Morre o fotógrafo que fez a mais bela foto do atacante Roberto Dinamite, do Vasco

14 julho 2024 às 00h00

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Há fotografias que, de tão belas e significativas, nascem pinturas, quadros. O indivíduo olha, volta a olhar e os olhos não querem largá-las de vista. É o caso de uma foto de Roberto Dinamite (1954-2023 — viveu 68 anos), do Vasco da Gama, feita no estádio da Ilha do governador, por Ronaldo Theobald, então no auge do “Jornal do Brasil”.
O esplendor da foto, que celebra a emoção do futebol, a conexão entre jogadores e torcedores, levou Ronaldo Theobald a ganhar o Prêmio Esso de Fotojornalismo, em 1977.
A primeira vez que vi a foto pensei que, ao ser ovacionado, Roberto Dinamite, emocionado, estava chorando. Na verdade, há um estado de graça, um congraçamento entre um dos reis do futebol e o público — irmanados. A imagem ganhou o título de “Deus de calção e chuteira”. Nada mais apropriado.
A foto de Ronaldo Theobald retrata o centroavante Roberto Dinamite, claro. Sobretudo, diz respeito à alegria, ao caráter dionisíaco do futebol. Você viu o vinho? Nem eu vi. Porque, no caso, o vinho, que celebra a festa, é invisível. É a alegria estampada no rosto de todos, inclusive daqueles que viram o encanto da foto, mesmerizados.

Numa entrevista do site do Vasco, clube do Rio de Janeiro, Ronaldo Theobald explicou sua arte — por sinal, com alto grau de conhecimento e clareza. Pois, pelo que diz, a fotografia não foi feita de maneira aleatória.
“Fui escalado pelo ‘JB’ para cobrir o jogo entre Vasco e Portuguesa na Ilha do Governador [no Estádio Luso-Brasileiro]. Quando a equipe do Vasco saiu do vestiário para o campo, os torcedores se comprimiam junto ao gradil e estendiam as mãos para tocar seus ídolos”, conta Ronaldo Theobald.
Ao observar a cena, digamos, divina, Ronaldo Theobald notou que havia algo que, para ampliar seu significado, precisava de uma imagem, de uma fotografia. Ou seja, de um registro do caráter belo e mágico da interação entre o campo, os jogadores, e o extracampo, os torcedores.
“Fiquei imaginando como registrar aquilo. No intervalo da partida, me deitei, discretamente, no chão do túnel e, à medida que os jogadores retornavam para o segundo tempo ia dando meus cliques. Meu alvo era Roberto Dinamite, o ídolo maior. Quando disparei a câmera, sabia que ali estava a mais bela foto da minha vida”, relata Ronaldo Theobald. Como disse, a arte do repórter fotográfico, um pintor do esplendor, não era aleatória. Era consciente. O tempo consagrou a fotografia — a pintura renascentista — como, por certo, melhor do que o jogo, do qual ninguém lembra nem mesmo o placar.
Durante anos, décadas, Ronaldo Theobald colocou seu imenso talento à disposição do “Jornal do Brasil” (na sua melhor fase, quando era incontornável), do “Estadão” e dos jornais dos Diários Associados (de Assis Chateaubriand, Chatô — “o rei do Brasil”).
Na Copa de Pelé, a de 1970, no México, Ronaldo Theobald estava lá, registrando os fatos, como se suas fotos fossem tão importantes quanto os textos dos repórteres. E, de certo modo, eram.
Quando Pelé se despediu dos gramados, nos Estados Unidos, onde jogava no Cosmos, Ronaldo Theobald estava lá, mostrando que um verdadeiro rei, como o brasileiro, jamais perde a majestade.
O coração valente de Ronaldo Theobald parou de funcionar no dia 3 de julho deste ano, numa quarta-feira.
Roberto Dinamite lá do alto — do Céu, por certo — talvez tenha sido convocado para buscá-lo. São Pedro pode ter dito a Deus: “Não sei se o Sr. notou, mas Roberto e Ronaldo têm sete letras, começam com ‘R’ e terminam com ‘O’ e contêm três vogais e quatro consoantes”. O todo-poderoso talvez tenha respondido:“Ben trovato, não é?”
Ronaldo Theobald morreu aos 91 anos — viveu quase um século. O repórter fotográfico nasceu em Petrópolis, no Estado do Rio de Janeiro.