Suboficial da Marinha que mora na Suécia sustenta que José Anselmo dos Santos não aderiu à repressão na década de 60 e conta que, se sentindo rejeitado, ele queria abandonar as Forças Armadas. Foi politizado quase que à força pelos marinheiros de esquerda

Antônio Duarte dos Santos: “A prisão de Anselmo aproximou o delegado Sérgio Paranhos Fleury do Cenimar”
Antônio Duarte dos Santos concede entrevista ao repórter Euler de França Belém, na redação do Jornal Opção

[Entrevista publicada na edição 1.561, de 5 a 11 de junho de 2005. Entrevistei Antônio Duarte dos Santos no fim de maio de 2005. Mantive o texto como foi escrito há nove anos, sem atualizá-lo. Há alguns meses, o suboficial da Marinha reformado sofreu um infarto no aeroporto de Lisboa, e ficou quatro meses em Portugal. “Escapei devido à qualidade da medicina pública do país. Os portugueses lutam para que não seja privatizada”, disse ao Jornal Opção Antônio Duarte na sexta-feira, 23. “Depois de 14 dias em coma, ‘acordei’. Os médicos portugueses colocaram duas pontes de safena. Em seguida, a Marinha brasileira mandou um avião para me buscar. Agora, estou internado no Hospital Marcílio Dias, no Rio de Janeiro, e vou passar por outro procedimento cirúrgico. No momento, estou com uma pequena infecção pulmonar. Mas me sinto bem.” Mesmo acamado, está lendo e falou de seus projetos intelectuais. Ele vai escrever um livro sobre a geografia contra a geopolítica. “A geopolítica é uma ideologia do colonialismo.” Este é o Antônio Duarte que os amigos conhecem e respeitam: homem de posições firmes e sempre inquieto intelectualmente, mas nada dogmático.]

Antônio Duarte dos Santos concede entrevista ao repórter Euler de França Belém, na redação do Jornal Opção
Antônio Duarte dos Santos: “A prisão de Anselmo aproximou o delegado Sérgio Paranhos Fleury do Cenimar”

Quem não se lembra do marinheiro sueco, o citado pelo infame (para a esquerda) Nelson Rodrigues? Pois sim, ele está vivo, mas não é sueco, nem é o marinheiro sueco descrito pelo jornalista e dramaturgo. É potiguar, nasceu em 1940, mas mora na Suécia desde 1971 (com breve interregno patropi). Aos 65 anos, o mestre em antropologia Antônio Duarte dos Santos, formado pela Universidade de Estocolmo, aposentado como suboficial da Marinha — vai entrar com recurso para ser promovido a capitão de corveta, pois teve a carreira interrompida pelo golpe civil-militar de 1964 —, voltou ao Brasil, com a Abertura, mas, decepcionado com “certos democratas”, como o vaidoso Fernando Henrique Cardoso, e “socialistas” brasileiros (“Lula é anticomunista”, pontua), retornou para a Suécia. Guerrilheiro, na década de 1960, militou no Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), de Leonel Brizola, o primeiro-cunhado (de Jango Goulart), na Polop (de Ladislas Dowbor, o Jamil, e Emir Sader) e no PCBR. No dia 21 de maio, um sábado, Antônio Duarte concedeu um longo depoimento ao Jornal Opção. Não foi uma entrevista rancorosa, mas desde o início esse homem forte, moreno, de fartos cabelos negros, e que não parece ter 65 anos, firmou sua posição: “Continuo comunista e Marx está mais vivo do que nunca”. Um dos personagens históricos mais discutidos é o Cabo Anselmo, o ex-marinheiro que, em 1971, passou para o lado da repressão, virado pelo delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury, talvez o maior torturador de todo o regime militar. Anselmo afirma que trocou de lado para não morrer, mas admite que estava decepcionado com o socialismo, depois de ter visto a experiência cubana (autoritária e totalitária). Depois de anos nas sombras, José Anselmo dos Santos, de 63 anos, reapareceu e provoca polêmica. Em 13 de fevereiro de 2004, o ex-marinheiro pediu “reparação econômica” — quer ser anistiado e “reintegrado” (para se aposentar) como capitão de fragata — na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. A esquerda organizou-se e diz não aceitar nem a indenização nem a reparação. No domingo, 29, baseado num documento da Marinha, “O Globo” revelou que o Cabo Anselmo disputou mandato de deputado estadual em Alagoas, em 1986, pelo PFL, e “participou” (não se sabe se como agente infiltrado) de uma greve na Companhia Siderúrgica Paulista, em 1988. O relatório mostra que a Marinha monitorou e talvez ainda monitore seu (ex-)protegido. O ex-marinheiro Anselmo fez plástica e diz que está na miséria.

