Neutralidade do Washington Post na eleição entre Kamala e Trump é ficção jornalística e marketing
31 outubro 2024 às 09h36
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A neutralidade jornalística — a dita imparcialidade — é mito que agrada mais os incautos do que os realistas. Jornais, com donos e repórteres, têm suas preferências, assumidas ou não.
Jornais americanos têm o hábito, longevo, de explicar aos leitores quais são os candidatos de sua preferência. O “New York Times”, que preferia o Partido Republicano, passou a apoiar o Partido Democrata.
Na eleição deste ano, o “Times” está apoiando a democrata Kamala Harris. Porque não tem “estômago” para apoiar Donald Trump, da direita que se tornou extrema-direita. Ao jornal centenário desagradam o extremismo político e o irrealismo econômico do republicano.
Eram favas contadas que o “Washington Post”, jornal do bilionário Jeff Bezos, iria apoiar Kamala Harris. Porém, na undécima hora, o “Post”, para a alegria de Bezos — o homem das bolsas —, recuou e disse que não apoia nenhum dos candidatos.
Entretanto, ainda que sem esclarecer sua posição, o “Post” vinha apoiando Kamala Harris. Porque, assim como o “Times”, não endossa os projetos reacionários — por vezes, divorciados da realidade — de Donald Trump.
Na prática, apesar da declaração pública, o “Post” permanece apoiando o ideário de Kamala Harris (tolerância, democracia etc.) e rejeitando o ideário de Donald Trump (racismo, xenofobia etc.) É a civilização contra a barbárie.
Conta-se que, ao se tornar “neutro”, o “Post” perdeu 200 mil assinantes. Certamente, vai perder mais, com a repercussão da notícia.
Mas Jeff Bezos — que, segundo o repórter Bob Woodward, investiu na melhoria do jornal — sabe que os incautos, os que acreditam em imparcialidade jornalística, vão aprovar sua decisão. No Brasil mesmo, parece que até jornalistas acreditaram na “decisão” do empresário que criou a Amazon. Bezos não é romântico e sabe que jornalismo é negócio.
A jogada de marketing do “Post” pode render frutos — money — mais adiante. Jeff Bezos não é um homem “de” jornal (não tem nada a ver com Katharine Graham ou Ben Bradlee). É um “ser” — dono de empresas — cada vez mais do mercado financeiro. Há os que dirão: “Não quero o ‘Times’; quero o ‘Post’, que é isento”. O jogo do big empresário passa por aí.
Se você está rindo, leitor, está mais do que certo. O “Post” realmente não está com Kamala Harris ou Donald Trump? É claro que está com um deles. Qual é sua aposta? A minha é que o jornal, mesmo afetando neutralidade, “continua” apoiando a candidata do Partido Democrata.
Há um detalhe sobre a imprensa americana. A “adesão” a um candidato não significa necessariamente que os jornais deixam de ser críticos com todos os candidatos. O apoio é mais no campo dos editoriais, da opinião. As reportagens continuam duras, no mais das vezes, com todos os postulantes.