“Novo normal” dos tempos bolsonaristas: Ratinho dispara discurso de ódio contra projeto civilizatório

19 dezembro 2021 às 00h00

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Em sua rádio, o apresentador do SBT fez uma série de ataques à deputada Natália Bonavides, do PT, por ela defender direitos LGBT

Claro que a imprensa não escapa do atraso civilizatório a que o bolsonarismo submeteu a Nação nos últimos três anos (e assim será também no próximo, já que o recheio de orçamento secreto servido aos deputados interdita qualquer chance de impeachment).
Na verdade, aquilo que já era bolsonarismo, mas assim ainda não se chamava, se nutriu de programas policiais e/ou sensacionalistas durante décadas. Quem tem mais anos no currículo da vida vai se lembrar de figuras como Gil Gomes, Jacinto Figueira Júnior (o Homem do Sapato Branco), Afanásio Jazadi e Alborghetti.
Morto em 2009, aos 64 anos, vítima de câncer de pulmão, Luiz Carlos Alborghetti, aliás, é o criador da criatura de que principalmente trata este texto. Carlos Roberto Massa, o Ratinho, foi repórter policial de seu programa durante 12 anos. Até que, por chamar o então governador de São Paulo, Luiz Antônio Fleury Filho de “bundão”, foi afastado do comando do Cadeia Sem Censura, o tal programa. Ratinho assumiu e depois o que veio foi história.
Hoje, depois de décadas, consagrado como um dos maiores animadores de auditório do País, Ratinho poderia usar seu talento em comunicação de forma menos agressiva. Mas vivemos os tempos que vivemos, como diz a introdução deste texto. Assim, o que é agressivo merece uma lapidação às avessas: tornar ainda mais tosco o que já é rude.
Dessa forma, na quinta-feira, 16, o apresentador, em seu programa de rádio dentro de sua própria emissora, a Massa FM, usou de praticamente todo o arsenal reacionário para reagir à notícia de um projeto de lei da deputada federal Natália Bonavides (PT-RN). Foi ao ar, em concessão pública, a título de opinião/”liberdade de expressão”, uma mistura de machismo, misoginia, homofobia, incitação à violência política e de gênero.
O motivo? O projeto de lei da parlamentar quer derrubar a expressão “marido e mulher” em união civil. O Código Civil de 2002 tem uma redação prevista para a declaração solene do casamento civil que é idêntica à da versão do código de 1916. Por isso, a referida expressão acaba por constranger casais homoafetivos, já que alguns cartórios – infelizmente, alguns de propósito –, mantêm inalterada a redação, mesmo se estão casando dois homens ou duas mulheres. “Recebemos diversos relatos de casais que, no momento da cerimônia, tiveram que ouvir os termos previstos no código civil. Na ocasião, o cartório informou que se não seguissem esse rito, o casamento poderia ser anulado”, disse Natália, em entrevista à página Universa, do portal UOL.
No Brasil de 2021, mas com um Congresso apinhado de falsos conservadores, ainda não existe lei que regulamente a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O que há, apenas, é uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema, garantindo o direito à união. Ou seja, o Judiciário fez o que o Legislativo não teve coragem em décadas.
A quem ousa tentar tornar mais contemporâneas as regras – no caso, como dito, já atualizadas pela Suprema Corte – recebe de comunicadores como Ratinho o seguinte tratamento:
“Natália, você não tem o que fazer, não? Você não tem o que fazer, minha filha? Vá lavar roupa, costura a carça (sic) do teu marido, a cueca dele, porque isso é uma imbecilidade, querer mudar esse tipo de coisa. Tanta coisa importante, o País precisando de tanta coisa, vem essa imbecil para fazer esse tipo de coisa. (…) Tinha que eliminar esses loucos. Não dá para pegar uma metralhadora? Feia coisa do capeta, também, nossa senhora!”
Claro que, ao dizer isso, Ratinho joga para sua plateia. Alimenta-a. E, dessa maneira, dá mais gás ao ódio contra pessoas que estão naquela condição. O gay precisa deixar de ser gay, pelo menos na frente das “pessoas de bem”, é isso que querem Ratinho, sua audiência e a ideologia que toma conta do governo e de boa parte do Congresso Nacional. Ou é isso ou tudo se mostrará como ameaça à família, às crianças e, daí, a consequência é a “metralhadora”, conforme insinua o apresentador.
Mas como ficaria, então, o texto proposto pela deputada? Seria algo ultrajante, como insinua a reação de Ratinho em seu programa? Vamos à redação:
Presentes os contraentes, em pessoa ou por procurador especial, juntamente com as testemunhas e o oficial do registro, a presidência do ato, ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, declarará efetuado o casamento, nestes termos: “De acordo com a vontade que acabam de declarar perante mim, eu, em nome da lei, declaro firmado o casamento.”
E é preciso voltar a algo que certamente passou despercebido na leitura, mas está aqui acima, no quinto parágrafo: Ratinho é dono de uma concessão pública, a qual está subordinada a regras. Entre elas, não se pode usar um canal de comunicação para propagar discursos de ódio e incitação à violência e, pior, ao assassinato de pessoas. O que o apresentador do SBT fez é crime. Infelizmente, nos tempos em que vivemos, parece apenas parte da paisagem.