O poeta Anselmo

“O Cabo Anselmo não tem tanta importância histórica como se imagina”, ressalva Antônio Duarte. “A traição, produzida por uma vileza incomum, o tornou mais visível, o que atrai mais e mais mídia. Marinheiros muito mais importantes, como Marco Antônio da Silva Lima, merecem um lugar melhor na história. Eleito presidente da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais, em abril de 1963, o marinheiro de primeira classe (confundido com cabo pela imprensa) era poeta, escrevia em jornal e “gostava muito” do escritor italiano Pitigrilli (1893-1975). “Curiosamente, Pitigrilli [Dino Segre] era reacionário”, repara Antônio Duarte.

O suboficial da Marinha tem uma tese para sustentar que o Cabo Anselmo não aderiu à repressão — ao Centro de Informação da Marinha (Cenimar), por exemplo — antes de 1964 ou logo depois. A Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), fundada em março de 1962, teve como primeiro presidente o cabo João Barbosa de Almeida. O Cabo Anselmo não participava da diretoria. Ele foi eleito presidente da segunda diretoria da Associação dos Marinheiros em abril de 1963, um ano antes do golpe. “Conheci Anselmo em 1960, no navio-tanque Rijo, da força de transporte da Marinha. O navio transportava petróleo. Não entendia nada de política, era amante de literatura e escrevia num pequeno jornal, um boletim mimeografado. Queria sair da Marinha, pois dizia-se sabotado pelo fato de não ter o nome do pai na certidão de nascimento, e não queria ser militante da associação.”

Anselmo revelou que foi “recrutado” para a política e para a militância na Associação dos Marinheiros por Antônio Duarte. “Não quero dizer que o ‘recrutei’, mas admito que, sim, eu o sensibilizei — e até o politizei, vá lá — para a nossa causa em defesa dos marinheiros, que eram humilhados pelos oficiais.” Por que Anselmo, e não outro, foi convidado para liderar a AMFNB? “Anselmo havia feito um curso, tinha sido seminarista e, portanto, tinha uma certa capacidade, acima da média entre os marinheiros, que eram muito pobres e, em geral, sem cultura. No início, eu e ele discutíamos mais literatura do que política. Ele trabalhava com um capelão da Marinha e fazia o jornal ‘A Ilha’, no Centro de Instrução Almirante Wandenkolk. Ele queria fazer um curso, salvo engano, de operador de radar. Na Marinha, eu fazia um curso técnico de eletricidade. Aos poucos, depois de perceber sua paixão pelo reacionário Pitigrilli [autor de ‘Ultraje ao Pudor’, de 1922), um autor católico, começamos a discutir política. Anselmo ‘voava’ quando o assunto era política, preferia falar de poesia, inclusive escrevia poesia, e do jornalzinho que fazia. Percebendo que tinha futuro, devido aos seus conhecimentos, decidi levá-lo para a associação. Eu, digamos assim, instiguei-o. Nós não tínhamos uma pessoa emblemática, um símbolo, para enfrentar a situação, que era capitaneada por João Barbosa. Então, meio ao acaso, escolhemos Anselmo, o literato, para nos representar.”

Os sonhos do Cabo Anselmo não eram como os de Ícaro. “Anselmo queria cursar a escola naval, aspirava fazer uma carreira militar. ‘Boicotado’, segundo ele, tentou sair da Marinha. Naquele período, praticamente no fim do governo de Juscelino Kubitschek, vivia-se uma situação ambivalente. A sociedade era democrática, com muitas oportunidades, mas a Marinha reproduzia o sistema escravista. O marinheiro era quase um escravo, sem quaisquer direitos. Criamos a associação para exigir direito de voto e de ser votado, salários mais dignos, serviços médicos decentes — o serviço médico da Marinha era e é uma porcaria — e assistência para familiares. Pedíamos o mínimo, que era negado, e isto acabou por politizar a nossa luta.”

Presidente da Associação dos Marinheiros, assediado pela imprensa, o Cabo Anselmo tornou-se uma estrela. Percebendo o nascimento de um líder, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partidão, tentou recrutá-lo. “Havia marinheiros que militavam no PCB. Mas eu repito: Anselmo não queria ser militante de nenhuma causa, exceto das suas. Não se interessava pela causa coletiva dos marinheiros. Aceitou ser candidato como muita relutância, convencido por mim e outros amigos. Me considerava amigo. Para conquistá-lo, tive de dizer que abriria espaço para ele escrever artigos no jornal ‘A Tribuna do Mar’, cujo redator-chefe era o cabo Pedro Viegas. Ele me perguntou: ‘Você publica mesmo?’ Eu disse que sim, e assim o atraí.”

Antônio Duarte era “secretário de Educação” da diretoria da Associação dos Marinheiros. “Como a Marinha não investia na educação dos marinheiros, fui encarregado pela associação de elaborar um plano educacional e criamos uma escola de marinheiros. Não na Marinha, mas fora, independente, financiada por nós.” Para os críticos do Cabo Anselmo, como o jornalista e historiador Jarbas Silva Marques, já neste período, apesar dos disfarces, o marinheiro era agente da CIA e do Cenimar. Antônio Duarte é peremptório na contestação: “A informação não é baseada em nenhum fato concreto. Na verdade, o serviço secreto da Marinha atuava contra os marinheiros. A elite da Marinha avaliava que a gente acabaria por não atender as ordens dos oficiais, quebrando a disciplina. E o Anselmo não se interessava por nossos assuntos, então como poderia ser agente? Ele se tornou um canalha, um sujeito vil, porém só mais tarde”.

