O jornalista Fleurymar de Souza morreu na segunda-feira, 3, aos 75 anos. Ele estava internado num hospital, em Goiânia. Estava se tratando, há algum tempo, de câncer na próstata.

Fleurymar de Souza trabalhou em vários jornais de Goiás, como o Jornal Opção, “O Popular”, o “Diário da Manhã” (pertenceu à lendária equipe comandada por Washington Novaes, nos anos 1980) e o “Hoje”. Foi editor de internacional, repórter e analista político. Escreveu uma biografia do historiador e ex-presidente do Tribunal Contas do Estado de Goiás (TCE) Eurico Barbosa (outro homem de imenso valor).

O jornalista Fleurymar era um azougue, uma força da natureza. Lembra-se de Izzy Stone, jornalista americano que fazia um jornal sozinho e balançava o governo dos Estados Unidos? Fleury era uma espécie de Izzy Stone dos trópicos. Um homem-redação. Ele sabia fazer tudo em jornal. No seu semanário, o “Ponto de Vista”, escrevia, rescrevia e editava. Às vezes fazia (quase) tudo, parecia uma máquina com enorme capacidade de produção (e sem deixar cair a qualidade). Sabia orientar sua redação como poucos, dadas a paciência e a imensa capacidade de ensinar.

Fleurymar de Souza, o ex-deputado Derval de Paiva, Ivan Mendonça e Odair José | Foto: Arquivo da família

Quando conheci Fleurymar, na década de 1980 — por volta de 1987 —, eu era repórter do “Diário da Manhã” e, às vezes, viajava com o governador Henrique Santillo para as cidades do interior (em aviões pequenos — meus tímpanos faltavam “estourar”). O jornalista era assessor de Imprensa de Santillo. Às vezes, quando a gente voltava das viagens, eu comentava que a franqueza do gestor estadual beirava à “grosseria”. Ele me corrigia: “Não, Euler, o Henrique não é ‘grosseiro’. É que não gosta de enganações e avalia que é preciso dizer a verdade sempre”. Eu contrapunha: “Mas políticos não costumam ser tão francos. Ele vai acabar perdendo espaço na política”. Fleurymar levantou a cabeça, com aquele jeito “manso” e ponderado de falar, e disse: “Henrique é político, bom político, mas não acha correto contornar a verdade, com embromações, para conseguir se eleger”.

Aos poucos, aprendi que Fleurymar estava certo. A franqueza de Santillo era sua forma de dizer a verdade e, portanto, de não enganar as pessoas que se relacionavam com ele. Às vezes, quando eu ia ao Palácio das Esmeraldas, o jornalista me levava para conversar com o governador (sempre com uma caneta, aparentemente Bic, nas mãos — batendo-a em um papel). Aí, com a participação de Fleurymar — que era bom leitor —, nós conversávamos sobre a obra do sociólogo Fernando Henrique Cardoso ou do economista Celso Furtado. Santillo era um leitor “concentrado”, com grande apreensão daquilo que lia. Certa vez, falamos sobre o livro “Modelo Político Brasileiro”, de Fernando Henrique, que ainda não era FHC. O governador sintetizou, com precisão, o livro. Ressaltou a crítica do sociólogo da USP a respeito de uma tese de Celso Furtado. Notou que Fernando Henrique havia “corrigido” Celso Furtado, que dissera que, com regime autoritário, o país não cresceria. O pesquisador da USP observou que crescimento econômico não era incompatível com autoritarismo. Lembro-me de Santillo dizer, de maneira enfática: “E, nesta questão, Fernando Henrique está certo”. Estava mesmo. Na ditadura, em sua fase mais cruenta, no governo de Emilio Garrastazu Médici, o Brasil em ritmo chinês.

Iris Rezende (era governador de Goiás), em 1983, Carlos Alberto Santa Cruz, Toninho Ribeiro, Ivan Mendonça, Fleurymar de Souza, Luiz Pires e Francisco dos Santos e Odair José | Foto: Arquivo da família

Na redação do Jornal Opção, várias vezes eu liguei para Fleurymar para ouvi-lo sobre os bastidores da política. Ele conhecia bem a história política de Goiás e sabia tudo o que estava acontecendo. Seus comentários eram certeiros e, por vezes, cortantes. Não raro falava de maneira enviesada, mas explicava que a política é assim mesmo: nada é claro, e eventualmente as coisas acontecem rapidamente, depois de um período lento, de maturação.

Fleurymar de Souza: um dos jornalistas mais talentosos de sua geração | Foto: Facebook

Há algum tempo, quando o jornal funcionava no Setor Bueno, Fleurymar me visitou para apresentar um projeto sobre cultura — algo assim. Envolvido com a redação, não pude acompanhá-lo na execução de suas ideias. Dei umas dicas, falei sobre pessoas que deveria procurar, como Ademir Luiz e Carlos Willian Leite, poetas e agitadores culturais. Não sei o que aconteceu depois.

A morte do competente e decente Fleurymar é uma grande perda para o jornalismo de Goiás. Sinto não ter convivido com o amigo nos últimos tempos. Seu papo era de excelente qualidade. Conversar com ele era receber aulas de ciências políticas de graça. Era franco e direto. Era um homem e jornalista que colocava, como Santillo, a verdade em primeiro lugar.