Não é só a internet: a crise dos jornalões é também pela falta de autocrítica

26 fevereiro 2023 às 00h00

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No delicioso podcast Medo e Delírio em Brasília – criação de Pedro Daltro, o redator, e de Cristiano Botafogo, o locutor (melhor seria dizer “intérprete”, porque é um trabalho artístico e não simplesmente uma leitura de texto), há um personagem chamado O Terrível Editorialista do Estadão, uma das vozes que Cristiano Botafogo talentosamente usa no trabalho.
A alcunha refere-se ao modo cheio de má vontade com que O Estado de S. Paulo, um jornal de direita e conservador – no sentido clássico da palavra e não em sua deturpação dos tempos de extremismo neofascista –, trata, na visão dos autores do podcast (e de grandíssima parte da centro-esquerda), o PT e seus partidos aliados.
Em 2018, quando sobraram apenas Fernando Haddad e Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais, o Estadão produziu – na verdade, o termo correto seria “cometeu” – um editorial cujo título, estampado com as fotos do petista e do deputado-militar, dizia: “Uma escolha muito difícil”.
Poderia se dizer que lembrar isso agora é ser “maldoso” com o jornal, já que Bolsonaro ainda não havia governado e o PT, na visão editorial do Estadão, era um grande estorvo para o País. Pela segunda parte da justificativa, e levando-se em conta a linha ideológica adotada pelo veículo, poderia haver alguma condescendência. Mas jamais teria comparação a Bolsonaro para quem já conhecia o personagem depois de quase três décadas de atuação deplorável na Câmara dos Deputados. A equiparação entre um candidato democrata – ainda que contestável em vários pontos, como qualquer nome – e um outro que era um projeto de ditador será um ônus que o Estadão carregará para sempre – e cada postagem dos usuários das redes sociais em publicações se incumbem de relembrar o caso.
Assim como a Rede Globo se desculpou por ter apoiado o golpe de 1964 – embora só há menos de dez anos e sob pressão das ruas em 2013, que gritavam “a verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura” –, uma posição semelhante poderia ser tomada pelo Estadão sobre seu “não posicionamento” em 2018. A atitude carimbou negativamente a marca, a ponto de virar meme sempre “tirado da cartola” pelos opositores.
Curiosamente, os bolsonaristas tacham o “jornalão” Estado de S. Paulo de “comunista”, como parte da mesma “extrema imprensa” em que incluem também Globo e Folha de S.Paulo.