Na associação, revela Antônio Duarte, o Cabo Anselmo mandava menos do que outros marinheiros, como Marco Antônio da Silva Lima. “Anselmo consultava Marco Antônio a respeito de praticamente todos os assuntos.” Em 25 de março de 1964, na comemoração do segundo aniversário da Associação dos Marinheiros, o Cabo Anselmo fez um discurso radical. Mas não por conta própria, segundo o livro ‘Eu, Cabo Anselmo’, do jornalista Percival de Souza. “Foi Carlos Marighella quem enxertou o tom político que Anselmo interpretou nessa assembleia.” Antônio Duarte referenda a versão de Anselmo: “De fato, Carlos Marighella deu o tom político do discurso. E isto, que é reconhecido como fato, é mais uma prova de que Anselmo não era, então, infiltrado no movimento dos marinheiros”. Quando o discurso foi “politizado”, o líder comunista Joaquim Câmara Ferreira também estava presente. “O PCB estava de olho em Anselmo, não para vigiá-lo, e sim para conquistá-lo. Por que a CIA precisava de Anselmo naquele momento?”

Ambivalência e repressão

Com o golpe de 64, os marinheiros de esquerda — Antônio Duarte, José Duarte dos Santos, Marco Antônio e o Cabo Anselmo — são perseguidos e caçados pelos militares. Eram vistos como “comunistas”. A versão de Antônio Duarte sobre o ex-companheiro: “Anselmo era um dos mais visados, porque simbolizava a luta dos marinheiros, a suposta indisciplina militar. Ele foi para a Embaixada do México, de onde foi retirado pela Ação Popular, a AP. Há um assunto controverso, que merece investigação histórica. Quando foi preso pela repressão, Anselmo abriu uma informação que deixou o Partido Comunista ‘p’ da vida com ele. Quando fomos ao gabinete do último ministro da Marinha da fase democrática, ele, Paulo Werneck, nos deu duas pistolas — ‘fiquem com elas para se defenderem’, disse o ministro —, pois havia gente da direita militar articulando o assassinato da cúpula da associação. Ao fugir da Embaixada do México, Anselmo foi preso com uma das pistolas e admitiu que havia sido doada pelo Werneck, que ainda estava na ativa. Acredita-se que, aí, Anselmo teria começado a virada. A versão não procede, pois ele ficou preso, isolado, no Alto da Boa Vista — como o pessoal da Revolta da Chibata, a exemplo do João Cândido, foi isolado em 1910. Na verdade, a elite da Marinha o julgava sem qualquer importância, sem ideologia. Mais tarde, sim, ‘doutorou-se’ na ‘escola’ do ‘professor’ Sérgio Fleury. Na época não combatia o comunismo coisa alguma. Ele obedecia realmente a nossa orientação, nada fazia sem consultar o Marco Antônio e o José Duarte. A repressão deve ter percebido que era um sujeito ambivalente, mas, nesse período, não tinha qualquer utilidade. O que se queria era prendê-lo, condená-lo e expurgá-lo da Marinha”.

Tanto não havia suspeitas sobre a fidelidade do Cabo Anselmo, no imediato pós-64, que a esquerda patrocinou a fuga do marinheiro. “A explicação parece complicada, mas é simples. Anselmo se tornou interessante para a resistência porque, naquele momento, surgiu a possibilidade de enfrentar a ditadura, tanto politicamente quanto por outros meios. Ele era visto como líder e poderia contribuir com a luta.”

Quanto à não-resistência ao golpe, logo após o 1º de abril, Antônio Duarte apresenta uma explicação. “Nós tínhamos tudo”, acredita, “para derrotar os golpistas, que eram, apesar de muito bem articulados, minoria. O dispositivo militar do general Assis Brasil tinha informações sobre o golpe, mas não soube reagir, provavelmente porque o presidente João Goulart temia uma guerra sangrenta, no estilo da Guerra Civil Espanhola. Jango certamente quis evitar um possível massacre, como ocorreu na Espanha. Mas, se houvesse reação do governo, a população daria apoio à legalidade [há outras versões. Uma delas: sob a suposta ameaça comunista, a população apoiou o golpe]. No poder, os militares começaram a reprimir a esquerda em geral e o movimento estudantil, foco de resistência, em particular. Mataram o Edson Luiz, um garoto de 17 anos, no Rio de Janeiro. Então, do ponto de vista da esquerda, Anselmo era importante e por isso a AP tentou recrutá-lo.”

