O “Estadão” é a nova “Veja” no caminho do PT?

14 janeiro 2024 às 00h01

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De 2003 a 2010, durante seus primeiros dois governos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve uma oposição aguerrida no debate nacional – embora leal, dentro dos parâmetros da política. Por mais duras que fossem as disputas travadas, no Legislativo havia parlamentares que expunham os “podres” dos que estavam ocasionalmente no poder de forma razoável, dentro de padrões aceitáveis, sem precisar recorrer a uma indústria de fake news – termo que até então era praticamente desconhecido.
Naquele tempo, bem como no governo seguinte, da também petista Dilma Rousseff, só quem dava as cartas na opinião pública eram os meios de comunicação da chamada “grande imprensa”, ou mídia hegemônica – que englobava principalmente os jornalões, a Rede Globo e as demais TVs nacionais e uma revista em especial: a Veja.
Se as notícias se disseminavam com William Bonner à frente do Jornal Nacional na Globo, era especialmente na Veja que elas eram selecionadas, preparadas e jogadas como “furos”. A revista se fixou como o agente mais antipetista na imprensa e um de seus principais jornalistas, Reinaldo Azevedo (hoje considerado “comunista” pela extrema direita, por agora apoiar Lula), chegou a escrever O País dos Petralhas, volumes 1 e 2, tornando-se quase um símbolo da oposição ferrenha que se fazia ao governo petista – os militantes de esquerda chamavam o conglomerado dos veículos de “PiG”, sigla para “Partido da imprensa Golpista” (assim, com o “i” minúsculo, para realçar o descontentamento).
Agora, quem quer puxar o “PiG 2.0” é o Estado de S. Paulo. O jornal centenário, um dos veículos de maior tradição e respeitabilidade da imprensa do País, se colocou em campanha aberta contra o governo Lula 3.
Os editoriais, dia sim, dia não, buscam pautas diferentes para o mesmo objetivo: fustigar as ações (ou inações) da gestão federal. De segunda a sexta-feira da semana passada, foram estes os títulos dos textos de opinião avalizados pelo editor-chefe do Estadão:
2ª-feira – (8/1)
A ferida aberta do 8 de Janeiro
Muito se fala do dia da tentativa de golpe, mas não se enfrentam suas causas. Além de punir os mandantes, é preciso superar a lógica que motiva tanta gente a hostilizar a democracia
3ª-feira – (9/1)
O golpismo explícito e o implícitoPoucos apoiam os atos do 8 de Janeiro, mas a compreensão autoritária do poder é bem difundida, como mostra o malicioso pedido de “volta à normalidade democrática” da oposição
4ª-feira – (10/1)
Lula, o presidente Sol
A julgar pelo discurso de Lula a propósito do 8 de Janeiro, o Brasil gira em torno do lulopetismo, aquele que, nas palavras de seu líder, é a ‘garantia’ da democracia nacional
5ª-feira (11/1)
Um ano sem intervenções no câmbioAutonomia formal do BC permitiu à instituição retomar o controle da inflação por meio da taxa básica de juros, sem ter de recorrer a intervenções cambiais para conter expectativas
6ª feira (12/1)
Diplomacia estouvada
Lula quer posar de estadista e de humanista, mas, ao endossar formalmente uma acusação infundada de genocídio contra Israel, revela que ainda lhe falta o básico: prudência
De cinco editoriais, dois eram diretamente críticos ao presidente (quarta e sexta-feira), dois faziam reparações mais amenas ao governo e apenas um, o de terça-feira, ficou neutro, fazendo defesa dos valores democráticos.
Por trás da linha editorial atual do Estadão está Eurípedes Alcântara, por coincidência, o mesmo nome que dava as diretrizes para a Veja nos governos petistas anteriores. Porém, o efeito diante da opinião pública, ainda que não seja desprezível, reduziu-se assustadoramente. Ao lado do fenômeno das redes sociais que levam uma espécie de informação self-service a quem quer acessá-la – ou seja, o leitor consome a notícia que quer, não exatamente a notícia real –, há também, mesmo na oposição, hoje radicalizada, o sentimento de que nenhum veículo da imprensa, mesmo de oposição a Lula e ao governo, é confiável. Para a extrema direita, a imprensa convencional é um antro de “comunistas” declarados ou “comunistas” disfarçados.