Ele foi editor e comentarista político do “Estadão” e do “Jornal do Brasil”. Seus textos eram elegantes e refinados mas não pomposos

Fernando Pedreira com Roberto D’Avila no lançamento de suas memórias, em 2016 | Foto: Reprodução

O jornalista Fernando Pedreira morreu na quarta-feira, 22 anos, aos 94 anos. A jornalista Ana Ramalho relata que o ex-editor e ex-comentarista político do “Estadão” e do “Jornal do Brasil” estava em sua casa, no Vale das Videiras, em Itaipava.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso era um dos grandes amigos de Fernando Pedreira.

Quando ele lançou “Entre a Lagoa e o Mar — Reminiscências”, publiquei a seguinte nota no Jornal Opção, em 2 de julho de 2016:

José Maria Mayrink resenha no “Estadão” as memórias do jornalista Fernando Pedreira, de 90 anos — “Entre a Lagoa e o Mar” (Bem-Te-Vi, 428 páginas). Considerando o histórico do autor, trata-se de obra imperdível de um estilista da Língua Portuguesa. Poucos escrevem tão bem, ao menos em jornal, quanto o ex-editor de “O Estado de S. Paulo”. Seus artigos eram, por vezes, autênticas peças literárias. Eram lidos, devorados e esperados com paixão pelos leitores. O comentarista informa que “Pedreira concluiu o primeiro volume de ‘Entre a Lagoa e o Mar’, em 2015. Se ele se refere a primeiro volume, supõe-se que a história vá continuar”.

Como outros liberais, Fernando Pedreira pertenceu ao Partido Comunista, com o qual rompeu no período da desestalinização na União Soviética, em 1956. A invasão da Hungria chocou-o, assim como a Osvaldo Peralta (autor do seminal “O Retrato”, finalmente reeditado), Mário Schenberg e Agildo Barata.

Durante parte da ditadura civil-militar, Fernando Pedreira tornou-se adido de imprensa da representação do Brasil na ONU, em Nova York, e da embaixada brasileira em Washington. “Pedreira lembra a fúria demonstrada pelo Doutor Julinho (Julio de Mesquita Filho), num restaurante de Nova York, quando o governo Castello Branco cancelou as prometidas eleições presidenciais de 1965, cortando o futuro de Carlos Lacerda, virtual candidato”, anota José Maria Mayrink. Carlos Lacerda, o líder da UDN e vivandeira que colaborou na articulação do golpe de 1964, era a paixão política da família Mesquita.

Imperdível até nas idiossincrasias

Depois, publiquei uma segunda nota sobre o livro de memórias:

Fernando Pedreira, ex-diretor de redação do “Estadão” e um de seus principais articulistas, chama suas memórias de “reminiscências”. Na verdade, são memórias mesmo. Sobretudo, além das grandes histórias que conta — até as micros histórias familiares são interessantes —, o texto é delicioso, lembrando tanto o francês Proust quanto o brasileiro Pedro Nava. Entremeando histórias de sua família com as do país, do jornalismo e da política, o jornalista mostra-se um escritor de primeira linha. “O Estado de S. Paulo” fez uma resenha anódina. Entendi o motivo ao ler o livro: Ruy Mesquita, um dos condestáveis do jornal, não é muito bem apresentado. É uma obra de imaginação de um repórter atento aos fatos. Imperdível até nas idiossincrasias. Detalhe: o goiano Domingos Velasco foi companheiro de jornadas políticas do pai do jornalista.

Trecho do livro

“Sou um tímido, sempre serei. Escondi-me por trás da palavra escrita. Suo muito nas palmas das mãos, demais. Muitas vezes, antes de dar a mão a um interlocutor, um recém-chegado, tento enxugá-la disfarçadamente nas calças, ou na aba do paletó, para ocultar o vexame; às vezes, emudeço, já não sei o que dizer; me torço e retorço por dentro, sem motivo nenhum”.

José Maria Mayrink revela que “a timidez estende-se ao telefone, que ele só atende quando não há alguém por perto, sempre imaginando que a ligação é para ele”.

O livro é fabuloso. A prosa é de escritor consumado. Espera-se o segundo volume de suas memórias, que certamente deixou escritas.