O Nobel de Literatura teve uma amante argentina, com a qual tinha uma relação sadomasoquista, e escreve que argentinos são experts em sexo anal

V. S. Naipaul e sua amante argentina Margaret Murray: ficaram quase 20 anos juntos

Num livro de 800 páginas, “El Mundo Es Así — La Biografía Autorizada Del Premio Nobel V. S. Naipaul” (Duomo Ediciones, 796 páginas, tradução de Ramón de España), de Patrick French, a respeito de um escritor dos séculos 20 e 21, o nome do irlandês James Joyce não é mencionado nenhuma vez. “Não me interessava o modernismo como movimento. Não suportava ‘As Ondas’ [de Virginia Woolf]… a escritura não deveria chamar a atenção sobre si mesma”, pontificou Naipaul. Ele negou que a poesia de T. S. Eliot o teria influenciando “minimamente”. O argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) é citado algumas vezes. V. S. Naipaul esteve na Argentina, em 1972, e foi apresentado ao poeta e prosador pelo ítalo-americano Norman Thomas di Giovanni. O relato de Patrick French: “Borges contou a Naipaul que havia conhecido Rabindranath Tagore (1861-1941) na casa de Victoria Ocampo [escritora, editora e mecenas argentina] e que ele havia lhe parecido ‘um velho cavalheiro bem pomposo, muito vaidoso e assaz petulante’. Borges interessava a Vidia, e depois reconheceria que, naquela época, não soubera entender sua grandeza. Apontou então: ‘Me perguntou de onde eu procedia. Quando se inteirou de que eu era indiano, me disse: ‘Como se pronuncia a palavra Sahib?’ E eu lhe disse: ‘Sahb’”.

Patrick French afirma que, pouco mais tarde, Naipaul “escreveu um artigo sobre Borges para a ‘New York Review’: sua reputação global ‘como argentino velho e provecto, autor de vários relatos muito breves e muito misteriosos, é tão exagerada e falsa que obscurece sua grandeza. Provavelmente, isso lhe custou o Prêmio Nobel [de Literatura]. Mas creio que quando essa reputação falsa amainar, como tem de suceder, pode ser que também desapareça o que é bom em sua obra’”.

Trata-se de uma diatribe de Naipaul? Em parte, é o mais provável. Como Patrick French não esclarece, não há como saber o que realmente o escritor de Trinidad leu de Borges. Talvez, ao menos no início da década de 1970, não tenha lido quase nada. Na verdade, o escritor reconhecia a grandeza — apesar de ter dito que não soubera percebê-la — do escritor que era tão ou quase tão inglês quanto Naipaul (e os americanos Henry James e T. S. Eliot). Sem deixar de ser argentino, como Naipaul jamais deixou de ser um indiano de Trinidad e Tobago. É provável que, de alguma forma, o conservadorismo de Borges tenha lhe agradado. Mas Naipaul, assinalou o crítico literário britânico James Wood, é o império de um homem só.

Jorge Luis Borges: escritor argentino a respeito do qual Naipaul disse não ter percebido a grandeza

A reputação literária de Borges, apesar de o escritor não ter recebido o Nobel, só cresce. O fato de ser cego, como se fosse um Homero moderno, atraiu ainda mais a atenção para o argentino. Tornou-se autor de culto globalizado — o que Naipaul, dadas suas idiossincrasias políticas, dificilmente se tornará. Suas opiniões sobre as mulheres chocam até aqueles que não são afeitos ao politicamente correto. Na página 430 da biografia, Patrick French registra uma opinião do autor de “Uma Casa Para o Sr. Biswas”, devidamente aspeadas, sobre as mulheres: “Começa a me aborrecer muito a tendência da alma feminina à tragédia e ao drama e estou convencido, cada vez mais, de que as mulheres são mentalmente triviais, incapazes de analisar suas razões, inclusive de entendê-las. Creio que o que desejam é apresentar testemunhos de sua felicidade ou de sua desgraça”.

A amante argentina de Naipaul

Naipaul teve uma amante na Argentina, Margaret Murray Gooding. Os dois mantinham uma relação sadomasoquista, da qual extraíam imenso prazer sexual (se encontraram por quase 20 anos). A história é contada, de maneira detalhada, na biografia de Patrick French. O escritor continuou casado com Patricia Ann Hale, por um longo tempo, mas sem deixar de se encontrar com Margaret. As duas mulheres amaram Naipaul. O escritor as amou? Ao seu modo, sim. Pat Hale era seu porto seguro, de quem dependia para quase tudo. Com Margaret chegava ao paraíso sexual. As duas lhe deram energia suficiente para escrever uma literatura de alta qualidade.

Argentinos ficaram irritados com Naipaul por causa de um artigo virulento e preconceituoso. “Naipaul deduzia que os homens argentinos se viam ‘apequenados’ por sua aparente preferência por sexo anal.” Não com homens, e sim com mulheres. Na opinião do escritor, ao manterem relação sexual anal com mulheres, os argentinos se sentiam mais machos, mais completos.

Patricia Hale Ann e V. S. Naipaul quando jovens, na Inglaterra; ela era seu porto seguro

Curiosamente, Patrick French escreve, na página 410, que “Vidia quase sempre descrevia os homens de uma maneira fisicamente mais detalhada que às mulheres. Sempre havia sido cativado pela beleza do corpo masculino, mas a ideia de sexo entre homens, sobretudo o sexo anal, lhe aterrava tanto quanto fascinava”. Na infância, em Trinidad, Naipaul foi abusado sexualmente por um primo. Por três anos — dos 7 aos 10 anos.

Crítico de tudo e de todos, Naipaul, quando instado a voltar e a servir ao seu país, Trinidad, vociferava: “Que país? Uma plantação? Como se pode servir a isso?”

Aos 20 anos, Naipaul expôs uma espécie de credo, numa conversa com Patricia Hale, no registro de Patrick French: “Ele era um espectador, livre do jogo emancipatório, que não aspirava reformar a raça humana. Ele era um homem sem lealdades — nem à Índia, nem às Índias Ocidentais, e nem a nenhum outro lugar, assim que escreveria a verdade tal como a via. (…) Seu eixo moral não era o da cultura europeia branca, nem o da cultura hindu pré-islâmica nem o de nenhuma outra cultura ao seu alcance: esse eixo era interno, era ele mesmo”. Se expandiu suas ideias, o escritor não as mudou no básico.

“Eu não tenho o menor interesse em reformar a raça humana. Sou o espectador, o passeante [viajante, turista] por excelência. Estou livre do jogo emancipatório. Quero criar a mim mesmo, fabricar uma filosofia própria com a qual me sinta cômodo. Quero ver o bem e o mal”, escreveu Naipaul.

Quando jovem, o escritor foi aluno de J. R. R. Tolkien, o autor de “O Senhor dos Anéis”, em Oxford. O mestre o considerava brilhante.

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