Agonia do fumante José Carlos vira bicho-papão na internet

01 fevereiro 2015 às 10h21
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Iúri Rincón Godinho
Segue o mantra: a velhice é um tormento. Tem dias bons e muitos ruins. Isso se a pessoa tiver saúde. Quando a perde, a terceira idade — um nome e eufemismo ao mesmo tempo — é um massacre, como resumiu Philip Roth (vide “Homem Comum”).
Que o diga o jornalista José Carlos Gomes, biografado por sua filha Luciana, em “A Imagem que o Cigarro lhe Deu”. Antes de morrer de trombose aos 64 anos em 2000 — novo para os padrões do século XXI —, amputou duas pernas, sofria de enfisema pulmonar e depressão. Todos os males foram atribuídos ao hábito de fumar desde os 11 anos. Ganhou o apelido de Zé Fumaça e chegava a mandar para os pulmões 80 cigarros por dia. Tanto que o então ministro da Saúde, José Serra, o convidou para uma campanha anti-tabagismo às vésperas de sua morte.
José Carlos viveu em um mundo diferente, onde fumar era sinal de status e masculinidade e quando denominar afrodescendentes de “negão” era normal — Renato Aragão, em Os Trapalhões, chamava Mussum assim. Nas redações dos jornais onde trabalhava, nuvem de fumaça fazia parte da decoração. O jornalista goiano Armando Accioli, que começou a cerreira nos anos 50, tragava duas carteiras por dia. Azar de quem estava perto. O colunista social João Guimarães foi diagnosticado com um aumento nos pulmões graças ao hábito de fumar. Só que ele nunca colocou um cigarro na boca nos seus mais de 80 anos de vida.
Entretanto, o livro dá pistas de que não apenas o cigarro, mas também o álcool minaram a saúde de José Carlos. Colunista social do jornal “Correio da Manhã”, viveu um período de glamour, de festas, fumaça e uísque. Combinação que passa longe de beneficiar o corpo. O também jornalista José Guilherme Schwam, do programa Pelos Bares da Vida, sabe bem disso. Com até cinco compromissos por noite, ele só bebe Coca-Cola light e não fuma. Caso contrário, diz, não suportaria a rotina de badalações.
Mesmo com uma história de sofrimento, “A Imagem que o Cigarro Lhe Deu” não é um livro de revolta, mas um relato jornalístico bem-escrito e bem-editado, daqueles de se ler em uma sentada. A força da internet reduziu a obra a um libelo contra o fumo e agravantes da saúde como depressão e álcool foram deixados de lado. Tanto que José Carlos hoje virou uma espécie de bicho-papão para os fumantes, com textos até no prestigiado Instituto de Combate ao Câncer, o Inca.
Serve de alerta, com certeza, mas a vida é a consequência do tempo e dos hábitos. Não apenas do cigarro.
Iúri Rincón Godinho é publisher da Contato Comunicação.