Na era da proliferação dos podcasts, a morte de Jô Soares traz um golpe de saudade
07 agosto 2022 às 00h02
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Poderíamos dizer que Jô Soares deixou os programas humorísticos para se reinventar. É que, após mais de quatro décadas dedicadas a participar ou protagonizar esse tipo de entretenimento, praticamente desde os primórdios da TV no Brasil, José Eugênio Soares – seu nome de registro – decidiu apostar tudo em realizar um sonho: ser apresentador de um talk show.
Foi em 1988, quando estreou no SBT, depois de ter sido elevado a uma das maiores estrelas da Rede Globo com seu Viva o Gordo. Saiu da “Vênus Platinada” porque não encontrou por lá o espaço e o respaldo para expor esse talento que ele estava convicto de que tinha. E não errou, muito pelo contrário: durante 12 anos, assistir ao Jô Onze e Meia era programa obrigatório para os notívagos e muitas vezes também forçava a vigília aos que não dormiam tão tarde, pelas atrações que recebia em seu sofá. O espectador sabia que não comprava só a “grife” do entrevistado, mas a sagacidade do entrevistador. Não tinha como dar errado e, por isso, valia a pena encurtar a noite de sono.
Um Jô com a metade do ápice de sua argúcia ainda seria um destaque diante dos seres humanos comuns
Jô havia apostado em fazer uma versão do produto originalmente estadunidense: um competente anfitrião recebendo convidados e batendo um papo que, de alguma forma, interessava a um grande público, com a cena completada por uma banda de ótimos músicos segurando tudo ao vivo.
Mais do que um bom anfitrião, Jô Soares sempre foi um “showman”. E, dessa forma, ele provou para a TV Globo da melhor forma que havia sido um grande equívoco deixá-lo ir embora para a concorrência: foi recontratado para fazer na antiga casa seu espetáculo, a partir de 2000. E foi assim durante mais 17 temporadas.
Em 2016, no último ano do Programa do Jô, o “Gordo” estava então com 78 anos. Não mais em sua melhor forma, obviamente. Isso valia para o corpo, mas também para a mente. Mais lento, falas mais pausadas, com alguns lapsos perdoáveis. Entretanto, um Jô com a metade do ápice de sua argúcia ainda seria um destaque diante dos seres humanos comuns. É preciso muito esforço e sorte para conseguir repor alguém nesse nível, ainda que veteraníssimo.
E, desde sua aposentadoria, talvez os tempos sejam mesmo de uma acentuação da mediocridade, pela impressão de que tudo que poderia ser feito já está realizado. Parece que nunca mais vai surgir nada de novo. E a sensação piora quando se vê o quadro como um todo, incluindo as plataformas das redes sociais.
Nos últimos anos, as emissoras de TV perderam de vez seu protagonismo. Os talk shows já não são os mesmos. Na Globo, Pedro Bial assumiu, desde 2017, a lacuna de Jô Soares, mas sem preenchê-la – embora nunca fosse esse o objetivo. Ainda que a pandemia, por conta das entrevistas por via remota, tenha feito o nível cair, Conversa com Bial ainda é o melhor programa do gênero, que tem basicamente apenas uma certa concorrência do apelativo The Noite, com um Danilo Gentili de bom senso contestável.
Mas os entrevistadores se multiplicaram fora da telinha. Estão às centenas nos podcasts. Substituíram o layout de bancada, sofá e canecas por uma grande mesa cheia de comes e bebes patrocinados por empresas. Recebem atores, artistas, atletas, políticos e demais celebridades e subcelebridades, aquela gente que, durante quase 30 anos, marcou presença nos programas com o veterano humorista.
A questão é que quantidade nunca foi qualidade. Ter um estúdio bem montado, alguém para bancar e grandes personalidades “abrindo o jogo” é só parte do todo. Boa parte dos mais movimentados podcasts têm à frente humoristas. Alguns são até divertidos, mas falta quem tenha verdadeira bagagem intelectual, cultural e ética para conduzir a arte de uma boa entrevista e extrair da personalidade sabatinada o que tem de melhor dela.
Bem verdade que Jô era tido por muitos como alguém por vezes arrogante e até inconveniente diante de alguns de seus milhares de convidados naquele estúdio. Não é fácil acertar, quanto mais acertar sempre, e houve, sim, pisadas na bola. Afinal, gênios não são deuses. Pelo contrário, é na humanidade deles que a gente encontra, pela amostragem, seu nível de excelência apesar das falhas existentes.