Antes dos marinheiros, os sargentos brizolistas, liderados pelo ex-governador do Rio do Grande do Sul Leonel Brizola, tentaram resistir. “Eles articularam uma revolta na Vila Militar, oito dias depois do golpe, mas foram desbaratados. Alguns desertaram e se reuniram a um grupo de sargentos do Rio Grande do Sul que, junto com Brizola, havia fundado o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). A intenção do Brizola era fazer o que ele chamava de ‘insurreição popular-militar’. Ele se comparava ao coronel Francisco Camaño, que, em 1965, liderou uma revolta na República Dominicana — prontamente esmagada por tropas dos Estados Unidos, com o apoio do regime militar brasileiro. O MNR agregava os militares expurgados pela ditadura, nacionalistas e esquerdistas. Seu objetivo era derrubar a ditadura”, conta Antônio Duarte.

Anselmo em Cuba

A resistência em São Paulo era liderada pelo ex-sargento Onofre Pinto. “Onofre comandava um grupo de ex-sargentos e mantinha ligações tanto com o MNR de Brizola quanto com integrantes do Partido Comunista. Nesse momento, entre 64 e 66, eu, Onofre e outros atuávamos como recrutadores de braços para a resistência à ditadura. Mesmo procurado pela polícia, eu recrutava marinheiros, sobretudo. Eu dizia: ‘Você quer continuar na luta? Então, só há uma saída — treinar militarmente’. Eu e outros militares avaliávamos que o melhor caminho era o da revolução popular-militar. O projeto fracassou porque, apressado, o ex-coronel Jefferson Cardim tomou a cidade de Três Passos, no Rio Grande do Sul, e isso denunciou os planos de Brizola. Depois, a Guerrilha de Caparaó, feita com militantes que estiveram em Cuba e ex-sargentos, também fracassou. Quase foi o final do movimento. A guerrilha era para se espalhar por todo o país, mas, além dos dois fracassos, houve defecções em Mato Grosso e no Maranhão, em Imperatriz”, relata Antônio Duarte. “O núcleo do Maranhão tinha a participação do ex-deputado Neiva Moreira, que havia sido cassado. Eu estive lá. Zé Duarte ficou na região com o objetivo de articular a guerrilha — era um esquema do MNR. A malária matou um de nossos companheiros e, como eles ficaram isolados, optaram por sair.”

Em 1966, Antônio Duarte foi preso. Interrogado pelo Cenimar, respondeu a processos e foi enviado para a penitenciária Lemos Brito. “Meu irmão, o Zé Duarte, foi preso depois, quando voltava de Cuba no esquema do MNR. Ele e outros guerrilheiros foram encaminhados para a Lemos Brito. Já a fuga foi orquestrada por um grupo de esquerda, com a participação de operários do Rio de Janeiro e a colaboração do jornalista e professor da Universidade de Brasília Flávio Tavares, do jornal ‘Última Hora’. Zé Duarte e Pedro Viegas cumpriram pena de um ano na Lemos Brito, foram condenados a três anos, mas foram indultados. Eles saíram e organizaram o grupo para nos libertar. Isso já no governo de Costa e Silva.”

Abandonados por Brizola, os ex-marinheiros se aproximaram de outras tendências de esquerda. “O nosso grupo”, conta Antônio Duarte, “era chamado, por nós, de Movimento de Ação Revolucionária (MAR), mas nos ligamos à Ação Libertadora Nacional, a ALN. Na nossa libertação da Lemos Brito foram usadas armas da ALN. O ex-marinheiro e estudante de filosofia Hélio Ferreira Rego [Antônio Duarte conta que os marinheiros mantinham ligações com o pessoal da filosofia da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro] era da ALN e ajudou a coordenar a fuga”. Ao fugir da penitenciária, o grupo foi para a divisa do Rio de Janeiro com São Paulo. “Aí era o MAR. Estávamos armados com fuzis, tínhamos acampamento. Era uma zona de treinamento. Fomos atacados por fuzileiros. Nosso grupo recuou e aproximou-se do MR-8, aquele ligado ao jornalista Franklin Martins, que nos guardou. Fizemos algumas ações com esse pessoal e também com o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR). Depois, houve a dizimação de tudo — o MR-8 e o PCBR haviam sido destroçados, no Rio de Janeiro. Mário Alves [morto na tortura] e Apolonio de Carvalho, líderes do PCBR, foram presos. Eu escapei e me escondi no apartamento de um jornalista. Ele foi preso, não abriu rapidamente, dando-me uma chance, e eu caí fora. Quando invadiram o apartamento, eu estava longe. Eu e outros companheiros decidimos sair do Brasil.”

Antônio Duarte saiu do Brasil pela fronteira da Bolívia com o Brasil, na região de Guarajá-Mirim, em Rondônia. “Nós escapamos de automóvel, um Vemaguet que compramos em Goiás. De lá, fomos para o Chile e, depois, para Cuba. Estávamos em 1970.”

