O realismo de Lula e o irrealismo de Cid Gomes sobre a relação do governo com o Centrão
26 março 2023 às 00h00
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Cid Ferreira Gomes (PDT), 60 anos em abril, é um político experimentado: foi governador do Ceará e é senador.
Dada a experiência de Cid Gomes, irmão de Ciro Gomes — espécie de neo-Leonel Brizola, no sentido de ser barrado pelo PT de Lula da Silva na sua aspiração de ser presidente da República —, espera-se que seja um realista.
Porém, numa entrevista ao repórter Lauriberto Pompeu, de “O Globo” (quinta-feira, 23), Cid Gomes deixa a impressão de que “voltou” a ser presidente de grêmio estudantil, tal seu irrealismo político. A rigor, qual é o seu jogo real? Ganhar mais espaço no governo de Lula e, quem sabe, ser o seu vice na disputa de 2026? Ele nada diz a respeito.
Na análise da força do Centrão, Cid Gomes mostra certo amadorismo político. O senador assinala: “Uma preocupação que eu tenho é esse conformismo com o status quo, o Centrão, a Câmara. O [Arthur] Lira é só mais um e vai ser mudado. O poder do Lira não é um poder dele, é um poder da presidência (da Câmara), que vinha de pressão junto a governos frágeis, como foi o do Bolsonaro e como foi o do Michel Temer. O Brasil não vai mudar só porque tirou o Bolsonaro e botou o Lula. É o Centrão, é o mesmo povo, com a conivência e o entusiasmo do (ministro das Relações Institucionais) Alexandre Padilha, que é o articulador político do governo”.
Em seguida, provocado pelo repórter, acrescenta: “Eu acho que ele [Padilha] está levando o presidente Lula para uma tragédia. Se a defesa dele é que o Centrão volte a mandar no governo, como mandou nos mandatos do [Jair] Bolsonaro e do Michel Temer, vai levar o Lula para o buraco. No governo Dilma, o Centrão só se revoltou porque não mandou tanto quanto queria”.
Cid Gomes foi ministro da Educação e caiu devido ao seu destempero verbal; Dilma Rousseff, então presidente, optou por ficar com os deputados. Apesar dos excessos verbais, o político do Ceará nada tem de ingênuo, mas falta certo realismo.
Cid “atira” em Padilha pra “acertar” Lula
O ministro Alexandre Padilha não é o presidente da República e Lula da Silva sabe o que está fazendo ao se aproximar do Centrão. Como ele já disse, precisa governar e não há como fazê-lo contornando políticos como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o senador Ciro Nogueira, ambos do pP. (A crítica a Padilha é uma maneira de “estocar” Lula da Silva de maneira indireta, o que é típico de políticos.)
Lula da Silva não pode perder tempo com determinados debates — se Arthur Lira e Ciro Nogueira são ou não fisiológicos — porque tem um país para administrar. Como se vive num regime democrático, o presidente precisa dialogar com o Congresso para aprovar suas medidas.
Se não tiver relações adequadas com a Câmara dos Deputados e o Senado, o governo fica paralisado. Então, é preciso fazer concessões aos políticos reais, quer dizer, àqueles que existem e não podem ser contornados. Quem está de “fora”, como Cid Gomes, pode cobrar pureza. Entretanto, quem é insider, que tem preocupações reais e imediatas, precisa dialogar com as forças possíveis.
Sem o MDB, o União Brasil e o Centrão — que é mais do que o pP; trata-se, na verdade, de uma federação partidária informal —, Lula da Silva não tem como governar o Brasil. Por isso, o presidente, que é um realista absoluto — apesar de certo destempero verbal (a “pressa” do petista-chefe talvez tenha a ver com a idade, com o passar do tempo, cada ver mais “curto”) —, negocia, da melhor maneira possível (inclusive concedendo cargos), com os partidos de centro e de centro-direita. Não há escapatória.
Outsiders, da torre de marfim, podem se posicionar criticamente, falar em “tragédia”, mas os insiders, que gerem problemas reais e não fantasias sobre a possibilidade do paraíso na Terra, têm de articular com os parlamentares que existem, que estão em Brasília e são poderosos.
Ao citar Dilma Rousseff, uma política decente mas às vezes avessa ao realismo da política e da gestão pública — talvez tenha acreditado na possibilidade de seres humanos ideais, quando a realidade manda dizer que é preciso dialogar e negociar com seres humanos reais —, Cid Gomes comprova, mais uma vez, a deficiência de sua análise.
Dilma Rousseff caiu mais por falta de realismo, de se relacionar mal com as forças políticas, sobretudo o Centrão. Quando tentou levar Lula da Silva para o governo, como ministro, era tarde demais. Não era mais possível salvá-la e nem salvar o petista-chefe.
Apesar da decência, e de seus méritos como gestora — e, claro, não é possível desconsiderar a crise e os equívocos de sua política econômica —, Dilma Rousseff não soube ou não quis entender a mecânica do funcionamento do mundo real. A ex-presidente não parecia preparada para governar o país que existia — e continua existindo — e parecia ter conexões com um país imaginário, ficcional. O que resultou no seu impeachment.
Cid Gomes faz um comentário interessante sobre as críticas do PT ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, do PT. “Lula é mestre nisso, um critica e outro elogia para ele mediar”, afirma o senador, que está com razão.
Mas o político de Sobral parece não perceber uma parte significativa da realidade: o nome do ministro poderia ser Fernando Lula da Silva. Porque o ministro de fato é o presidente. Não se está dizendo que o ex-prefeito de São Paulo é um preposto, porque não é — e entende mesmo de economia.
O que se está dizendo é que Fernando Haddad e Lula da Silva são a mesma cousa, ainda que, aqui a ali, por tática e estratégica — como no caso da disputa com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto —, adotem posições ligeiramente diferentes. O presidente pressiona e o ministro modera. É um jogo que sugere que o governo não é radical e que as divergências são incorporadas.
Cid Gomes é um político respeitável, mas sua entrevista parece ter sido concedida pelo irmão Ciro Gomes. Por sinal, a família Gomes, ao romper com o PT no Ceará, perdeu o governo do Estado. Elmano de Freitas, do PT, foi eleito no primeiro turno, com 54,02% dos votos válidos. Roberto Cláudio, o candidato do PDT, de Ciro e Cid Gomes, ficou em terceiro, com apenas 14,14% — bem atrás do segundo colocado, Capitão Wagner (União Brasil), que obteve 31,72%.