“Chá das Cin­co Com o Vam­pi­ro” (Ob­je­ti­va, 285 pá­gi­nas), de Mi­guel San­ches Ne­to, é um ro­man à clef da pe­sa­da. Seu pro­je­to, se há um, é des­mi­ti­fi­car o es­cri­tor mi­ni­ma­lis­ta Dal­ton Tre­vi­san, co­nhe­ci­do co­mo Vam­pi­ro de Cu­ri­ti­ba, por con­ta de sua re­clu­são sa­lin­ge­ri­a­na (a di­fe­ren­ça é que pu­bli­ca). San­ches es­cre­ve com mui­ta gra­ça, sem por­ra-lou­qui­ce.
Aos 84 anos, Tre­vi­san re­a­giu com fú­ria ao sa­ber do ro­man­ce e cha­mou San­ches de “hi­e­na pa­pu­da”. Vi uma fo­to­gra­fia de San­ches. Não pa­re­ce pa­pu­do nem San­cho Pan­ça. Tal­vez te­nha o go­gó mais pro­nun­ci­a­do do que o de ou­tros ho­mens. Mas, “hi­e­na pa­pu­da”, é exa­ge­ro pro­du­zi­do pe­lo ódio. De­pois de cer­ta ida­de, não se tem mais tem­po pa­ra ter rai­va — tem-se ódio, que é rai­va trans­for­ma­da em pe­dra e que se le­va pa­ra o tú­mu­lo (raiva é ódio provisório). O li­vro é tão in­te­res­san­te que, co­me­ça­da a lei­tu­ra, não que­re­mos mais pa­rar. O que bus­ca­mos? Es­cân­da­los? Tal­vez. Ou, quem sa­be, um sen­ti­do pa­ra a obra de Tre­vi­san, que, em­bo­ra sa­ben­do im­por­tan­te, não me ape­te­ce. Tre­vi­san pa­re­ce ter uma vi­da in­sos­sa, mas sua ima­gi­na­ção voa mais al­to do que o co­ti­dia­no sem im­por­tân­cia.

Dalton Trevisan: ás do conto curto no Brasil

A crí­ti­ca a Dalton Tre­vi­san é di­re­ta: “O que des­trói uma pes­soa, qual­quer pes­soa, por mais re­ser­va­da que se­ja, é a vai­da­de. No fun­do, es­ta­mos sem­pre que­ren­do ser acei­tos. Es­pe­ran­do a apro­va­ção dos ou­tros. E fin­gi­mos in­di­fe­ren­ça ao mun­do, ou mes­mo ódio, até cer­to pon­to. Há uma ho­ra em que nos ren­de­mos”. Se­rá que Tre­vi­san ca­be na mo­de­la­gem tra­ça­da pe­lo cos­tu­rei­ro de pa­la­vras San­ches? Os in­di­ví­duos não são di­fe­ren­tes? Seu li­vro re­sul­ta do fa­to de, apa­ren­te­men­te, ter si­do hu­mi­lha­do pe­lo mes­tre? Não sa­be­mos. San­ches é co­ra­jo­so, pois, co­mo ado­ta­mos o mo­do de vi­da ame­ri­ca­no, por qual­quer mo­ti­vo se pro­ces­sa e se exi­ge in­de­ni­za­ção no Bra­sil.

Miguel Sanches Neto: “ganhou” a fúria de Dalton Trevisan mas escreveu um livro divertido

Quan­do con­ver­sa com mu­lhe­res jo­vens e bo­ni­tas, o Vam­pi­ro fi­ca ace­so, con­tan­do his­tó­ri­as, co­mo se qui­ses­se re­ju­ve­nes­cer. Pois o eli­xir do ve­lho é a ju­ven­tu­de. No en­con­tro com du­as ga­ro­tas, uma de­las jor­na­lis­ta, Tre­vi­san se mos­tra en­can­ta­dor. “Um vam­pi­ro nun­ca an­tes tão com­pre­en­si­vo, le­ve­men­te his­tri­ô­ni­co, con­quis­ta­dor”, con­ta San­ches. Só fal­tou di­zer que o Vam­pi­ro es­ta­va ba­ban­do. As pa­la­vras são as ba­bas dos es­cri­to­res, e, às ve­zes, não ape­nas dos es­cri­to­res.

San­ches mos­tra Tre­vi­san co­mo “ex-vi­ci­a­do” em cho­co­la­te. Um gu­lo­so, en­fim.

Dalton Trevisan andando com compras por uma rua de Curitiba

O Trevisan repetitivo, até cansativo, é explicitado por Sanches, ou melhor, pela personagem Beto. Trevisan deve ter se irritado ao ler sobre seu método de “pesquisa” — pagando pessoas para buscar informações (Proust não fazia diferente) — e a história de que Beto-Sanches, ao revisar seus contos, polia-os.

Dalton Trevisan: o “popular” Vampiro de Curitiba

O per­so­na­gem Ge­ral­do Tren­ti­ni é Dal­ton Tre­vi­san es­car­ra­do. San­ches faz ques­tão de na­da es­con­der. Tre­vi­san e Tren­ti­ni têm oi­to le­tras, com cin­co con­so­an­tes e três vo­gais. O iní­cio dos so­bre­no­mes co­me­ça com “tre”. O ob­je­ti­vo de San­ches é não dei­xar dú­vi­das. Mas o ro­man­ce so­bre­vi­ve co­mo ro­man­ce? É o que os crí­ti­cos te­rão de res­pon­der da­qui pra fren­te. A mi­nha im­pres­são é que fi­ca­rá co­mo uma es­pé­cie de bi­o­gra­fia, ou en­saio bi­o­grá­fi­co, não au­to­ri­za­da do Vam­pi­ro de Cu­ri­ti­ba. Um pon­to de par­ti­da pa­ra a fu­tu­ra bi­o­gra­fia, que po­de­ria ser es­cri­ta, di­ga­mos, por Jo­sé Cas­tel­lo.

O livro me fez bem, pois ri, sozinho, várias vezes. Fico a pensar: Trevisan, atingido pelas palavras cruéis — quanto mais verdadeiras mais cruéis —, nem pode rir. Mas será que, sozinho, não dá boas risadas? Se não der, e aí Beto estará certo, bom sujeito não é. (Texto de abril de 2010)