Em Cuba, ao se encontrar com o Cabo Anselmo, Antônio Duarte teria recomendado que não voltasse ao Brasil, pois estava tudo “liquidado, e que fosse estudar”, segundo a versão apresentada no livro de Percival de Souza. “Na verdade, conversei com Anselmo, que estava ligado ao Onofre Pinto, mas, ao contrário do que diz no livro, eu não sugeri que não voltasse. Mas é verdade que eu disse que a situação estava muito difícil no Brasil, que quem fosse pego era morto. Contei-lhe que [o ex-marinheiro] Avelino Capitani havia participado de um tiroteio, depois de uma expropriação bancária no Rio de Janeiro, e havia sido ferido. Estávamos isolados, sem contatos, esperando a morte chegar”, rebate Antônio Duarte. O Cabo Anselmo queria mais informações sobre o Brasil, pois pretendia voltar. “Fui sincero, pois o conhecia e avaliava que não valia a pena retornar. Anselmo foi enviado para Cuba no esquema do MNR, por indicação do Brizola. Mas, como Brizola desistiu da luta armada, ele acabou ligando-se à Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS) e à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Politicamente, estava isolado, não era o mesmo Anselmo do Brasil, que atraía todo mundo, as luzes da mídia. Era um militante qualquer. Como era vaidoso e gostava de ficar na crista da onda, isto, mais do que qualquer ideologia, deve ter sido decisivo para desmotivá-lo a continuar a vida de guerrilheiro.”

Em Cuba, mesmo não pensando voltar para o Brasil, Antônio Duarte participava de treinamento militar. “Preparava explosivos, manejava vários tipos de armas, fazia treinamento tático e estratégico. Muitos desistiram da guerrilha devido ao treinamento. Eram românticos e a guerrilha não tem nada de romantismo. É preciso ter no máximo 30 e muita disposição. Eu era jovem e militar. No Brasil, participei da Organização Revolucionária Marxista — Política Operária (Polop), muito rapidamente, pois a Polop foi logo destruída. Esse grupo tinha muitos intelectuais, da estirpe de Rui Mauro Marini — que propunha a teoria do subimperialismo e contestava a tese de que, para chegar ao socialismo, era preciso passar pela revolução democrático-burguesa —, Juarez Guimarães de Brito [que morou em Goiás e trabalhou no governo de Mauro Borges], Eder Sader, Emir Sader e Ladislas [Ladislaw] Dowbor. A ligação com o PCBR foi rápida e ocorreu porque nosso grupo estava destruído. Como não tínhamos sequer onde ficar, nos ligamos ao PCBR. Ao chegar em Cuba, eu estava vinculado ao MR-8. Fiquei um ano em Cuba.”

Os cubanos acreditavam numa revolução no Brasil? “Não digo que eles acreditavam piamente. Mas, como estavam isolados, jogavam com a possibilidade”, afirma Antônio Duarte. Por que a guerrilha fracassou? “O que mais dificultou a revolução no Brasil foram as divisões dos grupos de esquerda, a impossibilidade desses grupos organizarem uma frente e, claro, a falta de apoio da população. A radicalização se deu muito rapidamente e não houve tempo e meios de sensibilizar a população para a luta. Em Cuba, pelo contrário, a população apoiou a guerrilha. No Brasil, a batalha pelas reformas de base — a agrária sendo a mais comentada — já havia passado, havia ocorrido no governo de João Goulart. O debate das reformas, que galvanizaram a opinião pública, havia sido esquecido. E a classe dominante brasileira é muito poderosa e brutal, é organizada política e ideologicamente, tem o Estado na mão, controla as instituições e manipula a sociedade. Nós fomos chamados de ‘bandidos’ e o povo ‘comprou’ a contrainformação.”

Fleury e a virada

Por que Fleury, e não outro delegado, virou o Cabo Anselmo? Por que a Marinha se aproximou de Fleury? “Primeiro, Fleury era talvez o delegado mais importante, do ponto de vista da atuação na linha de frente, no combate aos guerrilheiros. Ele estava sempre fora da lei, livre para torturar e matar. Depois, com a prisão de Anselmo, que interessava à Marinha, Fleury estreitou suas ligações com o Cenimar. Mas o Fleury tinha relações mais sólidas com o Exército, com a Operação Bandeirante, a OBAN. A OBAN, que tinha total apoio do presidente Emilio Garrastazú Medici e do ministro do Exército, Orlando Geisel, copiou a teoria norte-americana de que era preciso destruir os grupos quando ainda estavam pequenos e sem ligações com outros grupos, porque, se crescessem, como no Vietnã, seria muito difícil combatê-los. No Brasil, mesmo a ALN e a VPR (depois VAR-Palmares), os grupos eram pequenos e lutavam separadamente.”

Sobre a infiltração de um agente do serviço secreto cubano, o G-2, supostamente patrocinado pela CIA, Antônio Duarte diz que não ouviu os cubanos discutirem o assunto. “Seria interessante saber a opinião dos cubanos”, frisa. “É preciso notar que aqueles que estavam voltando, e para um país vigiadíssimo, eram muito vulneráveis. Não era difícil identificá-los, com um razoável controle das fronteiras e dos aeroportos. Os militares brasileiros, com o apoio da CIA, tinham muitas informações sobre os guerrilheiros, por exemplo os do Movimento de Libertação Popular, o Molipo. Muitos haviam sido trocados por embaixadores, então a ficha deles estava com os militares. Até hoje o Brasil é controlado pelo serviço secreto americano. Na época o monitoramento era ainda maior. Quando um guerrilheiro passava pela Itália, França, ou qualquer outro país, era imediatamente fotografado. Não é paranoia, não.”

