Morre o poeta sueco Tomas Tranströmer, Prêmio Nobel de Literatura de 2011

27 março 2015 às 16h14
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O poeta Tomas Tranströmer, de 83 anos, morreu na sexta-feira, 27. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Literatura de 2011. Nasceu em Estocolmo, em 1931. E havia sofrido um AVC em 1999 (que afetou sua fala).
Consagrado mundialmente como poeta, sobretudo depois do Nobel, Tranströmer era psicólogo e trabalhava com a reabilitação de “delinquentes juvenis”. Trabalhou na prisão juvenil de Roxtuma (Linköping).
Tranströmer publicou poemas em várias revistas. Sua estreia literária ocorreu em 1954, com o livro “17 Dikter”. A crítica sueca considerou-o como uma estreia consistente. Ele estudou História, Literatura, Psicologia e História das Religiões na Universidade de Estocolmo. O bardo tinha um grande interesse pela natureza e pela música. Consagrou-se literariamente com os livros “Hemligheter pa vägen”, de 1958, Klanger Och Spar”, de 1966, e “El Cielo a Medio Hacer” (tradução espanhola), de 2010. A crítica literária sueca o coloca como um par dos grandes poetas dos séculos 20 e 21.
O jornal espanhol “ABC” diz que “o livro ‘Östersjöar’, de 1974, recolhe fragmentos de uma história familiar de Runmarö, uma ilha do arquipélago de Estocolmo no qual seu avô materno trabalhava e onde o menino Tranströmer passou muitos verões. Recordações de sua infância e juventude também são encontradas no livro de memórias ‘Poemas Selectos y Visión de la Memoria’, de 2009”.
O “ABC”, com informação da Reuters, frisa que “sua poesia se caracteriza pela austeridade, a concretude (a realidade) e as metáforas claras e expressivas. Em seus últimos poemários — ‘Gôndola Fúnebre’, de 2000, e ‘Den Stora Gatan’, de 2004 —, Tranströmer avançou para formatos cada vez menores e um maior grau de concentração”.
A poesia de Tranströmer, traduzida para 50 idiomas, é pouco conhecida no Brasil. A Relógio D’Água publicou “50 Poemas” e a Sextante lançou “As Minhas Lembranças Observam-me”. As editoras são de Portugal.
Quatro poemas de Tomas Tranströmer
O poeta João Luiz Barreto Guimarães traduziu e publicou em seu blog (http://poesiailimitada.blogspot.com.br/2011/02/tomas-transtromer.html) quatro poemas de Tomas Tranströmer. Sua tradução é indireta (mas de rara fluência) — feita a partir da tradução espanhola para o livro “Para Vivos y Muertos” (Hiperion, editora da Espanha). Roberto Mascaro e Francisco Uriz são os responsáveis pela tradução do sueco.
A paixão poética de Tranströmer era o autor de “A Terra Devastada”: “O meu pão diário é ‘Quatro Quartetos’ de T. S. Eliot, que mastigo deliciosamente entre os dentes”. A versão espanhola é de 1992
HISTÓRIAS DE MARINHEIROS
Há dias de inverno sem neve em que o mar é parente
de zonas montanhosas, encolhido sob plumagem cinza,
azul só por um minuto, longas horas com ondas quais pálidos
linces, buscando em vão sustento nas pedras de à beira-mar.
Em dias como estes saem do mar restos de naufrágios em busca
de seus proprietários, sentados no bulício da cidade, e afogadas
tripulações vêm a terra, más ténues que fumo de cachimbo.
(No Norte andam os verdadeiros linces, com garras afiadas
e olhos sonhadores. No Norte, onde o dia
vive numa mina, de dia e de noite.
Ali, onde o único sobrevivente pode estar
junto ao forno da Aurora Boreal escutando
a música dos mortos de frio).
(1954)
A ÁRVORE E A NUVEM
Uma árvore anda de aqui para ali sob a chuva,
com pressa, ante nós, derramando-se na cinza.
Leva um recado. Da chuva arranca vida
como um melro ante um jardim de fruta.
Quando a chuva cessa, detém-se a árvore.
Vislumbramo-la direita, quieta em noites claras,
à espera, como nós, do instante
em que flocos de neve floresçam no espaço.
(1962)
DESDE A MONTANHA
Estou na montanha e vejo a enseada.
Os barcos descansam sobre a superfície do verão.
«Somos sonâmbulos. Luas vagabundas.»
Isso dizem as velas brancas.
«Deslizamos por uma casa adormecida.
Abrimos as portas lentamente.
Assomamo-nos à liberdade.»
Isso dizem as velas brancas.
Um dia vi navegar os desejos do mundo.
Todos, no mesmo rumo – uma só frota.
«Agora estamos dispersos. Séquito de ninguém.»
Isso dizem as velas brancas.
(1962)
PÁSSAROS MATINAIS
Desperto o automóvel
que tem o pára-brisas coberto de pólen.
Coloco os óculos de sol.
O canto dos pássaros escurece.
Enquanto isso outro homem compra um diário
na estação de comboio
junto a um grande vagão de carga
completamente vermelho de ferrugem
que cintila ao sol.
Não há vazios por aqui.
Cruza o calor da primavera um corredor frio
por onde alguém entra depressa
e conta que como foi caluniado
até na Direcção.
Por uma parte de trás da paisagem
chega a gralha
negra e branca. Pássaro agoirento.
E o melro que se move em todas as direcções
até que tudo seja um desenho a carvão,
salvo a roupa branca na corda de estender:
um coro da Palestina:
Não há vazios por aqui.
É fantástico sentir como cresce o meu poema
enquanto me vou encolhendo
Cresce, ocupa o meu lugar.
Desloca-me.
Expulsa-me do ninho.
O poema está pronto.
(1966)