Neste tempo de tantas perdas, de tanta dor, causa vazio doloroso em nós que Moema tenha nos deixado

Carlos Augusto Silva

Especial para o Jornal Opção

Um povo, um Estado, a coletividade precisam de pessoas que se tornam símbolos e setas para o caminho dos que virão. Quando a coletividade perde alguém com esses referenciais, ficamos todos órfãos, mesmo que não conheçamos a pessoa que se foi. É que uma pessoa com esses predicados — referencial, símbolo, marca — tem sempre um alcance maior do que sua existência aparente desenha. Posso afirmar, com convicção: não se pode fazer crítica literária em Goiás sem que se passe pelo bastião de Moema de Castro e Silva Olival, que jamais precisou se anunciar como filha de um dos fundadores da Universidade Federal de Goiás (UFG), Colemar Natal e Silva, para se fazer respeitada. Sempre culta, lida, dona de uma pena criativa para a crítica, não conseguia ter para a sua produção outra tônica senão aquela anunciada pelo inescapável Roland Barthes: a crítica é uma criação, a crítica é uma invenção. Moema sabia disso e manejava como poucas pessoas os instrumentos a partir dos quais se enquadrava os poetas e prosadores de seu tempo, especialmente de sua terra.

Moema de Castro, crítica literária, escritora e professora de literatura: morreu de complicações decorrentes da Covid-19 | Fernando Leite/Jornal Opção

Moema era uma dama generosa. Tive a honra de, em certa ocasião, dividir uma mesa a respeito da crítica literária enquanto ofício, na UBE-GO, então presidida por Edival Lourenço. Estavam comigo, no púlpito, o gigante e genial Heleno Godoy, o prestimoso e necessário Miguel Jorge — mais lido em São Paulo do que se imagina. Na plateia, o romancista maior de Goiás, Edival Lourenço, Valdivino Braz e Moema de Castro e Silva Olival. A mesa foi rica e muito proveitosa, numa tarde quente de Goiânia. Moema, na primeira fila, como sempre era e deveria mesmo ser, ocupava o seu espaço. Confesso, eu titubeava por falar àquela que era a dona do “espaço da crítica” em meu Estado natal. A sua generosidade foi tanta que ela me abordou no fim e me pediu o texto que tinha apresentado. Ali nasceu uma amizade. Ali nasceu uma parceria. Falei em outras ocasiões para ela, na AGL, na UFG. Convidou-me para o prefácio de seu livro de contos, “Contos De(s)Armados”. Referiu-se a mim em entrevistas e palestras a respeito do livro, e por causa dela as pessoas da literatura em Goiás começaram a me ver: organizei antologia de Heleno Godoy, prefaciei Miguel Jorge, pude convidar muitos autores de Goiás para irem às escolas nas quais trabalhei. Tornei-me um trabalhador da arte, graças a você, Moema, que era tão dona do “espaço da crítica” que jamais precisou se apossar dele. Queria o espaço da crítica saudável, e por isso recrutava os seus para cuidarem dele.

Neste tempo de tantas perdas, de tanta dor, causa vazio doloroso em nós que Moema tenha nos deixado. Cabe, sobretudo, a gratidão e o dever de não permitirmos que o seu legado seja deixado de lado. Não vamos trair Moema agora. Não merecemos isso.

Carlos Augusto Silva faz doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada na USP. Pesquisa a obra de Marcel Proust, a respeito do qual tem dois livros e o terceiro, no prelo. Professor de Literatura e História da Arte, crítico literário e cronista, atua no Masp. É colaborador do Jornal Opção.