O filme A Teoria de Tudo, sobre Stephen Hawking, discute a ciência e a vida complexa dos indivíduos

07 fevereiro 2015 às 11h22

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Há momentos, no filme “A Teoria de Tudo”, sobre os quais se pensa, num lampejo, que o físico não é Stephen Hawking, autor do livro “Uma Breve História do Tempo”, e sim a sua ex-mulher, Jane Wilde Hawking. Há duas explicações, quem sabe, toleráveis. Primeiro, a dificuldade de comunicação do cientista, hoje com 73 anos, contrariando o prognóstico médico. Quando era jovem, médicos disseram que só viveria dois anos. Segundo, a base da história levada ao cinema pelo diretor James Marsh é o livro “A Teoria de Tudo” (Única Editora, 448 páginas, tradução de Júlio de Andrade Filho e Sandra Martha Dolinsky), de Jane Hawking. É sua versão dos fatos, o que não significa que seja falsa. O mais provável é que seja apenas lacunar, exacerbe sua participação ao lado do cientista e encubra (ou suavize), aqui e ali, determinados problemas. A história sobre uma pessoa ou fato é sempre uma versão.
Independentemente de certas questiúnculas, que nunca são resolvidas, e por isso parecem questão de fundo, quando não o são, “A Teoria de Tudo” é um belo filme, divertido quase sempre, doloroso às vezes; sobretudo, conta uma grande história. Uma história da ciência, as pesquisas revolucionárias de Stephen Hawking, uma história de superação (e nestas histórias não há como escapar a certo sentimentalismo e certa pieguice, mas o filme evita ser apelativo) e uma história de indivíduos que, apesar de tudo, têm uma vida comum, com prazeres e desprazes, como quaisquer outros.
Jane Hawking amava o homem Stephen Hawking, com todos os seus problemas físicos, e cuidou dele e dos três filhos, enquanto sacrificava a própria carreira (e vida), até se apaixonar por outro homem, o que é perfeitamente normal (e as expectativas das pessoas são mesmo diferentes). A frase de Liev Tolstói, do livro “A Sonata a Kreutzer”, permanece perfeita: “Dizer que a gente vai amar uma pessoa a vida toda é como dizer que uma vela continuará a queimar enquanto vivermos”. O físico também se apaixona por outra mulher, que se encanta com sua inteligência. Inteligência que, embora respeitada, não encantava como antes Jane Hawking.
O espectador tem sorte com os atores: Eddie Redmayne, que faz Stephen Hawking, e Felicity Jones, como Jane Hawking, estão muito bem, nas convergências e divergências. O “casamento” entre os atores, em termos de encenação e interação, é praticamente perfeito. Eddie Redmayne brilha pela contenção, não pelo excesso, ao representar um personagem complexo e intenso. Às vezes, aqui e ali, sente-se pena do Stephen Hawking que “salta” da tela e parece dialogar conosco, mas, no geral, sente-se mais admiração e respeito pelo cientista que, no lugar de se entregar e lamuriar, continuou a pesquisar, a pensar, a escrever (se se pode dizer assim) e a publicar livros que eventualmente balançam as estruturas da ciência. A bela Felicity Jones está muito bem. Sua ansiedade (e ambiguidade), em parte de matiz sexual — mas não só —, é contida e, ao mesmo tempo, exasperante. Sente culpa, pois, ao trair Stephen Hawking, parece trair a si própria. O filme trata a vida íntima do casal, com a inclusão do amante, com suavidade, sem escândalo, sem sensacionalismo. Num tempo de excessos, a contenção, que nada esconde — pelo contrário, cobra que o espectador imagine —, é apreciável.
No seu Facebook, Stephen Hawking postou que Eddie Redmayne, de fato com desempenho impressionante, estava igual a ele, agia como ele e com “o mesmo senso de humor”. O físico nunca perdeu o humor.
Para um entendimento mais equilibrado, por assim dizer, vale a pena ler “Stephen Hawking — Uma Vida Para a Ciência” (Record, 336 páginas, tradução de Ryta Vinagre), de Michael White e John Gribbin.