No livro “Eu, Cabo Anselmo”, o ex-marinheiro diz que José Duarte foi morto em ação. Na verdade, segundo Antônio Duarte e o próprio José Duarte, o Cabo Anselmo tentou levá-lo para um encontro com a repressão. “Por indisciplina mesmo, escapei”, diz José Duarte, que mora em Goiânia. “O Anselmo queria que a equipe do Fleury matasse Zé Duarte. Ele foi ao Chile com a missão de buscá-lo. É um sujeito de uma vileza impressionante, mas não foi sempre assim”, confirma Antônio Duarte. É como se o Cabo Anselmo acreditasse que, quanto mais companheiros levasse para a matilha de Fleury matar, mais sua história seria esquecida, e está ocorrendo exatamente o oposto.

A respeito do dinheiro da guerrilha, Antônio Duarte garante que sabe pouco. O capitão José Wilson da Silva, que passou à história como o Tenente Vermelho, por sua ligação com a esquerda nacionalista, conta que Fidel Castro, com imenso sacrifício, enviou 1 milhão de dólares para Brizola fazer a revolução socialista, ou nacionalista, no Brasil. A primeira parte ficou com Brizola e o outra parte foi entregue ao antropólogo e escritor Darcy Ribeiro. “Não sei se foram 1 ou 2 milhões de dólares. Pode parecer muito dinheiro, mas, para fazer guerrilha num país continental como o Brasil e contra forças armadas bem estruturadas, é uma gota d’água no oceano.” Um dos últimos líderes da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Eugênio Sarmento conta que recebeu dinheiro da Coréia comunista. “Na verdade”, atesta Antônio Duarte, “a guerrilha foi financiada com dinheiro das chamadas expropriações de bancos e empresas — e há também a famosa história do cofre do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros. A VAR-Palmares comandou a expropriação [Antônio Duarte se recusa a usar a palavra “assalto”]. A repressão avaliou, no início, que os bancos estavam sendo assaltados por bandidos comuns”.

Cabo Anselmo: o ex-marinheiro que entregou militantes da VPR e da ALN para a matilha de Fleury
Cabo Anselmo: o ex-marinheiro que entregou militantes da VPR e da ALN para a matilha de Fleury

Anselmo, o cabo que não era cabo e o apelido certeiro

José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo não era cabo, e sim marinheiro de primeira classe. A imprensa confundiu as divisas, e ele foi “promovido”. Conta Antônio Duarte dos Santos: “Os jornalistas não sabiam diferençar a questão das divisas. O marinheiro de primeira classe tem duas divisas, e só de um lado, e o cabo tem três divisas, e dos dois lados. Ao ver as divisas, sem entendê-las, e percebendo que o Anselmo era ‘importante’, pois chamava a atenção de todos, os jornalistas apostaram que era ‘cabo’. E assim ficou. Agora, não dá mais para mudar”. Anselmo se tornou “cabo” devido a um erro jornalístico.

Ao ser descoberto como traidor, por Inês Etienne Romeu (que foi tachada de “louca”, embora estivesse falando a verdade) e Diógenes Arruda, o Cabo Anselmo defendeu-se temerariamente e obteve o apoio do ex-sargento Onofre Pinto. Ambos eram traidores? As ponderações de Antônio Duarte: “Não sei, talvez não. Onofre Pinto está desaparecido, e é tido como morto. Ele era amigo do Anselmo. Quando o Anselmo foi preso e fugiu, com o apoio da AP, não tinham onde escondê-lo. Ele foi protegido pelo Onofre. O grupo do Onofre retirou ele do país e passou-o para o Brizola, do MNR, e o ex-governador o enviou para Cuba. Há pessoas na esquerda que acham que Onofre bancou o trabalho de Anselmo em Pernambuco para ficar com o dinheiro da VAR-Palmares (VPR). Mas eles eram mesmo amigos”. Há uma história, comentada mais nos bastidores, de que o Cabo Anselmo e o ex-sargento eram “amantes”. Anselmo seria homossexual. “Eu me lembro que espalharam que Anselmo havia tido um caso com um fuzileiro naval. A história deve ter sido plantada pelo serviço secreto dos militares. Tentaram fazer o mesmo com o João Cândido, líder da Revolta da Chibata, em 1910”, diz Antônio Duarte. “A maledicência não tem peso histórico.”

Na infância, o apelido do Cabo Anselmo era “Déda”, com acento agudo no “e”. O epíteto da meninice revelou-se profético. “O Anselmo não merece indenização nem voltar a ser marinheiro, pois não é um injustiçado. Foi injustiçado no começo, quando foi preso e até torturado, segundo diz, mas depois passou para o outro lado — o da repressão. Acredito até que, por ser um homem tão vil, tenha participado de grupos de extermínio, de esquadrões”, diz Antônio Duarte.

