Músico brasileiro fez a cabeça da poeta americana Anne Sexton e obteve sucesso nos Estados Unidos

16 janeiro 2016 às 12h25

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Quem conhece a cantora Ivete Sangalo — ou, depois do barraco recente, Zangalo — levante as mãos. Você levantou, leitor? Por certo. Agora, mudando apenas o nome do artista, sugerimos: “Quem conhece Laurindo de Almeida levante as mãos”. Ruy Castro e Ricardo Cravo Albin levantaram os mãos! Mas eles sabem tudo de música. Laurindo de Almeida (1917-1995) era um compositor e violonista que nasceu em São Paulo e morreu em Los Angeles.
Na página 230 do livro “Anne Sexton — A Morte Não é a Vida” (Siciliano, 428 páginas, tradução de Raul de Sá Barbosa), a biógrafa Diane Middlebrook menciona o relacionamento (inclusive sexual; “o amor me retorce toda, uma flauta espanhola toca em meu sangue”, escreveu a poeta) entre a psiquiatra Anne Wilder e a poeta Anne Sexton — esta, uma celebridade, ganhadora do Pulitzer, amiga de Sylvia Plath, Maxine Kumin e Robert Lowell.
Conversando, deliciadas, Wilder e Sexton “descobriram que compartilhavam uma paixão pela gravação de Laurindo de Almeida das ‘Bachianas brasileiras’ de Villa-Lobos — ao violão. Anos depois, a voz aflautada de Salli Terri nesse disco representava ainda para Sexton uma síntese do sentimento, uma pureza que a poesia jamais poderia alcançar”.
Felizmente, graças ao YouTube, podemos ouvir o violonista e a cantora.
Laurindo de Almeida, que morreu aos 77 anos, permanece mais conhecido nos Estados Unidos. Mas os livros sobre música e artistas — de Zuza Homem de Mello, Ruy Castro, Jairo Severiano, Gonçalo Junior, Jorge Cravo e Ricardo Cravo Albin — são pródigos em citações ao seu trabalho como compositor e violonista. O crítico Leonardo Feather colocou-o em sua “Enciclopédia do Jazz”. Ricardo Cravo Albin assinala que é o único brasileiro a figurar na enciclopédia.
Ricardo Cravo Albin, autor do excelente “Dicionário Houaiss da Música Popular Brasileira” (Paracatu, 1155 páginas), é um dos defensores da excelência musical de Laurindo de Almeida. Ele transcreve o que lhe disse o maestro, pianista e compositor Tom Jobim: “O Brasil não gosta mesmo de quem faz sucesso lá fora. O Laurindo é respeitadíssimo pela nata da música americana, e aqui, ‘babau’. Eu mostrei há pouco o ‘Guitar from Ipanema’ (LP gravado em Nova York, que lhe valeu o Grammy em 1964) a um jovem músico que me perguntou que Laurindo era esse”.
O primeiro disco de Laurindo de Almeida saiu em 1938, com a valsa “Saudade”, de sua autoria, e o choro “Inspiração”. Antes de se “americanizar” (segundo seus críticos), Carmen Miranda gravou “dois bons sambas” (segundo Ruy Castro, que o coloca entre os maiores músicos do país) do compositor, “Mulato antimetropolitano” e “Você nasceu para ser grã-fina”, em 1939. No mesmo período, fez sucesso com “Pedro Viola”, de sua autoria, na voz de Aracy de Almeida. Com Junquilho Lourival, gravou, em 1942, a canção patriótica “Meu Caboclo”, que o cantor Orlando Silva transformou num dos maiores sucessos do ano. Ele tocou com o extraordinário Garoto.
Antes de se mudar do Brasil para sempre, depois do fechamento dos cassinos pelo governo do presidente Eurico Dutra, Laurindo de Almeida participou “das célebres gravações feitas por Stokowski com Pixinguinha, Donga, Cartola e outros cobras. Além de ter músicas suas gravadas pelo Olimpo: Carmen Miranda, Orlando Silva e Aracy de Almeida”, anota Ricardo Cravo Albin.
