Movimento Brasil Livre sai do eixo quando aceita debater com o ator Alexandre Frota

11 novembro 2017 às 10h28

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A direita, se aderir à prática reacionária, pode perder o discurso libertário para a esquerda, que só é libertária quando lhe interessa

Liberais e conservadores não são necessariamente reacionários, como apregoam esquerdistas. No Brasil, há uma direita de qualidade, o que atestam os textos de Denis Rosenfield, João Pereira Coutinho (português que escreve na “Folha de S. Paulo”), Olavo de Carvalho (nos seus melhores momentos, quando decide debater a sério, sem xingamentos), Luiz Felipe Pondé, José Roberto Guzzo e Reynaldo Azevedo (quando não cede ao puro panfletarismo). Falta, quem sabe, um liberal da estirpe de José Guilherme Merquior — falecido, aos 49 anos, em 1991 — que estabeleça um diálogo menos passional com os setores mais abertos da esquerda. Recentemente, na revista “Piauí”, o economista não marxista Samuel Pessôa e o filósofo marxista Ruy Fausto mantiveram um debate de alto nível, sem se atacarem, deixando que as ideias, os dados e as interpretações se “atacassem”. Mantiveram uma discussão civilizada e, por mais que nenhum deles tenha convencido o outro, forneceram informações extras, a partir do choque de ideias contrárias, que certamente contribuíram para “enriquecer” os leitores. Debates fechados, com ataques histéricos e ideologizados ao extremo, não contribuem para nenhum esclarecimento ou iluminação.
O que há são esquerdas — Ruy Fausto e a filósofa Marilena Chaui são de esquerda, mas não pensam de maneira idêntica — e direitas (Olavo de Carvalho e Reynaldo Azevedo não se entendem). Se as esquerdas não se entendem — consta, até, que dois trotskistas logo se tornam dissidentes —, e se as direitas não se entendem, imagine esquerdas e direitas. O sociólogo americano Russell Jacoby, no livro “O Fim da Utopia — Política e Cultura na Era da Apatia” (Record, 304 páginas, tradução de Clóvis Marques), observa que, quando esquerda e liberais debatem em alto nível, as ideias de ambos “melhoram” e ganham mais “energia”. O capitalismo “criado” pela social democracia é, por certo, uma “evolução” decorrente da “pressão” do socialismo. O capitalismo chinês, forjado por comunistas, resulta do entendimento de que nada supera o vigor, em termos de produção e produtividade, do mercado. Mesmo que não se queira, há intercâmbios entre correntes políticas opositoras.

No Brasil atual, um tanto conflagrado, direitas e esquerdas querem se destruir e não debater suas ideias de maneira aberta e democrática. Fala-se de regra, não de exceção. Mas as direitas também começam a guerrear entre si. Olavo de Carvalho refuga ser “pai” de determinados grupos políticos, inclusive do Movimento Brasil Livre, e vários de seus aliados, quiçá os mais competentes e equilibrados, começaram a abandoná-lo. Em termos de dotes intelectuais, o filósofo, de fato, está bem acima dos grupos que o apoiam ou apoiavam. O filósofo, não o panfletário-xingador. Este parece ou parecia buscar seguidores-militantes — espécies de templários —, não pares. Suas últimas declarações sugerem que está abandonando pelo menos parte de seus discípulos, que não julga com preparo intelectual suficiente. Kim Kataguiri, um dos líderes do MBL, é um dos criticados. O filósofo passou a nominá-lo de “Kim Cata-Coquinho”. Uma verbosidade excessiva.
Mais do que Olavo de Carvalho, é a esquerda que mais ataca o MBL, sempre apontando que recebe dinheiro de determinados políticos, notadamente de líderes do PSDB. Esquece, propositada e sintomaticamente, que o PT, quando na Presidência da República, bancou vários grupos e organizações da esquerda. A União Nacional dos Estudantes (UNE) se tornou praticamente uma estatal — a Unebrás.

