipora paraibano. Se existe (como padres, policiais), é para ser enganado por Chicós e Grilos.