Mobilização no Equador após sequestro e morte de repórteres
17 abril 2018 às 14h48
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O Jornal Opção ouviu três jornalistas equatorianas que conviveram com o repórter Javier Ortega, o fotógrafo Paúl Rivas e o motorista Efraín Segarra
Yago Sales
“Presidente Lenín Moreno, nossas vidas estão em suas mãos”. Essas são as últimas palavras de um dos repórteres mais respeitados na cobertura de Segurança Pública e Justiça do diário El Comercio, Javier Ortega, de 32 anos, enviado pelo jornal a Mataje, província de Esmeraldas, fronteira entre Equador e Colômbia, para entender e contar como se dão as ações de militares para conter os conflitos sangrentos entre militares equatorianos e colombianos contra dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). O vídeo divulgado pelas emissoras locais e disseminado nas redes sociais provou que a equipe do jornal foi capturada pelos criminosos.
Com Ortega, saíram de Quito, capital do Equador, no domingo (25/3), para produzir reportagens, o fotógrafo Paúl Rivas, de 45, e o motorista Efraín Segarra, de 60, que conduzia uma caminhonete plotada com o nome do jornal. Depois de 19 dias em cativeiro, foram assassinados, conforme informou o presidente do Equador, Lenín Moreno, em 13 de abril.
A equipe daria continuidade à cobertura de ações de militares para identificar e prender criminosos ligados ao Guacho que iniciaram uma série de ataques a partir de 26 de janeiro deste ano quando homens utilizaram um carro-bomba para explodir um posto da polícia que deixou 28 feridos, entre militares e civis. Era o início de um conflito que chamaria atenção da imprensa local e, apenas com o sumiço e morte dos jornalistas, de autoridades internacionais.
Para o Jornal Opção, jornalistas que trabalharam com as vítimas contam, emocionadas, como foram os dias que sucederam o sequestro, o anúncio da morte e com tem sido a espera pelos corpos que ainda não foram encontrados. O carro dirigido pelo motorista Efraín Segarra foi encontrado em 4 de abril, mas nenhuma pista que pudesse ajudar as autoridades encontrarem as vítimas.
O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, anunciou que “Guacho”[Walter Patricio Arizala Vernaza é dissidente da ex-guerrilha FARC], apontando como chefe do grupo armado que sequestrou e executou a equipe, cairá “vivo ou morto”.
“Eles não foram até lá para investigar as mortes nas mãos dos dissidentes das FARC, mas acompanhar o trabalho dos militares”, conta Sara Ortiz, repórter que dividiu pautas com Javier Ortega, entre as quais a corrupção da construtora brasileira Odebrecht no Equador . “Meu companheiro Javier podia passar duas, três horas lendo algo para encontrar um dado. Amava o jornalismo”.
Ela lembra que o El Comercio iniciou uma cobertura extensa sobre ataques e a tentativa de homens do exército tanto do lado do Equador quando do lado da Colombia para contê-los. “El Comercio publicou mais de 15 reportagens sobre os atentados com bombas na fronteira, sobre o narcotráfico e a insegurança.”
Conforme Ortiz, desde o final de janeiro, até 26 de março, quando os jornalistas foram sequestrados, ocorreram nove atentados terroristas nessa zona. “Uma semana antes do sequestro morreram quatro militares em Mataje”.
“Esperanza y fe”
O último contato que a repórter Amanda Granda, que estudou com Javier na Universidade Política Salesiana, foi para pedir contatos para uma reportagem que ela produzia sobre abuso sexual infantil para o jornal El Telégrafo. É com voz embargada, em seu espanhol pausado, que Granda lembra que perdeu as esperanças de que voltaria a ver os amigos quando o presidente do Equador, Lenín Moreno, confirmou a morte dos jornalistas.
“O ministro do Interior, César Navas, em entrevista coletiva à imprensa, disse que ‘as fotos não eram conclusivas’ e que se esperaria a confirmação, minha esperança se mantinha.”, lembra Granda.
“Desde o momento em que soube do sequestro, sempre tive esperança e fé de que voltariam. Todos os dias eu escrevi ao Javier, por meio do seu WhatsApp, contando sobre todas as ações que fazíamos: Plantões, marchas e convocações”, conta Granda.
Depois do vídeo em que os três aparecem abatidos, acorrentados e voz embargada, fotografias dos jornalistas mortos foram enviadas à emissora de TV local, Notícias RCN o coro que protestava em favor das liberdades dos profissionais engrossou por meio da hastag #nosfaltan3ruas e em cartazes levados às ruas de Quito.
Ainda à espera dos corpos dos amigos, ela conta que foi em 2010 que conheceu o repórter. “Ingressamos juntos no El Comercio depois de estudarmos juntos. Ali no jornal, ambos encontramos no jornalismo o amor e a paixão que só entende quem vive o ofício dia a dia”. Depois de se lembrar do colega, reconhece: “Agora, a nossa luta continua porque ainda não podemos despedirmos, seus corpos não estão aqui. E até que os tragam, que o mínimo que podem fazer, não estaremos em paz”.
Em visita à casa do repórter Javier, a amiga teve um diálogo difícil com os pais dele. “Ali me contaram que vão cremar seu corpo e suas cinzas vão ficar em casa. Esse é o desejo da mãe dele, e por isso pelejaremos até que os corpos cheguem ao Equador.”
Luta pela paz
“Medo? Não tenho medo”, declarou Susana Morán, que chegou a dividir a mesma editoria de Segurança com Javier Ortega. Atualmente, ela é repórter investigativa na revista Plan V. Para Morán, depois desta experiência, “temos que ser mais fortes para seguir na profissão.”
“Eu creio que o medo paralisa. Não podemos permitir isso. Eu tenho feito cobertura da fronteira e creio que fazermos mais trabalhos lá é honrar nossos jornalistas. Que o terrorismo não nos ganhe”, declara, emocionada. “É uma luta de todos pela paz.”
Segundo a jornalista, é possível que tenha havido erros na busca pelos jornalistas. “Existem informações da Colômbia que este país cessou com operações contra Guacho, chefe dos assassinos de nossos colegas. Também teve pouca transparência e não soubemos o que foi feito para trazê-los com vida”, esclarece.
Nos últimos 30 anos não existem dados de sequestros de jornalistas no Equador. É a primeira vez que um dissidente das Farc e nacotraficantes sequestram ou matam repórteres. Mesmo assim, os poucos casos em que jornalistas foram mortos ainda não foram esclarecidos pela polícia. “Não é raro jornalistas serem agredidos verbal e fisicamente, fora a autocensura dos veículos de comunicação. Existe impunidade em qualquer crime no Equador”, lamenta.
Jornalistas estrangeiros estão formando uma força-tarefa para comparecer à região em que integrantes do diário El Comercio desapareceram para cobrir, de perto, o que tem sido feito para controlar ações dos terroristas e encontrar os corpos daqueles que não sobreviveram para contar o que viram.