Morre o filósofo Ruy Fausto, quanto tocava piano, em Paris
01 maio 2020 às 18h10
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O professor da USP talvez tenha sido o filósofo de esquerda que mais criticou a esquerda e seus intelectuais no Brasil
O filósofo Ruy Fausto morreu em Paris, aos 85 anos. Ele teve um infarto. O sobrinho Sergio Fausto relata que estava tocando piano quando faleceu. Irmão do historiador e escritor Boris Fausto, era doutor em Filosofia pela Universidade de Paris I e professor emérito da Universidade de São Paulo.
Ruy Fausto figura entre os principais filósofos marxistas do Brasil (talvez só José Arthur Giannotti tenha importância equivalente) e é respeitado na França. Em alguns livros, examinou a obra de Karl Marx de maneira ampla e não dogmática.
Os que querem “detonar” Olavo de Carvalho, mas não procuram entendê-lo, manifestam seu menosprezo ignorando sua obra dita séria. Por vezes, até intelectuais gabaritados chamam-no de “aquele astrólogo que se diz filósofo”. Pois Rui Fausto examinou, a sério, o que escreve o filósofo brasileiro que mora na Virginia, nos Estados Unidos. Não apreciou o que leu, posicionou-se com firmeza, mas não desqualificou. Há algum tempo, na “Folha de S. Paulo”, o filósofo Ricardo Musse também analisou, sem achincalhe, um livro do guru do presidente Jair Bolsonaro, sobretudo de seus filhos, notadamente de Carluxo Bolsonaro.
Com o PT no e fora do poder, nunca abdicou de fazer uma crítica contundente aos seus equívocos, não admitindo, por exemplo, a tese de que os petistas “roubaram” para, com a garantia de governabilidade, levar o país a um avanço social. Embora notando certo avanço, apontou, sem tergiversar, que faltou mais ousadia, projetos consistentes de “inserção” social. Nos seus artigos, como alguns publicados na revista “Piauí”, apontou um retrocesso no país com a ascensão da Jair Bolsonaro. Faltou-lhe, quem sabe, detalhar que Bolsonaro representa “uma” direita, mas não “a” direita, ou direitas. Há uma direita, liberal ou conservadora, que rejeita as ideias e ações do errático mandatário patropi. Há uma direita que percebeu que o “canto” — uma selvageria tão fundamentalista quanto irracionalista — da extrema direita não é o seu.
Ruy Fausto nunca quis encastelar-se na universidade, isolando-se do debate público. Na revista “Piauí” debateu com Samuel Pessoa, um economista liberal, em alto nível. Nenhum dos dois, com pensamentos altamente divergentes, atacou o outro. Respeitaram-se, ainda que cada um tenha saído convencido de que suas ideias eram melhores.
Há, numa só, duas Marilenas Chauí. Há a filósofa que escreve de maneira percuciente sobre o filósofo Baruch Espinosa — pode-se discordar de suas interpretações, mas a doutora em filosofia estuda a fundo a obra do pensador holandês — e há a panfletária que defende o PT e o ex-presidente Lula da Silva de uma maneira tão irracionalista que, se não estivessem mortos, os filósofos do Iluminismo se quedariam assustados. No campo estritamente político, Ruy Fausto mostrou as insuficiências da defesa de Marilena Chauí. Com sua classe, coragem e competência habituais. Não era intelectual de fazer concessões, mas era um debatedor civilizado e respeitoso.
Antes de examinar as leituras politicamente equivocadas de Marilena Chauí — alguns intelectuais talvez sejam responsáveis por refrear a autocrítica do PT —, Ruy Fausto examinou um livro do filósofo Paulo Arantes, que, gabaritado como filósofo, é um fracasso como militante e panfletário político. Seu apoio e justificativa de movimentos de rua, alguns de matiz violento, receberam crítica consistente e contundente de Ruy Fausto.
Num país em que se fala mal privadamente e se elogia publicamente, Ruy Fausto era uma figura luminosa e, por isso, fará falta — até muita falta (assim como José Guilherme Merquior faz imensa falta). Ele não deixou de enfrentar Olavo de Carvalho (direita), Samuel Pessoa (liberal), Paulo Arantes (esquerda) e Marilena Chauí (esquerda). Aos 85 anos, estava em plena forma intelectual.
No Brasil, a tendência é que, quando se faz a crítica da esquerda, deixa-se de ser de esquerda. Ruy Fausto, pelo contrário, permaneceu no campo da esquerda, socialista. Mas claramente avesso aos stalinistas declarados e aos stalinistas enrustidos. Mas, por sua feroz independência intelectual e política, Ruy Fausto parece não ser considerado “um dos nossos” pela esquerda.
Livros do filósofo Ruy Fausto
+ “A Esquerda Difícil — Em Torno do Paradigma e do Destino das Revoluções do Século XX e Alguns Outros Temas”.
+ “O Ciclo do Totalitarismo”
+ “Caminhos da Esquerda — Elementos Para uma Reconstrução”
+ “Sentido da Dialética: Marx — Lógica e Política”
+ “Dialética Marxista, Dialética Hegeliana — A Produção Capitalista Como Circulação Simples”.