Com Tancredo Neves internado em São Paulo, no Incor, Gastão Neves, seu sobrinho, foi convocado por Francisco Neves Dornelles para uma missão, digamos, do “além”. “Um monge exorcista do interior de Goiás, amigo de Antônia, a secretária de Tancredo, pretendia fazer orações no apartamento que Tancredo ocupara em Brasília durante a campanha, na quadra 206 Sul”, relata José Augusto Ribeiro na biografia “Tancredo Neves — A Noite do Destino” (Record, 866 páginas). O presidente e sua mulher, Risoleta, eram católicos e o religioso só teve autorização para o exorcismo porque pertencia à Igreja Católica.

Ribeiro conta que “o monge fez as orações, mas parecia obcecado com um dos quartos e uma das camas do apartamento. Afinal fixou-se num travesseiro, cujas costuras foram rompidas e do qual ele retirou um pequeno boneco de cera, menor que o tamanho da mão de uma pessoa adulta. O boneco estava todo espetado, não com alfinetes ou pregos, mas com lascas de bambu”. O religioso ficou perturbado com a descoberta. “Ele dizia que tinham preparado três bonecos desses contra Tancredo e agora seria preciso descobrir os outros dois.”

Alguns dias depois, o monge descobriu na casa da Granja do Riacho Fundo, “para onde Tan­credo se mudara depois de eleito, um segundo boneco espetado de lascas de bambu”.
O monge avaliou que o terceiro boneco poderia estar na UTI onde Tancredo Neves estava internado. Porém, como havia outros “salvadores” mais renomados, o religioso católico não conseguiu acesso ao Incor. O boneco, espetado ou não, não foi descoberto. A busca do vudu acabou esquecida. “A UTI vivia assediada por pessoas que queriam salvar Tancredo por meios sobrenaturais — caso do místico Thomas Green Morton, que tornara famosa a saudação ou mantra ‘Rá!’, e do padre Quevedo, um especialista católico em questões de parapsicologia.”

Com o monge esquecido, e com Green Morton e o padre Quevedo afastados, surgiu a vidente Alberice Cruz dos Campos Braga. Ela teve a mesma intuição do monge de Goiás. O “Jornal do Brasil” relatou a história, anos mais tarde: “Abril de 1985. Tancredo vive sua dolorosa agonia. O país todo acompanha pelo rádio e pela TV, hora a hora, quase minuto a minuto, a evolução da doença. Grupos nervosos se formam em todas as cidades e discutem os aspectos mais diversos do caso. No Recife, num desses grupos, uma vidente explica a amigos que a doença de Tancredo é mais do que um fenômeno natural: é consequência de um caso de bruxaria — afirma com grave convicção.

“Como não se trata de uma vidente qualquer, mas de pessoa altamente conceituada entre os que acreditam em experiências místicas, sua convicção, sua certeza impressionam. Começa aí uma corrida que vai acabar no dia seguinte, a 2.724 quilômetros de distância, na Granja do Riacho Fundo, em Brasília, onde Tancredo morou, antes da posse que não houve. Corrida que, para se concretizar, envolveu um ministro de Estado (Fernando Lyra, da Justiça), seu chefe de gabinete e futuro reitor da Universidade de Brasília (Cristovam Buarque), o procurador-geral da República (Sepúlveda Pertence), o presidente da Fundação Petrônio Portella (D’Alembert Jaccoud), a Polícia Federal e o Exército. E terminou, nos jardins do Riacho Fundo, quando se achou — e isso é que impressiona — toda a parafernália da bruxaria em local indicado sem hesitação pela vidente que viajara de tão longe.”

O material da bruxaria “compunha-se de charutos, cabaças, velas amarelas, pretas, vermelhas e roxas, enxofre e cabelos de defuntos”. Alberice Cruz disse que era “uma coisa terrível”. Ribeiro conta que “a vidente, ao ver tudo desenterrado, sentiu ‘um frio na espinha e uma catinga de enxofre e chifre queimado’”.

Depois de contar a história da vidente, Ribeiro frisa que “um adepto verdadeiro da bruxaria ou da magia negra, que odiasse Tancredo Neves a esse ponto ou que tivesse sido contratado para tal trabalho, não teria acesso aos jardins do Riacho Fundo pelo tempo necessário para escavá-los, enterrar aquela coisa toda e refazer a superfície do gramado. Se tal raciocínio for aceito, a explicação que decorre imediatamente dele é que se tratava de uma falsa bruxaria, de uma falsa ação de magia negra — uma simulação produzida pelos mesmos agentes dos grupos radicais dos órgãos de segurança que antes haviam produzido episódios como o do pistoleiro boliviano de Goiânia, o caixote de cocos entregue na porta do avião de Tancredo em São Paulo, a tomada desplugada no avião em que viajaria o general Lêonidas e os bonequinhos espetados de lascas de bambu, um no apartamento onde Tancredo morara até a eleição e outro na Granja do Riacho Fundo, para onde ele se mudara depois de eleito”.

Qual era o objetivo? “Intimidar e chantagear, pela demonstração da vulnerabilidade, primeiro, do candidato e, depois, do próprio presidente eleito”, escreve Ribeiro.

Tancredo não foi assassinado. A Comissão de Sindicância do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo concluiu que Tancredo não foi envenenado. O presidente morreu provavelmente devido a erros médicos. No dia da primeira cirurgia, o principal cirurgião havia esquecidos os óculos em sua casa. Um grupo de médicos ficou no subsolo do Hospital de Base de Brasília e um grupo ficou noutra área, o que provocou discussão. Antes, fizeram um diagnóstico errado, avaliando que o político de 75 anos tinha apendicite, quando era um tumor benigno, um leiomioma. A cirurgia foi feita de maneira errada. O clima de mistério sobre a morte do político que “derrotou” a ditadura civil-militar beneficia sobretudo os médicos que o operaram. “O Caso Tancre­do Neves — O Paciente” (Cultura, 381 páginas), de Luís Mir, historiador e especialista em atendimento médico do trauma, não contém uma linha de sensacionalismo, mas deixa muito mal os médicos que “cuidaram” do paciente.