O escritor Lobo Antunes postula que Clarice Lispector pode ter plagiado Virginia Woolf

12 julho 2019 às 15h35

COMPARTILHAR
“‘Perto do Coração Selvagem’ é um primeiro livro magnífico, mas todo o final é igual ao da Virginia Woolf”, diz autor português
A literatura portuguesa atual é assim: de um lado, Caim (José Saramago, o “mau” escritor) e, do outro, Abel (António Lobo Antunes, o “bom” escritor). Na prática, quem não adora ser maniqueísta e preconceituoso? Em termos estritamente literários, Lobo Antunes é mais brilhante do que Saramago (o Harry Potter da classe média). O autor de “Caim” é mais renomado do que o autor de “Memória de Elefante” porque ganhou o Nobel de Literatura. O livro “Uma Longa Viagem Com António Lobo Antunes” (Porto Editora, 494 páginas), de João Céu e Silva, revela outra faceta do escritor: a de leitor extremamente perspicaz, quase crítico literário (e tão idiossincrático quanto qualquer outro leitor). A obra resulta de uma longa entrevista.
Lobo Antunes diz que gosta “muito” do escritor americano William Gaddis (morreu em 1998, aos 76 anos), “que escreveu só quatro livros”. Pesquisei no site das livrarias Travessa (www.livrariatravessa.com.br) e Cultura (www.livrariacultura.com.br) e encontrei apenas livros em inglês, espanhol, italiano e alemão. O site Estante Virtual (www.estantevirtual.com.br), que reúne os melhores sebos do Brasil, registra somente um livro de Gaddis em português: “Alguém Lá Fora Parado” (Editora Best Seller, 289 páginas).
O escritor também aprecia “os primeiros livros” de Vargas Lloas; “Três Tristes Tigres”, de Guillermo Cabrera Infante; alguns livros de John Le Carré e os “dois últimos livros” de Philip Roth (as entrevistas do livro foram feitas em setembro de 2008). Sente inveja de Liev Tolstói, Joseph Conrad e Emily Brontë, “porque são escritores que de fato espantam, que têm coisas magníficas”. De “Sapho”, de Daudet, Lobo Antunes diz que “é a história de amor mais extraordinária. Aquilo é tão bem-feito, sempre escrito à beira do mau gosto mas sem nunca cair nele. (…) ‘Sapho’ é a história de amor que mais me emocionou”.
A uma pergunta tradicional, “que livro levaria para uma ilha deserta”, respondeu de modo espirituoso: “Se fosse para uma ilha deserta, levava livros sobre como construir barcos!”.
Da geração de escritores de sua geração, Lobo Antunes cita apenas dois que considera relevantes: Mário Cláudio e Lídia Jorge. “O mais dotado parece-me o Mário Cláudio, que é um escritor despretensioso, (…) um homem sério.”
As farpas mais afiadas ficam para o escritor e jornalista Miguel Sousa Tavares, autor do celebrado “Equador”. “Aquele, o Sousa Tavares, disse: ‘Tornei-me num escritor, sou um escritor’. Não é escritor nenhum! Nunca será!”, ataca Lobo Antunes.
O escritor pisa na literatura ao dizer que Bukowski “é um excelente escritor”. Dizê-lo mediano é mais do que razoável.

Clarice Lispector e Virginia Woolf
Sobre Clarice Lispector: “‘Perto do Coração Selvagem’ é um primeiro livro magnífico, mas todo o final é igual ao da Virginia Woolf”. Lobo Antunes garante que no livro de Lispector “há frases inteiras semelhantes” ao romance da autora inglesa (deveria ter apresentado pelo menos algumas). Pode-se falar em plágio? Não. Porque Lobo Antunes não desenvolve sua “tese” de que a prosa de Lispector deriva mesmo da prosa de Woolf. O que verifica como “semelhanças” podem ser influência e inspiração. O fato é que deixou de ser “fã” da escritora brasileira.
Dos brasileiros, Lobo Antunes prefere os poetas, sobretudo Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.
[Texto de novembro de 2009]