O cientista político Murilo Aragão publicou um artigo na revista “Veja” (sábado, 17), com o título de “Os não engajados definirão”, que merece um comentário e, sobretudo, transcrição das ideias expostas.

Aragão observa que o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição, reúne multidões nas ruas e o postulante do PT, Lula da Silva, praticamente não reúne ninguém — sequer convoca aliados para grandes eventos públicos. Mas é o petista que lidera todas as pesquisas de intenção de voto de institutos responsáveis. O cientista político afirma que o fenômeno pode ser denominado de “apoio desmobilizado”. Trata-e daquele “que se materializa na preferência do eleitor nas pesquisas, mas não se expressa em mobilizações expressivas”.

“A maioria dos que apoiam Lula não está, até agora, disposta a mostrar seu apoio nas ruas. Duas razões podem ser invocadas: a certeza de que ele vai vencer e o fato de que Lula seria, para eles, o ‘mal menor’. Parte significativa do eleitorado apoia Lula mais por não gostar de Bolsonaro do que pelas virtudes do ex-presidente. Sem empolgação, parcela significativa do eleitorado aponta Lula mais como uma rejeição ao outro postulante do que como opção afirmativa”.

Chega-se a ouvir nas ruas que a corrupção dos governos do PT, em comparação com errático Bolsonaro, é um “mal menor”. Por isso, é a rejeição do presidente que empurra Lula da Silva pra frente.

Bolsonaro, de acordo com Aragão, não “alcança nichos importantes, como as classes D e E, os nordestinos e as mulheres”. O presidente “não avança rumo a públicos não bolsonaristas”. O candidato do PL “não lidera a campanha por falta de apoio dos centristas e dos ‘isentões’, que deram a ele a vitória em 2018”. Desde que assumiu a Presidência, em 2019, no lugar de conquistar apoios novos, jamais deixou de pregar apenas para os “convertidos”, distanciando-se, cada vez mais, dos eleitores que não se preocupam com engajamento político e discurso ideologizado.

Lula da Silva lidera, sublinha Aragão, porque “ocupou o centro político em primeiro lugar”. O cientista político frisa que se tem no Brasil, neste ano, “uma eleição de afirmações negativas. O ponteiro lidera por rejeição ao segundo lugar. E o que está em segundo lugar não consegue, até agora, convencer de suas virtudes. Em eleições de dois turnos prevalece a tendência de se votar no menos ruim. É o que se está desenhando, já que os ‘isentões’ e centristas não conseguiram identificar um candidato que pudesse encarnar seus sentimentos”.

É provável que, ao fechar com o Centrão do ministro Ciro Nogueira e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, Bolsonaro tenha pensado que estaria também garantindo o apoio dos “isentões” e dos centristas. Faltou uma observação atenta de onde deriva a rejeição ao seu governo e à sua pessoa. Bolsonaro parece prestar pouca atenção à realidade que não combina com o que pensa dela. A realidade é o que é, e não necessariamente o que se pensa dela. Não soube nem mesmo perceber que parte de seus eleitores de 2018 estava se afastando dele e não pesquisou os motivos reais disso.

Aragão afirma que a disputa eleitoral deste ano é calcada na rejeição. “Já que as virtudes de cada um dos ponteiros parecem não ser o fator preferencial para as escolhas dos eleitores, quem errar menos leva.”

O cientista político faz uma advertência: “Por incrível que pareça, nada está definido. Eleição e mineração só depois da apuração, como dizem em Minas Gerais”.