Notícia satírica sobre overdose de maconha, que usou personagens de filmes no
texto, foi reproduzida em portal do grupo antidrogas da Polícia Militar e “caiu na rede”. Não é a primeira vez no ano que instituições policiais sofrem com pegadinhas

O capitão Jack Sparrow, de “Piratas do Caribe” virou chefe de cirurgia e Jesse Pinkman, traficante no seriado “Breaking Bad”, uma das vítimas da “overdose de maconha”: falta de checagem simples causou gafe em site oficial
O capitão Jack Sparrow, de “Piratas do Caribe” virou chefe de cirurgia e Jesse Pinkman, traficante no seriado “Breaking Bad”, uma das vítimas da “overdose de maconha”: falta de checagem simples causou gafe em site oficial

A ironia das redes sociais não perdoa. E o bullying virtual é uma de suas práticas mais assíduas. As celebridades são as grandes vítimas. Mas poucas coisas atiçam tanto a sanha como um órgão oficial cair em alguma esparrela. Gafes das estruturas de segurança, então, são destruídas impiedosamente por ironias ácidas dos internautas. Foi o que aconteceu com a Polícia Federal no dia do jogo do Brasil contra o Chile, em Belo Horizonte. O perfil oficial da entidade no Twitter postou uma nota segundo a qual haveria uma bomba no estádio Mineirão, local da partida: “Foi confirmada a ameaça de bomba no Mineirão, a evacuação do local não está descartada”. Claro, a maioria não acreditou na notícia, cuja repercussão ficou restrita ao próprio microblog.

Durante um bom tempo, mais nada foi publicado no perfil. Quem comentava em resposta o fazia mais por instinto piadista do que por alguma ansiedade. A PF ficou em silêncio. Depois, esclareceu que a página havia sido tomado por um hacker. Aí a ironia se voltou para o fato de a entidade maior de segurança do País ter se mostrado, ela mesma, totalmente vulnerável a invasão digital.

Na última semana, o alvo da zoação geral na rede foi a Polícia Militar de Goiás. Na quarta-feira, 29, o Programa Educacional de Re­sistência às Drogas (Proerd), ligado à entidade, reproduziu em sua página na internet uma matéria intitulada “Overdose de maconha matou 37 pessoas no Colorado no dia da Legalização”. Antes de continuar, é preciso repassar alguns esclarecimentos: Colorado e Washington foram pioneiros, entre os Estados norte-americanos, na legalização da maconha para consumo recreativo, o que ocorreu a partir de 1º de janeiro deste ano. Esta é a data na qual teria havido a “overdose de maconha”, segundo o texto divulgado.

Pelo histórico de seriedade do serviço de comunicação da PM goiana, pode-se dizer que a ocorrência tenha sido um “acidente”. E como dizem os peritos e demais especialistas em sinistros, acidentes nunca acontecem só por um fator. É preciso uma conjugação de circunstâncias (negligências) para que ele se efetive.

Para decidir publicar uma nota “pescada” da web, antes é necessário que a mesma tenha passado por alguns crivos de checagem. O primeira, no caso, seria o de suspeitar de que possa existir o risco de alguém ter overdose de maconha. E overdose coletiva, qualquer que seja a droga, é algo, convenhamos, um tanto raro. Mesmo com esses senões, se ainda assim houvesse alguma curiosidade para fazer um descarte completo, uma busca no Google — sempre um bom “anjo da guarda” para não cair na tentação da digestão fácil da informação — colocando a dúvida em questão poderia ter resolvido a história.

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A página do Proerd antes, com a falsa notícia, e depois, com a postagem já fora do ar: retirada não evitou ironias

Outro ponto de ataque seria cronológico. A data da notícia, divulgada no original em inglês pelo portal de sátiras “Daily Currant”, é do início do ano. Então, mesmo sem saber que maconha não tem como causar overdose, o pretenso noticiador poderia aí entender que já seria uma notícia antiga, portanto, não merecedora de divulgação. No Brasil, ela foi traduzida e reproduzida dias depois do texto original, pelo Jornal VDD — conhecido justamente pelas notícias que não são “vdd” (abreviatura, no dialeto da internet, para “verdade”). O veículo é um entre vários que literalmente brincam de fazer notícia: G17, Olé do Brasil, Diário Pernambucano e Sensacionalista são os mais conhecidos.

Não obstante essas formas, ainda haveria um terceiro ponto para não cair na armadilha: a própria leitura do texto com um pouco de conhecimentos gerais. A “cultura inútil” teria livrado o autor da gafe. É que entre os personagens da “reportagem” estão Jack Sparrow e Jesse Pinkman. O primeiro é o personagem protagonista da conhecidíssima série de filmes “Piratas do Caribe”, interpretado por Johnny Depp, e na notícia se tornou chefe de cirurgia que assistia os intoxicação pela erva. “Está um completo caos aqui”, desabafou o “médico” Sparrow na nota, cheia de erros de português. O segundo, um fictício traficante da não menos conhecida série “Breaking Bad”, na pegadinha era uma das vítimas.

Notícia postada, o resultado foi uma overdose de sarcasmo. “O Estado está gostando de listar mortos e ficções como se fossem reais. Depois de Bakunin no RJ, Jesse Pinkman em GO”, escreveu um tuiteiro, referindo-se também a outra confusão de polícia, a Civil carioca, que teria colocado o filósofo russo — considerado pai do anarquismo e morto em 1876 — como suspeito em inquérito sobre os protestos de ruas no Rio após ter sido citado por um manifestante.

Outras manifestações debochadas no Twitter: “Gente, que tristeza, o Jesse Pinkman sofreu uma overdose de maconha e morreu no Colorado”; “Depois desse texto publicado em um ‘site oficial’ [expressão entre aspas originalmente em caixa alta] de Goiás eu vou começar a fumar maconha”; “PM sendo PM e divulgando texto falso como se fosse verdade”; “Dr. Jack Sparrow mandou avisar que está um completo caos na pegadinha q (sic) o portal do Proerd goiano caiu”; “Dr. Jack Sparrow falando sobre overdose de maconha! Grande Goiás!”; “Acho que quem escreve textos anti-drogas tbm (sic) precisa fazer um teste toxicológico antes”. O dono do perfil engajado @MarchadaMaconha foi o mais sisudo ao escrever: “Como um órgão público se expõe ao ridículo de publicar uma matéria falaciosa como essa?”.

O alerta para a notícia partiu de fora do Proerd. Logo que a gafe foi descoberta, a página foi tirada do ar. Mas o estrago já estava feito. Como consolo, nada perdura por muito tempo. Outras gafes virão, de outras entidades ou personalidades, haverá algum barulho durante um ou dois dias e depois tudo cairá no esquecimento. Tempos velozes.