O MBL incomoda a esquerda porque atua num campo em que era soberana — o dos jovens. A juventude era “patrimônio” das esquerdas. O MBL deu à direita um corpo de jovens articulados, alguns deles até bem preparados, que, tanto nas ruas quanto nos jornais e revistas, se tornaram uma espécie de contraponto aos esquerdistas do PT e do PC do B. Seus militante são críticos e aguerridos — tal como os integrantes da esquerda — e conquistaram espaço na sociedade. São ouvidos, debatidos e, claro, combatidos. Mas resistem.
O que o MBL e outros grupos de direita precisam tomar cuidado, se não quiserem adotar o mesmo comportamento autoritário da esquerda, é com algumas de suas pautas e ações. O filósofo britânico Roger Scruton sugere que conservadores não são necessariamente reacionários. Portanto, atacar certas mostras de arte, única e exclusivamente devido à nudez, pode ser um propósito mais reacionário do que conservador ou liberal. Propor a proibição de palestras de esquerdistas ou feministas radicais, como Judith Butler, é “comprar” pautas da velha e nada remoçada esquerda. Primeiro, não é democrático. Segundo, no lugar de enfraquecer a ideias dos adversários, a direita contribui para fortalecê-los, dando-lhe, de mão-beijada, um discurso democrático — ao qual nunca foram tão afeitos. Liberais (e conservavdores), que não são autoritários, de repente ficam com a pecha de agentes contrários à democracia, ao debate livre. Quem quer combater Judith Butler, e seus epígonos patropis — repetidores de suas ideias, em geral superficiais —, deve ler seus livros com atenção e, em seguida, fornecer aos leitores uma crítica abalizada e equilibrada. No lugar de “copiar” o ranço das esquerdas, que sempre atacaram-na — qualificando-a de reacionária —, a direita deve se manter “aberta”. Se continuar agindo como tem feito vai ficar com a imagem de besta-fera, de vanguarda do atraso. O MBL, se apostar em permanência e consolidação de sua imagem na sociedade, como uma voz democrática autorizada, não deve cair na “armadilha” para a qual está sendo atraída, sob o olhar atento e contente das esquerdas. Fica-se com a impressão de que a direita, a militante, está se contaminando inclusive pelo “mau humor” da esquerda.
Indicando que a direita está piorando — e mais uma, é preciso dizer: José Guilherme Merquior, mais filósofo que sociólogo, faz falta, até muito falta (a crítica irônica de um Paulo Francis também faz falta, até muita falta) —, o MBL está sendo “puxado” por um debate que não é debate até com o ator Alexandre Frota.

Nada contra Alexandre Frota se apresentar como “de direita”, mas, se “significa” o ator, a direita brasileira está mal, muito mal. Disputando a marca Movimento Brasil Livre, Alexandre Frota e integrantes do MBL estão se atacando. O enfrentamento se dá inclusive na Justiça. O ator tenta tomar o título MBL e os jovens que criaram o movimento tentam mantê-lo. A Justiça deu ganho de causa ao grupo liderado por Kim Kataguiri e Renan Santos.
Nos ataques abaixo da linha da cintura — frise-se que não há um debate de ideias —, Alexandre Frota chama o MBL de “movimento das bichinhas livres”. O ator afirma que seus líderes são “filhotes de Jaspion”. Eles precisam “tomar uma pirocada bem dada para parar de mentir”. Friedrich Hayek (1899-1992) e Luwig von Mises (1881-1973) ficariam horrorizados com o comportamento e a linguagem de sarjeta.
No Twitter, Alexandre Frota, num narcisismo sem par, assinala: “Estou em luta contra DEM, PSDB, MBL, STF, todos unidos contra o Frota. Sensacional, falar a verdade do Brasil incomoda muito. Mas vamos à luta”. Kim Kataguiri responde de maneira moderada e sensata: “Triste saber que existem pessoas na direita que acham que criar intrigas diretas é mais importante do que lutar contra um adversário maior e comum”.
Mas o próprio Kim Kataguiri não quer perceber o óbvio: a baixa qualidade dos mais recentes seguidores da direita. Mais uma vez, resta repetir: José Guilherme Merquior, com sua presença intelectual luminosa e cosmopolita, faz falta. A direita, se não mudar, ficará com a imagem de “atrasada”, “reacionária” e “autoritária”. A esquerda — a verdadeira vanguarda do atraso — parece mais atenta, ao tentar recuperar a bandeira libertária, que, na prática, nunca defendeu, exceto quando critica a direita.