O jornalista Paulo Pestana dizia que um texto bem escrito “melhorava” a notícia
11 março 2024 às 11h37
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Os obituários do jornalista Paulo Pestana, que morreu na segunda-feira, 11, aos 66 anos, informam que foi repórter especial, editor-executivo e cronista do “Correio Braziliense. Registram que trabalhou na Rádio Nacional, na Rede Globo e no “Estadão”. Sublinham que foi articulista das campanhas de 2018 e 2022 do governador de Brasília, Ibaneis Rocha — ambas vitoriosas.
Não há problema algum na apresentação do currículo de profissional deste bem-sucedido. Mas falta acrescentar algumas cositas. Paulo Pestana era inteligente, sabia captar do micro ao macro, tinha uma sensibilidade rara para perceber a força dos detalhes. Não era um jornalista comum. Era incomum. Sempre pensei no Pestana como um repórter adequado para a “Piauí” (ou, como preferem, “piauí”, sem “p” maiúsculo). Porque a revista ainda mantém as portas abertas para a grande reportagem — aquela que, por entender que a realidade é mais complexa do que parece, sempre reexamina os fatos com mais zelo e amplitude (a “New Yorker” contribuiu para desenvolver o talento de escritores como Truman Capote, John Updike, Janet Malcolm, Joseph Mitchell, entre muitos outros).
A inteligência de Pestana derivava de alguma questão inata, mas também de sua excelente formação cultural. Era um grande leitor e leu o que há de melhor na literatura e nos livros de não-ficção. Ele não era só bem-informado. Pestana — o sobrenome virou prenome — era, sobretudo, bem-formado. Há jornalistas que saem das universidades — “formados”, com um diploma — e alguns, talvez muitos, acabam por passar por um processo de estagnação. Deixam de ler e escrevem, não como se fossem repórteres, e sim datilógrafos. Ou seja, passam apenas a transcrever aquilo que as fontes dizem, não raro sem apresentar o contraditório com a devida atenção. Sobretudo, sem perceber que aquilo que apresentam como “a” realidade pode ser, muitas vezes, apenas um pedacinho dela.
Pestana talvez tenha optado pela crônica — uma maneira tão sensível quanto perspicaz de ver a vida — porque o jornalismo “anda”, em várias publicações, raso, sem alma, sem nervura. O jornalista dizia que um texto bem escrito “melhorava” a notícia. Não no sentido de edulcorá-la, e sim de torná-la mais atraente, ou interessante.
No marketing político, que no fundo é um braço da comunicação, Pestana acertou, mais uma vez, graça à sua sensibilidade ampliada pela vasta (e bem assimilada) cultura. Transformar uma figura “apagada” — apesar da energia “aparente” — como Ibaneis Rocha num político palatável para (governar) Brasília, a capital da esperança, não era e não é tarefa fácil. Pois, aliados a outros profissionais qualificados, Pestana contribuiu para o gestor do Distrito Federal parecer mais moderno do que de fato é. O profissional errou? Não. Acertou. Havia sido contratado para ajudar a “elegê-lo”. O que fez muito bem. E, no fundo, os adversários do “emedebista” não eram tão melhores assim.
Conheci Pestana por intermédio do jornalista Wilson Silvestre. De cara, notei: era um gentleman. Me ligou e conversamos várias vezes. Sempre dizia apreciar as análises do jornal. Era, no seu dizer, um dos poucos jornais que ainda ousava analisar os fatos com coragem e inteligência. O “Opção”, como ele dizia, “sempre ia além do factual — e isso era o seu ‘diferencial. O factual todos têm, mas a análise exige uma formação cultural que nem todos os jornais incentivam”.
Encontrei-me com Pestana duas vezes, em Brasília. Uma delas no Congresso Nacional. Afável, me falou do Jornal Opção, do “Correio” e de outros jornais. Falamos sobre literatura (com ele era possível falar de Joyce Cary e de Édouard Dujardin, o “pai” literário tanto de Virginia Woolf quanto de James Joyce) e um pouco sobre história (tanto do Brasil quanto geral). Ele gostava de música, mais do que eu, por certo.