Nigerianos roubam U$ 242 milhões de banco brasileiro
25 agosto 2014 às 12h54
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Misha Glenny conta a história do golpe que um grupo de criminosos nigerianos aplicou no Banco Noroeste, das famílias Simonsen e Cochrane, entre 1995 e 1997
O historiador e jornalista inglês Misha Glenny escreveu um livro muito bom, “McMáfia — Crime Sem Fronteiras” (Companhia das Letras, 440 páginas), no qual o Brasil figura como um dos personagens principais. Não é preciso esquecer as máfias italianas e americanas, mas o pesquisador mostra que há muitas outras máfias no mundo que devem ser conhecidas e, sobretudo, combatidas. Uma delas é a nigeriana.
No capítulo 8, “O teatro do crime”, Glenny conta a história do golpe que um grupo de criminosos nigerianos aplicou no Banco Noroeste, das famílias Simonsen e Cochrane, entre 1995 e 1997. Juntas, foram surrupiadas por africanos espertos em 242 milhões de dólares e só com muito custo conseguiram reaver parte do dinheiro. Na verdade, segundo o livro, conseguiram bloquear a grana. Mas gastaram uma fortuna para tentar retomá-la, pois tiveram de contratar especialistas caríssimos para fazer a operação de “retorno”. Desmoralizado, o banco acabou vendido para o Santander.
A história do golpe é surpreendente, e começou pelo fax e, depois, pela internet. O executivo Nelson Sakaguchi, responsável pelas operações do Banco Noroeste nas Ilhas Cayman, recebeu um fax de Tafida Williamns (na verdade, Bless Okereke), diretor de Orçamento e Planejamento do Ministério da Aviação da Nigéria. Williams explicou que o governo, que iria construir um novo aeroporto internacional em Abuja, a nova capital, precisava de investimentos.
Sakaguchi, homem do mercado financeiro, farejou uma grande oportunidade de investimentos. Articulou um encontro com Paul Ogwuma, diretor do Banco Central da Nigéria. Os nigerianos informaram que o governo queria 50 milhões de dólares para construir o aeroporto.
Mesmo sabendo que o capital do Noroeste era de apenas 500 milhões de dólares, o brasileiro, impressionado com o esquema, entusiasmou-se e liberou imediatamente 4 milhões de dólares para Emmanuel Nwude, “o mais exímio golpista da Nigéria”. Sakaguchi foi liberando dinheiro, até chegar à fabulosa soma de 242 milhões de dólares. O nome do golpe é “comissão adiantada”, ou 419. Os nigerianos foram pedindo dinheiro, antecipações, e, no final das contas, não havia aeroporto, nem os golpistas eram dirigentes do governo e do banco central da Nigéria.
“Todo mundo concorda que Sakaguchi foi vítima de uma fraude monumental” — uma das cinco maiores do mundo —, “mas ninguém entende como um banqueiro tão experiente caiu no golpe nem por que subtraiu o dinheiro de seu empregador no processo”, escreve Glenny. “Sakaguchi insiste que foi vítima pura e simples de um golpe e que não estava roubando dinheiro do banco. (…) A ingenuidade de Sakaguchi implora credibilidade. Não há provas de que ele estivesse mancomunado com os golpistas — foi uma vítima genuína. Mas estava financiando aquele jogo desvairado com o dinheiro dos outros.”
Sakaguchi assegura que seus patrões sabiam do “negócio”, mas as famílias Simonsen e Cochrane negam e o processaram.
Glenny relata que os nigerianos enviam, todos os dias, milhares de e-mails para pessoas do mundo inteiro com propostas de dinheiro fácil — milhões de dólares — e muitas acreditam, entram em contato e são lesadas. Dificilmente conseguem receber o dinheiro que, na verdade, deram de presente para nigerianos espertos. O e-mail se tornou um poderoso instrumento para os nigerianos arrancarem dinheiro dos incautos. Aliás, pode-se dizer que Sakaguchi, com anos de mercado financeiro, é incauto?
Noutro capítulo, Glenny relata como o delegado Protógenes Queiroz (o mesmo que prendeu o banqueiro Daniel Dantas) desbaratou a quadrilha do chinês Law Kin Chong. Nem mesmo a Polícia Federal em São Paulo foi avisada da Operação Shogun.
“Os cartéis de Cali e de Medellín começaram a negociar a expansão global da cocaína com representantes da Irmandade de Solntsevo de Moscou, com traficantes búlgaros e com inúmeros traficantes do Caribe e da América Central” por intermédio das famílias Cuntrera e Cuarana. O fundador do esquema, octogenário, mora, sem ser molestado, no Rio de Janeiro. Os filmes americanos estão certos: criminosos continuam fugindo para o Brasil.
O Primeiro Comando da Capital (PCC) também é discutido por Glenny, mas, nesse campo, seu trabalho de pesquisa é insatisfatório. Contentou-se em colher opiniões de promotores, um juiz aposentado e delegados de polícia e nada conta de relevante.
Há relatos interessantes sobre “ratos” da internet brasileiros e seus asseclas internacionais. Eles roubam milhões de contas de bancos. O brasileiro Kau, especialista em testar segurança de computadores, diz que “o único computador seguro é o que está desligado”.