O presidente dos Estados Unidos que era homossexual
07 abril 2020 às 21h11
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James Buchanan, que colaborou pra Guerra Civil Americana, é apontado por pesquisadores como o pior presidente da história do país. Sua paixão foi o senador Rufus King
Resenha publicada no Jornal Opção em agosto de 2013
A imprensa norte-americana, seguindo a inglesa, tem o hábito de escarafunchar a vida privada de seus políticos. O fato de um político ser homossexual não prejudica a administração de um país. O maior poeta estadunidense, Walt Whitman, era homossexual. Os escritores Mário de Andrade e Pedro Nava eram bissexuais. Dois dos piores presidentes brasileiros — José Sarney e Fernando Collor — são heterossexuais. O livro “Sexo na Casa Branca — Como a Vida Privada dos Presidentes e Poderosos Norte-Americanos Mudou os Rumos da História dos Estados Unidos e do Mundo” (Gutenberg, 310 páginas, tradução de Paulo Polzonoff Jr.), de Larry Flynt e David Eisenbach (professor de Columbia), garante que James Buchanan foi o pior presidente (1857-1861) da História dos Estados Unidos. Detalhe: era homossexual.
A Guerra Civil Americana, travada entre 1861 e 1865, ocorreu, ao menos em parte, devido a tolerância de Buchanan com os senhores de escravos. “Buchanan encorajou as forças pró-escravidão no início da Guerra Civil e se recusou a atacar os Estados sulistas quando eles começaram a pedir a separação, no final da sua administração”, escrevem Flynt e Eisenbach.
Se Buchanan era de Lancaster, na Pensilvânia, “uma região totalmente antiescravidão”, por que se tornou defensor do trabalho escravo e do Sul dos Estados Unidos? “Em duas palavras: amor gay”, afirmam Flynt e Eisenbach. “Buchanan, o único presidente solteiro, apaixonou-se pelo político do Alabama Rufus King, o único vice-presidente solteiro. Os dois ficaram solteiros por toda a vida, numa época em que apenas três em cada cem homens norte-americanos permaneciam solteiros.”
Em 1821, quando se conheceram, “Buchanan era um congressista inexperiente e King, cinco anos mais velho, era senador”. Os pesquisadores dizem que, “antes de sua Presidência, Buchanan viveu com o efeminado King por 16 anos. Eles eram tão inseparáveis que eram conhecidos em Washington como os ‘Gêmeos Siameses’”. O presidente Andrew Jackson chamava os dois de “tias”. Aaron V. Brown, governador do Tennessee, “referia-se a eles como ‘Buchanan & sua esposa”.
Flynt e Eisenbach contam que “eles formavam um casal estranho: King era um homem belo e elegante, com cabelos encaracolados, enquanto Buchanan tinha olhos de cores diferentes (um azul, outro castanho), um rosto sem barba e traços que um historiador descreveu como ‘os de um eunuco, andrógino’. (…) Era tão míope de um olho que tinha de projetar o pescoço para frente e virar a cabeça para o lado para enxergar direito”.
Quando Buchanan foi eleito presidente, sobrinhas dele e de King queimaram parte da correspondência dos amantes, mas deixaram escapar algumas. Em 1844, quando era embaixador na França, King escreveu para o amante: “Sou egoísta o bastante para esperar que você não seja capaz de encontrar outro companheiro que o faça não sentir pesar pela nossa separação”. Buchanan escreveu para outro amigo: “Estou tão solitário sem uma companhia em casa comigo. Tenho tentado seduzir vários cavalheiros, mas não consegui nada com nenhum deles”.
Quando King voltou da França, Buchanan aceitou-o alegremente como parceiro. “Durante a eleição de 1852, Buchanan altruisticamente recusou a nomeação para a vice-Presidência em favor do seu amado King”, relatam Flynt e Eisenbach.
A imprensa do século 19 apreciava publicar escândalos da vida privada, sobretudo de autoridades, mas os jornalistas decidiram não vasculhar a vida de Buchanan. Flynt e Eisenbach assinalam que, naquela época, “alguns Estados” norte-americanos “puniam a sodomia com a pena de morte”. Daí os autores do livro estranharem o silêncio dos jornais.
O historiador Jonathan Ned Katz apresenta uma explicação: os jornais publicavam “escândalos” sexuais, mas de heterossexuais, não de homossexuais. “Felizmente”, anotam Flynt e Eisenbach, “a imprensa norte-americana só se sentiu livre para discutir as relações homossexuais no final do século 19; então, durante a eleição de 1856, os ‘desprezíveis caluniadores’ fecharam os olhos para sua vida pessoal”.
Para não prejudicar sua imagem pública — presidentes americanos têm de posar de “machão”, até hoje —, Buchanan tinha o hábito de dizer às pessoas que estava quase se casando. Pedia mulheres em casamento e depois rompia o relacionamento. “Quando buscou a indicação presidencial, com mais de 50 anos, cogitou se casar com a sobrinha de 19 anos de Dolley Madison [mulher do presidente James Madison], mas isso tampouco foi levado adiante. Buchanan parecia falar sobre se casar sempre que concorria a um cargo mais alto.”
Como o livro não se alonga sobre o assunto, vamos discuti-lo. Buchanan foi um presidente de quinta categoria porque era homossexual? Não. Ele não foi um presidente do nível de Abraham Lincoln porque não era um gestor competente e, no lugar de ousar combater a escravidão, tornou-se um de seus principais defensores. O livro sugere que defendia a escravidão porque apaixonara-se por King, um proprietário de escravos. O que dizer das próprias convicções de Buchanan? A obra, no afã de demolir a imagem do presidente americano, acaba por disseminar preconceito contra os homossexuais.
