Nem a TV Globo nem Mauro Lima são donos da verdade sobre o cantor e músico Tim Maia

17 janeiro 2015 às 10h32

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A realidade, objeto desconhecido, é feita de pedaços de ficção — assim como a ficção é feita de retalhos da realidade. As duas acabam sendo criadas pela imaginação dos indivíduos. Biógrafos experimentados, ao compor a história de uma pessoa de vida complexa, têm de publicar, no mais das vezes, versões aproximadas do que lhe parece mais, digamos, real. O músico, compositor e cantor Tim Maia está muito bem perfilado no livro “Vale Tudo — O Som e a Fúria de Tim Maia”, de Nelson Motta. Ainda assim, há lacunas e elogios excessivos, sobretudo à música do artista, que não merece uma análise estética mais detida. O filme “Tim Maia”, de Mauro Lima, é tão bom quanto a biografia de Nelson Motta.
Porém, se os compositores austríaco Mozart e alemão Beethoven ainda são amplamente discutidos, o que sugere que suas obras e vidas ainda são controversas, mesmo tendo morrido há 227 anos e 188 anos, respectivamente, imagine a vida e a obra de Tim Maia, que morreu há 17 anos. Não dá, portanto, para falar em biografia definitiva de ninguém, muito menos de quem ainda desperta paixões fortes, como é o caso do brasileiro. Não há verdades que não podem se tornar mentiras, ou ao menos histórias contadas pela metade, de maneira excessiva ou contida.
No filme “Tim Maia”, Mauro Lima sublinha que, famoso, Roberto Carlos, mais do que esnobou, humilhou o colega. Na pior, o futuro rei do soul tropical pede ajuda e um assistente de Roberto Carlos amassa notas de dinheiro e as joga no chão. O próprio cantor lhe dá botas usadas, o que não significa, necessariamente, velhas, ou muito velhas. A história é verdadeira? Não se sabe. Na versão adaptada para televisão, a Globo cortou o trecho e colocou um depoimento de Roberto Carlos. Este elogia o “amigo”.
Na quarta-feira, 14, Leonardo Rodrigues, do UOL, entrevistou Erasmo Carlos, que pôs mais lenha na fogueira. O Tremendão avalia que a cena do filme pode não ter ocorrido e sugere que, como Tim Maia morreu, o único que pode esclarecê-la é Roberto Carlos. Se verdadeira, logicamente, há testemunhas — até agora, não apresentadas por Mauro Lima. “Eu nunca vi na minha vida nenhuma equipe de nenhum artista fazer uma coisa parecida com o que o cara faz no filme”, afirma Erasmo Carlos.
Procede a impressão de que Mauro Lima, com um único filme, quer se tornar dono da imagem, a “verdadeira”, de Tim Maia? Talvez não. Mas o diretor de cinema talvez tenha de admitir que há alguma possibilidade daquilo que apresenta como fato ser, na verdade, mezzo ficção.
Roberto Carlos deve descer do pedestal e posicionar-se, de maneira decidida, sobre o fato. Por não ser imortal, precisa deixar versões registradas para o confronto com outras versões. Se continuar ausente, ou patrocinando versões apenas edulcoradas, sua história se tornará lacunar ou então será contada tão-somente por quem tem suas próprias interpretações de suas músicas e de sua vida.