Capitão Carlos Lamarca: faminto, com roupas rasgadas e apenas com um aliado, foi morto na Bahia
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A guerra de Carlos Marighella e Carlos Lamarca

Os nomes mais marcantes da guerrilha armada sem dúvida são os de Carlos Marighella, veterano político comunista, e Carlos Lamarca, o capitão do exército que desertou e provocou a ira dos comandantes militares. Os dois foram mortos. Marighella foi pego numa armadilha pelo delegado Sérgio Fleury, em 1969. Fleury grampeou os telefones dos dominicanos e interceptou conversas deles com o pessoal de Marighella. Torturados, os dominicanos abriram os pontos, e a matilha de Fleury matou o principal líder da Ação Libertadora Nacional (ALN). Os historiadores Jacob Gorender (“Combate nas Trevas”) e Luís Mir (“A Revolução Impossível”), inimigos viscerais, revelam que o general Albuquerque Lima, encostado pela linha dura (da qual partilhava as ideias), encontrou-se com Marighella e propôs uma série de atentados com a finalidade de derrubar o governo militar. O guerrilheiro parece não ter levado a sério a proposta do general.

Carlos Marighella: o líder da ALN foi morto pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, em 1969
Carlos Marighella: o líder da ALN foi morto pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury, em 1969

Marighella tinha uma cabeça política mais sólida do que a de Lamarca. Segundo Antônio Duarte, Marighela era carismático e sabia liderar. “O livro ‘Por que Resistir à Prisão’ me influenciou muito. Era um grande revolucionário e, ao mesmo tempo, um homem de ideias, que escrevia e influenciava.” A força da ALN, organização criada por Marighella, se deu, diz Antônio Duarte, “porque conseguiu atrair a maioria dos líderes estudantis que foram ao Congresso de Ibiúna. Ele atraiu gente do PCB e da AP. Mas eu acho que a ALN perdeu força e capacidade de organização foi com a morte de Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo ou Velho. Com sua morte — ele foi traído —, a ALN se dividiu em pequenos grupos e perdeu-se; eles não mantinham contatos uns com os outros, muito também devido à repressão”.

Lamarca foi morto na Bahia, em 1971, pela equipe do major (hoje general) Newton Cerqueira (que também combateu a Guerrilha do Araguaia, aí como coronel). O guerrilheiro visto por Antônio Duarte: “Lamarca era um chefe militar, um herói, que os militares tentam transformar em criminoso e traidor. Eles o veem como um traidor das elites, porque foi preparado para ser um de seus representantes, um de seus defensores, e mudou as regras do jogo. Sua visita à faixa de Gaza certamente modificou sua cabeça, despertou sua consciência para os problemas nacionais e do povo brasileiro”.

Lamarca, segundo Antônio Duarte, tratava os soldados, cabos e sargentos com respeito. “Nos contatos com os sargentos Darcy e Onofre, Lamarca foi amadurecendo sua cabeça política. Ele e seu grupo pretendiam tomar o regimento de Quitaúna, mas um acidente mudou os planos, e eles fugiram com algumas armas. Ele queria fazer o que fez Izidoro Dias Lopes em São Paulo, em 1924, no acontecimento que gestou a Coluna Prestes. Isidoro tomou a guarnição de São Paulo. Do ponto de vista exclusivamente militar, Lamarca era um dos mais capazes guerrilheiros. Era competente, muito bem-treinado e disciplinado. O Exército fez um cerco poderoso no Vale do Ribeira e ele conseguiu escapar, o que prova sua competência militar.”

João Goulart e Leonel Brizola: o presidente que caiu em 1964 e o governador que tentou reagir ao golpe
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“Brizola foi o único a ter peito para enfrentar os militares”

Por que os ex-marinheiros e ex-sargentos apostavam tanto em Leonel Brizola? Antônio Duarte dos Santos diz que Brizola “foi o único líder civil brasileiro que realmente teve coragem de enfrentar os militares na história da República. Os militares sempre mandaram na política do país, e não apenas com o papel ‘moderador’. Em 1930, ajudaram a derrubar a República Velha e, em 1937, deram o golpe do Estado Novo. O presidente Getúlio Vargas era civil, mas estava cercado pelos militares. Em 1945, derrubaram Getúlio Vargas. Em 1954, deram um golpe, o presidente já estava praticamente no chão, mas o suicídio de Getúlio Vargas derrotou, momentaneamente, os golpistas”.

Em 1961, com a renúncia de Jânio Quadros, os militares tentam impedir a posse de João Goulart, o vice-presidente. “Nesse momento, Brizola fez a diferença. Outros políticos saíam correndo e Getúlio Vargas preferiu se matar a reagir. Brizola distribuiu armas para o povo, conclamou a população à resistência e criou a cadeia da legalidade. A elite militar, afrontada pela primeira vez, e com certa virulência, não o perdoou jamais — tanto que mais tarde os militares deram o PTB a Ivete Vargas. Brizola era um líder trabalhista que acreditava no desenvolvimento autônomo do Brasil, que pensava num projeto de nação”, diz Antônio Duarte.