No livro “Música nas Veias — Memórias e Ensaios” (Editora 34, 359 páginas), Zuza Homem de Mello escreve que, “noite após noite, os Brazilian Serenaders eram uma atração à parte. Dentre os músicos dessa orquestra, talhada para a dança e o joie de vivre, alguns alcançaram êxito em carreiras individuais: Fafá Lemos (violino, assobio), Laurindo de Almeida (violão), Dick Farney (piano) e Betinho (guitarra)”. Isso aconteceu nos anos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Na obra “Uma História da Música Popular Brasileira — Das Origens à Modernidade” (Editora 34, 504 páginas), Jairo Severiano escreve que, em 1947, Laurindo de Almeida fez parte da orquestra da cantora Carmen Miranda, nos Estados Unidos, e, depois, se tornou violonista da orquestra de Stan Kenton, o papa do jazz progressivo. Gravou com o saxofonista Bud Shank e, supostamente, teriam antecipado a bossa nova. Tocou com o Modern Jazz Quartet, do pianista John Lewis.
Jorge Cravo, no livro “O Caçador das Bolachas Perdidas” (Record, 255 páginas), registra que, nos Estados Unidos, uma orquestra que o “deixou vivamente impressionado foi a de Stan Kenton, com seu jazz progressivo, dissonante, anticomercial e tão inovador para a época. Kenton, pianista, arranjador e compositor como Duke Ellington, revolucionou o jazz moderno. Tinha orquestradores sensacionais, como Johnny Richards, Bill Holman, Gene Roland e Pete Rugolo, e músicos do gabarito de Kai Winding, Buddy Childers, Bob Cooper, Shelly Manne, Frank Rosolino, Maynard Ferguson, Bud Shank, Mel Lewis, Pete Condoli, Lee Konitz e o brasileiro Laurindo de Almeida — sem falar em suas cantoras: Anita O’Day, June Christy e Chris Connor. Quando ouvi a orquestra em 1947, a vocalista era June Christy. Mas, quando Chris Connor entrou no lugar de June, tornou-se minha preferida”.
Em “Chega de Saudade — A História e as Histórias da Bossa Nova” (Companhia das Letras, 461 páginas), Ruy Castro corrobora parte do entusiasmo de Jorge Cravo: “… o que Kenton promoveu foi um estranho — para muitos, genial — swing com sotaque sinfônico. (…) Kenton era fascinado por ritmos latinos, principalmente cubanos, mas gravava até canções brasileiras, como ‘Tico-tico no fubá’, de Zequinha Abreu, e ‘Delicado’, de Waldir Azevedo, que aprendia com seu guitarrista nascido em Miracatu, SP, Laurindo de Almeida. Não importava o que Stan tocasse. Ao passar pela caneta de seu arranjador, o siciliano Pete Rugolo, qualquer canção saía timbrada com o estilo Kenton. É uma sorte que Laurindo não lhe tenha ensinado ‘Vem cá, Bitu’. (…) João Donato… tinha uma foto de Kenton no porta-retratos sobre o seu criado-mudo”.
Em 1949, Laurindo de Almeida gravou seu primeiro disco solo nos Estados Unidos, “Concert creation for guitar”. Depois, saíram os LPs “Brazilance” e “Sueños”. Em 1956 e 1957, saíram os LPs “Guitar music Latin America” e “Impressões do Brasil”, com destaque para suas composições “Pôr-do-sol em Copacabana” e “Serenata”.
Entre 1963 e 1964, com o Modern Jazz Quartet, excursiona pela Europa. Ganha o Prêmio Grammy de 1964 pelo disco “Guitar from Ipanema .
Ganhou seis Grammy, um feito notável. Foi uma das estrelas do LA 4, na década de 1970. No verbete do dicionário, Ricardo Cravo Albin afirma que Laurindo de Almeida “participou da trilha sonora de cerca de 800 filmes”. Tocou em “O Poderoso Chefão” (bandolim), de Francis Ford Coppola; “Os Dez Mandamentos”, de Cecil B. DeMille, e “Os Imperdoáveis”, de Clint Eastwood. O disco “First concert for guitarr” saiu em 1979, nos Estados Unidos. “Na década de 1980, apresentava-se com um trio com baixos e tambores (Robert Magnusson, Jim Plank e Chuck Flores). Com mais de 40 discos gravados no exterior, permaneceu em atividade até o fim da vida, finalizando o último CD, ‘Naked sea’, duas semanas antes de morrer”, anota Ricardo Cravo Albin.
Ricardo Cravo Albin diz que, em 1964, esteve com Laurindo de Almeida em Nova York e pôde ver que o baixista Charlie Mingus e John Lewis “devotavam ao brasileiro um respeito comovedor”.
Pixinguinha por Laurindo de Almeida
Ouça “Carinhoso”, de Pixinguinha, no violão de Laurindo de Almeida . No YouTube, é possível ouvir a música do violonista e compositor.