Em todas as idades o excesso de uso de telas que tem, em grande parte, passo a participar e, até, determinar o funcionamento da infância e da adolescência

Renata Wirthmann

Especial para o Jornal Opção

É fato que a pandemia da Covid-19 não acabou e que o mundo iniciou o ano de 2022 batendo recordes de contaminações. Entretanto, diferentemente das propostas de enfrentamento dos anos de 2020 e 2021, o ano de 2022 será um ano de convivência com o vírus.

A diferença fundamental deste ano para os dois anteriores está no avanço da vacinação e do nosso conhecimento sobre o funcionamento do vírus. O ano de 2020 foi marcado pelo distanciamento social que, embora tenha se tornado um enorme desafio imposto pela pandemia a todos nós, era a única alternativa num contexto sem medicação ou vacina. O ano de 2021 foi marcado, por sua vez, pela vacinação que levou a América Latina de epicentro da pandemia no mundo, no início do ano, para epicentro da vacinação no mundo, no final do mesmo ano. E eis que iniciamos o ano de 2022, ano de estarmos todos vacinados e convivendo com o vírus, utilizando, para isso, nosso conhecimento sobre as medidas não farmacológicas como distanciamento, máscara e higienização das mãos e objetos.

Diante desse panorama destacamos que, entre 2020 e 2021, um dos grupos mais atingidos pelas restrições da pandemia foram as crianças e adolescentes, o que impactará diretamente no funcionamento da clínica psicanalítica em 2022 para este público. As principais perguntas que advém dessas restrições são: Qual a consequência do distanciamento social para a construção da subjetividade, o desenvolvimento da linguagem, da relação com o Outro e com ou outros? Qual o impacto da longa permanência em casa para a relação com o próprio corpo? Quais as angústias das crianças e adolescentes diante do retorno às aulas presenciais, aos cursos de idiomas, arte, música, esportes, aos eventos não familiares e aos espaços públicos não supervisionados pelos pais? Quais as consequências da imersão das crianças e adolescentes ao universo da internet em relação à identidade de gênero e orientação sexual?

Podemos pensar a questão da infância e adolescência dividindo este período em etapas menores.

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Primeiro os bebês que nasceram entre 2019 e 2021. Estes cresceram fechados em experiências, fundamentalmente restritas à família, sem creche ou pré-escola. Segundo a recomendação dos pediatras, diante do risco de contaminação os bebês precisavam ficar totalmente isolados e, com isso, não conheceram outras crianças nas quais pudessem se espelhar como um pequeno outro, que seria um outro bebê. Não frequentam parquinhos que ajudariam a dar saltos no desenvolvimento de sua psicomotricidade.

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Avançando um pouco mais, podemos destacar as crianças em fase de alfabetização, entre os 5 e 8 anos. A confirmação do mundo simbólico, a apropriação das letras e dos textos. Esse processo extremamente importante restrito ao desafio de alfabetizar através de uma tela do computador ou celular nas aulas remotas, terá sido possível?

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Vamos avançar mais alguns anos, os pré-adolescentes, a redescoberta do corpo e da sexualidade após o período de latência sem a presença física de outros corpos ao redor, só corpos virtuais, digitais, pela internet. A reformulação de si num importante processo de separação dos pais estando confinado ao contato quase que exclusivo com os pais.

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Chegamos finalmente à adolescência, a desejada conquista da autonomia, sem poder sair de casa, a angustiante escolha profissional e o processo de preparação para importantes provas como o Enem, sem aulas e provas presenciais. Percebemos impactos disso na queda brusca de inscrições para o exame no Enem de 2021 e 2022 e na diminuição das notas de cortes para os cursos das instituições públicas de ensino superior.

Pensando nesses quatro tempos do desenvolvimento cronológico de um sujeito que é atemporal, quais serão os desafios com crianças e adolescentes pós distanciamento social a partir deste ano de 2022? Alguns sinais desses desafios já aparecem na mídia, das casas, escolas e na clínica. Entre bebês e crianças pequenas um aumento exponencial de diagnósticos de autismos e a busca de tratamento imediato para os pequenos. Entre crianças no início da idade escolar até adolescentes no ensino médio os números e desafios das escolas tem apontado para o fato de que a educação foi um dos setores mais afetados pela pandemia. Enorme defasagem de aprendizagem em todas as idades, aumento da evasão escolar entre adolescentes e da violência dentro do espaço das escolas entre estudantes. Em todas as idades o excesso de uso de telas que tem, em grande parte, passo a participar e, até, determinar o funcionamento da infância e da adolescência. Nos próximos artigos, proponho avaliar os impactos para essas questões levantadas.

Renata Wirthmann é psicanalista e professora associada do curso de Psicologia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT). Possui pós-doutorado em Teoria Psicanalítica na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), doutorado em Psicologia Clínica e Cultura pela Universidade de Brasília (UnB) e mestrado em Psicologia pela UnB. Suas principais linhas de pesquisa são estudos psicanalíticos da psicose, autismo, infância e adolescência. É colaboradora do Jornal Opção.