O notável professor e historiador está sendo velado no Cemitério Jardim das Palmeiras. Será enterrado às 11 horas, no mesmo cemitério, nesta quarta-feira, 3

Não início da década de 1980, quando estudava Filosofia (turma de 1981) e Jornalismo (turma de 1983) na Universidade Federal de Goiás, fui aluno de dois historiáveis notáveis —  Janaína Amado (filha de James Amado, irmão de Jorge Amado) e Sérgio Paulo Moreyra. A disciplina era História Contemporânea. Como estudava História na Universidade Católica de Goiás (turma de 1980, fui aluno dos excelentes mestres Luis Palacín, um jesuíta espanhol, Carlos Debrey, Maria Amélia Alencar, Wilson Ferreira da Cunha, José Maria Baldino e Nasr Chaul), era um prazer estudar com os professores.

Sérgio Paulo Moreyra havia sido aluno de Sérgio Buarque de Holanda, na Universidade de São Paulo. Era um dos preferidos do autor de “Raízes do Brasil” e, se não fossem contingências políticas — perseguições da ditadura civil-militar —, poderia ter se tornado um scholar da USP. Voltou para Goiás e se tornou professor da UFG. Era brilhante. Tinha pleno domínio dos fatos e uma capacidade analítica rara. Era um intérprete brilhante que, ao contrário de alguns, não esquecia a importância dos fatos. Ouvia as perguntas dos alunos atentamente e discutia-as com acuidade. Não era um pregador, como costuma ocorrer com determinados professores, notadamente os de esquerda — mas não só. Ensinava-nos a verificar as nuances de um fato, a examiná-lo de maneira detida e extrair dele o que parecia não conter. Mas frisava que não se deve forçar o fato para tornar uma interpretação possível. Toda interpretação exige que se force os fatos (o fato “fala” pela interpretação), mas há limites — o da verdade. Se o fato é forçado pela ideologia, por exemplo, fica, em geral, descaracterizado.

O Sérgio Paulo Moreyra que ficou na minha memória é o professor rigoroso, apaixonado pelo que fazia e por suas infinitas leituras. Além de sua doçura, sua voz calma, sua ponderação, suas aulas meticulosas. Mas, sim, era exigente, o que às vezes era confundido com rudeza. Era, na verdade, um gentleman. Era de esquerda, por certo, mas nunca o vi discriminar um aluno devido à sua ideologia. Lógico que, na época, a esquerda predominava. Mas, ao menos comigo — uma espécie de anarquista conservador e próximo das ideias liberais, que havia lido George Orwell, Arthur Koestler, Robert Conquest, Soljenítsin, Raymond Aron —, mantinha uma conversa franca e aberta. Gostava de saber o que eu estava lendo e, detalhe, ele lia tudo. Suas posições eram sólidas, mas não era dogmático.

Tempos depois, Sérgio Paulo Moreyra me liga na redação do Jornal Opção e diz que está lançando dois livros. “Relações de Trabalho no Campo — O Caso da Escravidão Por Dívidas em Goiás” (236 páginas) e “Vida Sertaneja: Aspirações Metropolitanas — Alunos da Universidade de Coimbra Nascidos em Goiás”. São pesquisas notáveis. Na redação, converso com um homem de mais de 70 anos atentíssimo, de vivacidade rara. Os cabelos estão brancos — aliás, precocemente brancos —, não me recordo bem se reclamou de problemas na coluna, mas era um homem ereto, firme, de um olhar perscrutador. Sobretudo, estava fazendas pesquisas — disse-me. Conectava fatos, falava de pessoas. Ficamos um longo tempo conversando.

Um personagem redescoberto por Sérgio Paulo Moreyra é João Alves de Castro, que foi governador de Goiás. Investia em educação e não fazia dívidas (pagava-as). Era um iluminista no Cerrado. Pai do general e senador Aguinaldo Caiado de Castro (era ligado ao presidente Getúlio Vargas), o militar que, como coronel da Força Expedicionária Brasileira (FEB), comandou a tomada do Monte Castello, na Itália, na batalha contra o nazi-fascismo. Ele é bisavô de Aguinaldo Coelho, um dos principais nomes da cultura em Goiás.

João Alves de Castro é o que se pode chamar de um iluminista no Cerrado. O mesmo se pode dizer de Sérgio Paulo Moreyra, que morreu, de câncer, na terça-feira, 2, aos 77 anos. Ele foi vice-reitor da UFG de 1990 a 1994. Mas será lembrado como um professor e historiador de primeira linha e um homem notável. Um homem de democrático, tolerante e decente.

Leia texto publicado em 20 de junho de 2015 no Jornal Opção

Professor lança livros sobre elite goiana que estudou em Coimbra e grupos que mandaram no Estado

O professor Sérgio Paulo Moreyra, da Universidade Federal de Goiás (e orientando de Sérgio Buarque de Holanda na USP), consegue ser historiador rigoroso, intérprete posicionado (mas objetivo) e escritor de texto delicioso. Ele está lançando dois livros pela Editora UFG: “Relações de Trabalho no Campo — O Caso da Escravidão Por Dívidas em Goiás” (236 páginas) e “Vida Sertaneja: Aspirações Metropolitanas — Alunos da Universidade de Coimbra Nascidos em Goiás” (235 páginas; a edição é primorosa).

Cuidadosa e criticamente, Sérgio Paulo disseca “a indiferença dos homens públicos de Goiás em relação ao destino do trabalhador ‘livre’. Quase sem exceção, os grandes nomes da política regional se mantiveram indiferentes diante do estratagema e do artifício legal montado pelos patrões contra os camaradas, como de resto se mantinham indiferentes à exclusão social da massa trabalhadora rural”.

Ao fazer o registro do quadro geral, Sérgio Paulo analisa, com rara felicidade, os principais personagens políticos de Goiás na Primeira República. Há personagens interessantíssimos, como o (quase) iluminista João Alves de Castro (pai de Aguinaldo Caiado de Castro, o coronel da FEB que comandou a tomada de Monte Castello na Itália, e bisavô do superintendente de Cultura do governo de Goiás, Aguinaldo Coelho). “Realizou o mais notável governo de Goiás na Primeira República.”