O Popular não prova que “o” interior ficará desassistido sem médicos cubanos

20 novembro 2018 às 17h51

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A intenção de dois repórteres do jornal foi positiva, mas a reportagem não consegue provar sua principal tese
A reportagem “46 cidades de Goiás sem Mais Médicos”, de “O Popular” (terça-feira, 20), parece anunciar o apocalipse. Os repórteres Sarah Teófilo e Thalys Alcântara são qualificados, mas possivelmente fizeram a reportagem por telefone e não observaram algumas informações de maneira abrangente.
O início do primeiro parágrafo já mostra um “problema”: “A saída dos cubanos do programa Mais Médicos pode deixar o interior de Goiás sem médicos para a atenção básica de Saúde”. Ora, se o jornal fala em 46 municípios, mas Goiás tem 246 municípios, não se pode falar em “o interior”, quer dizer, todo o interior. Exceto, claro, se “O Popular” tivesse apresentado dados mais amplos, o que não fez.
O “Pop” não informa quais são as “46 cidades de Goiás sem Mais Médicos”. Um gráfico aponta que “dezoito cidades goianas têm mais da metade da equipe de Saúde da Família, porta de entrada do SUS, formada por médicos cubanos”.
O jornal afirma que, “em dez municípios goianos, os profissionais de Cuba são os únicos médicos da Equipe de Saúde da Família”. Quais são os dez municípios, os repórteres não informam.
Curiosamente, quando mencionam algumas cidades, fica explícito que, além de um médico cubano, há outro médico não cubano. Moiporá tem um médico cubano, mas tem outro que atende urgência e emergência. Os 1.684 moradores ficarão desassistidos? Tudo indica que sim. Mas com dois médicos já não estavam com escassa assistência? É uma pergunta que os jornalistas deixaram de fazer à única fonte entrevistada, o secretário de Saúde, Marcilon Moreira da Silva. Por que o jornal não entrevistou os médicos e moradores do município?
Jesúpolis, com 2.460 habitantes, tem um médico cubano e dois médicos brasileiros (um deles é cardiologista). São três médicos. A ausência do profissional da ilha caribenha fará tanta falta? O prefeito Wygnerley de Morais diz que sim, e certamente sabe do que está falando. Há médicos particulares no município que atendem pelo SUS? O jornal não informa.
Em Buriti de Goiás, há três médicos — uma é cubana. Os brasileiros, informam o jornal, ganham 30 mil reais por mês. Um salário que, convenhamos, não é nada mau.
O “Pop” conta que Guaraíta tem dois médicos, um brasileiro e uma cubana. A secretária da Saúde, Débora Brandão, é peremptória: mesmo sem a cubana, a cidade “não ficará sem médico”.
A impressão que se tem é que, apesar da retirada dos médicos cubanos, a população não ficará inteiramente desassistida. A reportagem de “O Popular” não consegue comprovar que “o interior” — o jornal enfatiza o artigo “o”, isto, todo o interior — ficará sem médicos. A pauta matou a reportagem ou a reportagem matou a pauta. Ou as duas coisas.
Os repórteres não fazem uma pergunta crucial aos secretários de Saúde e aos prefeitos: como funcionava o setor de saúde de suas cidades antes do Mais Médicos? Outra questão: “O Popular” sugere que o Mais Médicos só tem cubanos? É uma pergunta que ao jornal — que reputo sério e competente — cabe responder.