Livro sugere que Abraham Lincoln era homossexual ou bissexual
As biografias sérias de Abraham Lincoln, que governou os Estados Unidos entre 1861-1865 e unificou o Norte e o Sul, contribuindo de modo decisivo para a modernização e ampliação da economia capitalista do país, não garantem que manteve relações homossexuais. Alguns sugerem que era depressivo, às vezes introspectivo, mas sem tendências homossexuais. A seguir uma lista dos estudos mais competentes sobre o presidente que aboliu a escravidão nos EUA: “Lincoln”, de Richard J. Carwardine, “Lincoln”, de David Herbert Donald, “Abraham Lincoln: Redeemer President”, de Allen C. Guelzo, “The Last Best Hope of Earth: Abraham Lincoln and the Promise of America”, de Mark E. Neely, “Abraham Lincoln and Civil War America”, de William E. Gienapp, e “Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln”, de Doris Kearns Goodwin. Nem mesmo Gore Vidal, no seu romance histórico “Lincoln”, insiste que o líder republicano era homossexual.
Mesmo com amplo domínio da bibliografia, o jornalista Larry Flynt e o historiador David Eisenbach, no livro “Sexo na Casa Branca — Como a Vida Privada dos Presidentes e Poderosos Norte-Americanos Mudou os Rumos da História dos Estados Unidos e do Mundo” (Gutenberg, 310 páginas, tradução de Paulo Polzonoff Jr.), insinuam que Lincoln era homossexual ou bissexual. “A orientação sexual de Lincoln é questionada por três motivos. Primeiro, ele sempre teve relações problemáticas com mulheres, principalmente com a esposa. Segundo, a relação mais íntima de sua vida foi com um proprietário de escravos chamado Joshua Speed. E, em terceiro lugar, Lincoln gostava de dormir com homens”, escrevem Flynt e Eisenbach. O rigoroso Richard Carwardine cita Joshua Speed apenas uma vez e não há nenhuma insinuação sobre alguma relação homossexual.
Optando pela fofoca, Flynt e Eisenbach, o que surpreende num doutor de Columbia, contam que Mary Todd, a mulher do presidente, “era vista frequentemente” expulsando-o “de casa com uma vassoura. Em outra ocasião, Mary perseguiu Abe pelo quintal empunhando uma faca de açougueiro”. Mas o que isto quer dizer? Nada, possivelmente, ou apenas que o casal brigava.
Flynt e Eisenbach relatam que, quando tinha 22 anos, Lincoln conheceu Billy Greene, de 19. “Eles compartilharam uma cama tão estreita, de acordo com Greene, que ‘quando um se virava o outro tinha de fazer o mesmo’.” Comprovação de homossexualidade? Fora terem se deitando juntos, nenhuma.
Em 1837, Lincoln conheceu Joshua Speed, “belo homem de 23 anos”, em Springfield. “Imediatamente”, registram Flynt e Eisenbach, Speed “convidou o homem alto e estranho para dormir com ele”. Os “sexólogos” principiantes buscam o testemunho do sócio e primeiro biógrafo de Lincoln, William Herndon, para sustentar que havia um caso entre os dois homens. Segundo Herndon, “Speed se tornara ‘o único amigo íntimo que Lincoln tivera’ e que ele ‘amava esse homem mais do que qualquer outro ser, vivo ou morto’, incluindo Mary Todd. (…) Lincoln e Speed compartilharam tudo um com o outro durante quatro anos, inclusive a cama”. Os estudiosos sensacionalistas contemporizam: “Dividir a cama era comum no século 19, principalmente nas regiões fronteiriças, onde as camas eram um luxo. Speed, contudo, não era pobre. Ele era comerciante e herdeiro de uma propriedade agrícola no Kentucky que tinha 70 escravos. (…) Lincoln e Speed simplesmente gostavam de dormir juntos”.
Flynt e Eisenbach tiram uma frase do biógrafo Carl Sandburg do contexto, para insinuar que Lincoln e Speed eram homossexuais: “A Providência deu a esses dois homens ramos de lavanda e a sensibilidade das violetas de maio”. O jornalista e o historiador contam que, quando Speed decidiu se mudar para o Kentucky, “Lincoln caiu numa depressão que o deixou acamado e incapaz de frequentar as sessões legislativas”. Speed teria dito: “Lincoln ficou louco […] tiveram de tirar todas as navalhas do seu quarto”.
O capitão David Derickson, de 44 anos, também teria interessado a Lincoln. Virginia Woodbury Fox, filho de um ministro da Suprema Corte, escreveu: “Tish disse: ‘Há um soldado dedicado ao presidente, que anda com ele, quando a sra. L. não está em casa, dorme com ele’. Que coisa!” David Herbert Donald, um dos mais categorizados estudiosos da vida de Lincoln, afirma que Virginia reproduziu um “rumor”. O historiador Mark Epstein diz que, na época de Lincoln, “não significava muito que homens dormissem juntos se tivessem apenas uma cama ou se estivesse frio ou se caíssem no sono enquanto conversavam”.
Para disfarçar a própria tese, Flynt e Eisenbach admitem: “Ele [Lincoln] parecia gostar de dormir com homens, mas não há registro de o presidente ter mantido relações sexuais com eles. Só nos resta imaginar o que Abe e seus companheiros de sono faziam no escuro”. De minha parte, digo: só resta imaginar como um doutor por Columbia tenta incrustar “valores” de um tempo noutro tempo histórico, apenas para realçar rumores e não fatos.