Por que Octavio Frias de Oliveira (1912-2007) não queria se associar à campanha das Diretas Já, em meados da década de 1980? A explicação oficial aparece na reportagem “Morre João Russo, editor de Política da Folha nas Diretas” (“Folha de S. Paulo, sexta-feira, 20), assinada por Naief Haddad.

Citando Oscar Pilagallo, um dos historiadores das Diretas e ex-editor da “Folha”, Naief Haddad escreve: “Octavio Frias de Oliveira ‘repeliu a proposta [de apoiar as Diretas], com o argumento de que ela seria mais do interesse do governador de São Paulo, Franco Montoro, desejoso de se firmar como uma liderança nacional, do que da ‘Folha’”.

O que o pesquisador e o repórter não dizem é que Octavio Frias de Oliveira apoiou a ditadura e, ao não apoiar as Diretas, talvez estivesse sendo leal aos seus “amigos” ou “aliados” militares e civis da direita. Não se frisa que, naquele momento, as vozes de Franco Montoro e do país eram uma só. Portanto, fortalecer o governador de São Paulo era equivalente a contribuir para a democratização.

Se, no início, não queria cobrir as Diretas de maneira ampla, a “Folha” acabou se tornando, por assim dizer, uma espécie de porta-voz das movimentações das ruas que clamavam para eleger o presidente da República.

Por que, no meio do caminho, a “Folha de S. Paulo” mudou de ideia e aderiu às Diretas Já com fervor? Quem convenceu os Frias de que se tratava de uma boa ideia: afinal, a “Folha” (o grupo Folha da Manhã) deixaria de ser o jornal “da” ditadura e passaria a ser o veículo “da” democracia?

João Russo: jornalista que trabalhou em “O Globo” e na “Folha de S. Paulo” | Foto: Arquivo pessoal

A reportagem da “Folha”, mais uma vez citando Oscar Pilagallo (autor de um livro excelente, “O Girassol que nos Tinge — Uma História das Diretas Já”, Editora Todavia), enfatiza que “não há um único pai da ideia de a ‘Folha’ se associar à campanha das Diretas, momento de grande projeção do jornal”.

Mas a história não é bem assim e a própria reportagem de Naief Haddad se “desmente”. Assinala o repórter: “Russo foi o primeiro a lançar a proposta. Ele defendeu que o jornal apostasse na iniciativa. Sabia que o governo estadual pretendia deflagar o movimento”.

Editor de Política da “Folha”, João Russo sabia das coisas e, por isso, operou para pôr o jornal no caminho da democracia — o que, perante a história, poderia “limpar” seu nome, o que de fato ocorreu, pois hoje o meio de comunicação da família Frias é mais lembrado como defensor das Diretas do que da ditadura civil-militar.

Depois de João Russo, o repórter Ricardo Kotscho passou a defender que a “Folha” deveria apoiar as diretas de maneira aberta, na linha de frente. Finalmente, Otavio Frias Filho, o Otavinho, percebendo que poderia repor a “Folha” no caminho certo da história — que é sempre o da democracia —, articulou o apoio às Diretas.

Felizmente, Naief Haddad, apesar de sua narrativa enviesada, ouviu Osvaldo Mendes, que era secretário-assistente de Redação “àquela altura”. João Russo, postula o jornalista, foi “uma voz determinante para a cobertura das Diretas”. O ex-diretor de redação da “Folha” Carlos Eduardo Lins da Silva, ligado a Otavinho Frias, corrobora: “Russo tinha muito bom tráfego entre os políticos mais importantes, que o respeitavam e lhe passavam informações relevantes. Ótimo nas análises de conjuntura e afável no convívio diário”.

Pronto: por que não reconhecer que a ideia de apoiar as Diretas foi de João Russo? Não muda nada dizer a verdade.

João Russo morreu aos 77 anos

João Hélio Marques Russo — assinava suas reportagens como João Russo (e, sim, manteve ligações com o PCB) — morreu, aos 77 anos, na sexta-feira, 20, em decorrência de “complicações de uma cirurgia para retirar um tumor benigno no cérebro”.

João Russo trabalhou na Globo, na Bandeirantes, em “O Globo” e na “Folha de S. Paulo”.

Um de seus filhos, o jornalista Guilherme Russo, disse: “Meu pai dizia que o sonho de todo marxista é tocar a história com as próprias mãos. Meu pai ‘tocou’”.