Um dos capítulos do livro “Fala, Galvão” (Globo Livros, 311 páginas), de Galvão Bueno e Ingo Ostrovsky, em que o principal narrador esportivo da TV Globo mais se expõe é aquele em que tenta explicar e se defender do “Cala a boca, Galvão!” (noutro capítulo admite: “Sou muito brasileiro, meu lado materno vem direto dos índios do Mato Grosso”).

“Foi como se um míssil nuclear tivesse caído na minha cabeça”, admite o narrador. Na cerimônia de abertura da Copa da África do Sul, em 2010, ocorreu um show da cantora Shakira. “Eu dancei — fora do ar, claro —, mas algumas imagens caíram nas redes sociais e começaram a se espalhar.” Galvão Bueno diz que não tem Facebook, Twitter, Instagram. “A melhor coisa da internet é que ela deu a todos a liberdade de se manifestar, e a pior coisa da internet é que ela deu a todos a liberdade de se manifestar. Às vezes, a rede é muito cruel.”

Terminada a festança, Galvão Bueno foi para o hotel, já sabendo que sua dancinha “tinha entrado para os world trending topicz do Twitter”. Porém, no dia seguinte, “o vídeo do ‘Cala a boca, Galvão!’ tinha tomado uma dimensão gigantesca. Cheguei à redação da Globo e um olhava para a cara do outro sem saber muito bem o que fazer. Dormi como o Galvão Bueno da Globo e acordei no ‘The New York Times’, no ‘El País’, da Espanha, no ‘Clarín’, da Argentina”.

Tudo começou, acredita Galvão Bueno, porque havia falado demais na transmissão da cerimônia. “Eu falo muito mesmo. Aí esse alguém criou e disponibilizou o vídeo do ‘Cala a boca, Galvão!’ na internet, isso virou um rastilho de pólvora e foi crescendo. Fiquei assustado, de verdade, quando pensei que tinha uma Copa inteira pela frente.”

O que fazer? A Globo não sabia como reagir à avalanche internacional. “Foi Luís Erlanger, com o aval de [Carlos Henrique] Schroder, quem liderou o processo que nos levou a brincar com tudo aquilo. ‘Se a gente levar a sério e quiser sair na porrada, aí estamos perdidos mesmo’, foi o mote do Erlander. Naquela noite, Luiz Fernando Lima, diretor de esportes, me ajudou a combinar algumas deixas com Tiago Liefert, que, no meio de uma frase minha, durante o ‘Central da Copa’, mandou um sonoro ‘Cala a boca, Galvão!’. ‘Pô, até você, Tiago?’ Fizemos várias piadas, rimos da situação e… segue o jogo”, relata Galvão Bueno.

“Levei a brincadeira adiante e disse para Leifert: ‘Ayrton Senna deve estar rolando de rir em algum lugar, porque ele só me chamava de Papagaio’. ‘Cala a boca, Galvão!’, dizia o Tiago. ‘Quer saber de uma coisa? Eu não vou calar a boca, nada, eu vou é falar’. Aí virou um grande barato, uma grande curtição. Um troço que poderia prejudicar meu trabalho naquela Copa acabou me fazendo muito mais bem do que mal, e acho que foi por causa da forma como abordamos a coisa toda.” O humor é o medicamento mais eficaz contra a ira e a burrice.

Galvão Bueno conta que, “na manhã seguinte”, acordou dizendo: “‘Vou falar à beça nesta Copa do Mundo’. E falei. Foi um míssil que explodiu, mas eu saí ileso”. De fato. Mas ficou evidente que nem a poderosa Globo e suas estrelas estão infensas ao deboche do mundo globalizado e democratizado pela internet.