Mas, se havia dois partidos comunistas, o PCB e o PC do B (que surgiu do racha de 1962), por que os militares de esquerda optaram por Brizola, um nacionalista que não era socialista? A versão de Antônio Duarte: “O Partidão — o PC do B, nesse período, era insignificante — apostava primeiro na revolução burguesa, e por isso defendia a conciliação com a elite nacional. Ora, essa burguesia nacional estava envolvida com o capital internacional até a medula. Ela é entreguista e, no geral, corrupta. O PCB perdeu grande parte de seus filiados devido ao seu comportamento pacifista e colaboracionista com os burgueses”.

“O ambientalismo de Fernando Gabeira é uma força política conservadora”
“O ambientalismo de Fernando Gabeira é uma força política conservadora”

“A política do Gabeira era tirar o corpo fora”

Ao deixar Cuba, Antônio Duarte foi para a França, onde ficou quatro meses, mas sua intenção era voltar para o Chile do presidente Salvador Allende. “Com o golpe de 1973, desisti e, como tinha amigos refugiados na Suécia, mudei meus planos. Não fiquei na França porque não tinha documentos brasileiros. Fiquei na Suécia de 1971 a 1980, quando voltei para o Brasil. Fui professor da Universidade Católica de Goiás e da Universidade de Taubaté.” Em 1987, decepcionado com parcela da esquerda, voltou para a Suécia. Ele é casado com uma sueca e não tem filhos.

Na Suécia, encontrou-se com vários exilados, entre eles o pessoal do MR-8 que escapara do Chile do general Augusto Pinochet. Estavam lá Fernando Gabeira (que participou do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick), Cid Benjamin, César Benjamin, Glória Ferreira. Entre outros (há o caso de Gerson Parreira, que mora em Goiás e publicou um livro em sueco).

“Gabeira participava das reuniões para denunciar os crimes da ditadura. Quando voltou para o Brasil, abandonou a esquerda e adotou as concepções do Partido Verde, o ambientalismo. Ele falava da política do corpo, e o pessoal rebatia: ‘Sim, é a política de tirar o corpo fora’”, diz Antônio Duarte, que ri da “brincadeira séria”. “Gabeira entrou no movimento revolucionário pela janela, pois tinha pela frente uma carreira de jornalista que todos esperavam brilhante. Participou do sequestro do Charles Burke Elbrick, embaixador americano. Ele e Franklin Martins, da Dissidência da Guanabara, que se intitulou MR-8, mas não era o velho MR-8, que havia sido devastado pela ditadura, estavam no esquema do sequestro, que também teve o apoio da ALN, de Joaquim Câmara Ferreira, o Velho, e Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, da ALN. Jonas comandou a operação.”

“Gabeira parece ter um discurso de esquerda, mas o ambientalismo não é de esquerda; pelo contrário, é um movimento conservador, mas tem um caráter de protesto contra a instrumentalização que o capitalismo faz do desenvolvimento. Ele segue mais ou menos as ideias do ambientalista alemão Daniel Cohn-Bendit. Ao voltar ao Brasil, lançou um livro, ‘O Que É Isso, Companheiro?’, em que me cita, e conseguiu o apoio do ‘Pasquim’ para editá-lo e promovê-lo”, diz Antônio Duarte.

Antônio Duarte conheceu o goiano Athos Magno Costa e Silva (confundido nos livros de Elio Gaspari e Luís Mir com Athos Pereira), que sequestrou um avião e foi para Cuba, com Isolde Sommer e outros. “Nós os chamávamos, em Cuba, de os ‘aviadores’.”

Antônio Duarte é autor de dois livros. O primeiro, que versa sobre o trabalhismo e a socialdemocracia, saiu pela Editora Global. O outro é ‘A Luta dos Marinheiros’, pela Editora Inverta (uma cooperativa que edita o polêmico e interessante jornal semanário ‘Inverta’), lançado na sede da Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro.

“A Luta dos Marinheiros”, diz Antônio Duarte, tem um objetivo: “Recuperar a história dos marinheiros da década de 60 de uma forma mais precisa. Trata-se de restaurar uma versão que nos foi roubada, a nossa versão dos fatos, hoje contaminados pelas teses da direita e de uma certa esquerda. Contestamos, por exemplo, a informação de que nossa rebelião foi um instrumento da direita para o golpe de 64. A passagem do [Cabo] Anselmo para a repressão também serviu para tentarem desmoralizar o nosso movimento, impedindo uma compreensão verdadeira de seus propósitos. Quero mostrar como começou o processo de conscientização dos marinheiros, aquele exato momento em que descobrimos que, para mudar a Marinha, era preciso mudar a sociedade brasileira. Eu digo que Anselmo era um cara como outro qualquer, que não tinha toda essa importância que a mídia lhe dá. Não tento diminuí-lo, mas apenas mostrar o seu lugar na história”.