Novos tempos da comunicação levam jornalistas da Globo a cruzarem os braços
21 agosto 2022 às 00h00
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O Grupo Globo já pagou — e talvez ainda pague — os melhores salários do jornalismo brasileiro. Porém, com as mudanças na comunicação, que ampliaram seu raio de ação, pode-se sugerir que há uma certa proletarização da profissão. Excetuando os apresentadores e alguns repórteres, a maioria dos jornalistas passou a receber salários menores. Os que não aceitam as novas regras do jogo são convidados a se retirar.
Os novos tempos do jornalismo, com uma profusão de profissionais na área, são irmãos siameses da proletarização. Houve um momento em que alguns salários de apresentadores eram tão altos que economistas chegaram a nominá-los de acionistas indiretos. Ou seja, “não” recebiam salário — faziam, todo mês, retiradas. Eram empresários sem empresa.
Na sexta-feira, 19, jornalistas da Globo e da GloboNews no Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília decidiram cruzar os braços. Os profissionais se uniram para dar um recado: querem melhores salários e condições de trabalho. De acordo com o site Notícias da TV, “a principal reclamação é que a emissora oferece um aumento abaixo da reposição da inflação do período” (10,75%). SBT e Record decidiram fazer a reposição integral, mas a Globo só repôs 5,5% e propõe uma reposição total de 7%. É como se, apesar de perceber a crise do país e do governo Bolsonaro, a empresa não estivesse querendo admitir a crise de seus funcionários.
O Notícias da TV relata que “a adesão” à paralisação “foi considerada alta”.
Competição feroz é a “rival” da Globo
Mas, afinal, há uma crise da Globo? Na verdade, se há uma crise, o problema não é apenas da Globo, e sim de todos. Como a rede da família Marinho é a maior do país seus problemas aparecem de maneira mais acentuada.
Na verdade, há uma crise geral dos meios de comunicação e ainda não se tem ideia do que, adiante, ocorrerá. Frise-se que a Globo não é apenas uma empresa de jornalismo. É também uma grande empresa de entretenimento e durante anos reinou absoluta com seus telejornais, novelas e minisséries — sem nenhuma concorrência mais forte. SBT e Record nunca incomodaram, estruturalmente, o poderio da Vênus Platinada. Nasceram para a vice-liderança.
Porém, no momento, a concorrência não é apenas interna, é sobretudo global. Tanto o jornalismo quanto o entretenimento enfrentam uma competição brutal. A oferta é imensa e, com isso, nem todos ficam mais plugados na Globo, por isso a audiência está caindo e tende a cair um pouco mais. Como se assiste (quando se assiste) televisão hoje? Com o celular nas mãos, verificando o Instagram, o Tik Tok, o Facebook, o Twitter, o YouTube. Percebo, em conversas com as pessoas, que há uma nova geração que nunca assistiu novelas da Globo. Há alguns anos — cerca de 10 anos —, isto era impossível. A Globo (Play) voltou-se para o streaming, mas a concorrência é forte, com preços reduzidos (a demanda global sustenta a política). O streaming da Globo, para ser lucrativo, precisa ser também global. A produção tem de ser em (alta) escala.
A Globo vai sobreviver? Tudo indica que sim. Mas será menor, terá menos audiência, menos profissionais e pagará salários mais reduzidos para a maioria de seus trabalhadores (Marx, que falava em “exército industrial de reserva”, parece atual?). Será uma a mais no mercado mundial. Antes corria sozinha, bem na frente. Era Usain Bolt. Agora há muitos Bolts no mercado.
Competente, a rede dos Marinho está tentando acompanhar as mudanças globais. Reduzir custos, como salários, e manter equipes menores e mais produtivas fazem parte do mundo novo da comunicação e do entretenimento. A proletarização de seus funcionários não tem a ver com “maldade”, “sacanagem” e falta de bom senso dos dirigentes. Tem a ver com os novos tempos bicudos do mercado jornalístico. E pode piorar, não apenas para os profissionais da Globo, mas sim para todos.
Os jornalistas, muitos deles, terão de buscar alternativas. Aos trancos e barrancos, profissionais ou amadores, os youtubers estão ensinando alguma coisa, explorando um caminho que não deve ser menosprezado.