Mídia (dita) nacional não deve excluir Ronaldo Caiado da disputa presidencial de 2026

30 abril 2023 às 00h00

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Comenta-se que um repórter de uma revista (dita nacional) e um repórter de um jornal (dito nacional), ambos de São Paulo, copiavam jornais estrangeiros e não citavam a fonte. O primeiro, correspondente na Europa, traduzia os textos de jornais e revistas e enviava para a redação patropi como se fossem seus. Só teria parado porque foi denunciado por outro jornalista, que, por sinal, era tradutor. O segundo, como comentarista de música, notadamente de rock, plagiava textos de jornais e revistas especializados.
Em tempos sem internet, era muito difícil flagrar “recortagens” ou “plágios” descarados. Poucos brasileiros tinham acesso ao “Le Monde”, ao “Independent”, ao “Guardian”, ao “New York Times”, ao “Liberación”, ao “El País”, ao “Washington Post”, à “New Yorker”, à “Rolling Stone”, entre outros. Então, era possível “transcrever” à vontade, e sem citar a fonte. Paulo Francis bebia em tais fontes, porém as citava e seu estilão idiossincrático provava que não era um “recórter”. Porém, os dois citados acima eram plagiários notórios. Um deles chegou a ser denunciado por Janer Cristaldo, jornalista e tradutor, em termos peremptórios.

Aqueles que publicavam as novidades europeias e norte-americanas, impondo modas culturais e outras, acreditavam, por certo, que eram “cosmopolitas”. Quando, na verdade, eram provincianos, inclusive na incapacidade de examinar os fatos e comentar música e literatura com o uso do próprio cérebro. Por que Philip Roth tem de ser examinado de acordo com a “New Yorker”? Não tem, claro. Mas passa por demonstração de cultura, advinda do bacharelismo de citação, a menção ao “crítico” da revista, da corte, como a endossar o texto da província. Em tempos anteriores, nos famosos rodapés, Antonio Candido escreveu, com profundidade, sobre “O Deserto dos Tártaros”, belo romance de Dino Buzzati. O crítico brasileiro dialogou com a obra do escritor italiano a partir de uma leitura inovadora, sua, e não tributária de publicações europeias ou americanas (o que não significa que não se deve a crítica do exterior).
O “velho” provincianismo da corte
Veja-se agora o provincianismo da “corte” num caso político. Em 2022, o Nordeste, o rebelde Nordeste, deu a vitória presidencial a Lula da Silva (PT), um nordestino de Pernambuco que os fados e os fardos da pobreza empurraram para São Paulo, a antiga e talvez não tão antiga terra da promissão.

O Sul dito “maravilha” não conseguiu impor uma derrota ao “árido” Nordeste, que, em bloco, optou pela esquerda — como se estivesse dando uma resposta de “classe”, firmando um posicionamento. A direita reacionária (que está esmagando a direita liberal) encastelou-se no Sul, nos Estados mais ricos do país, e os nordestinos deram sua resposta e derrotaram Jair Bolsonaro, do Partido Liberal (risos, claro: porque o ex-presidente nada tem de liberal, embora não seja, claro, de esquerda).
A corte, com matrizes em São Paulo e Rio de Janeiro, não derrotou a província, que, vingadora, trocou o presidente: saiu Bolsonaro e entrou Lula da Silva. A província não aceitou “copiar” a corte, optando por vencê-la. O discurso social de Lula da Silva ganhou do liberalismo algo fora do lugar das hostes bolsonaristas.

Porém, passada a refrega de 2022, a corte volta a tentar se impor. O país terá eleições presidenciais em 4 de outubro de 2026 — daqui a três anos e cinco meses. De fato, há muito tempo pela frente. Entretanto, como o clima político permanece altamente polarizado, a eleição de 2026 está na ordem do dia, como se fosse acontecer amanhã.
A mídia, como a imprensa é chamada, já está “cobrindo” 2026 — quando deveria cobrir, de maneira mais ampla, 2023. Como é inescapável, é preciso entrar na dança.
Os candidatos à sucessão de Lula da Silva são, em ordem alfabética, Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro, Lula da Silva, Michelle Bolsonaro (PL), Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (União Brasil), Simone Tebet (MDB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Se permanecer elegível, Bolsonaro tende a ser candidato, e certamente será um páreo forte para Lula da Silva ou para o candidato deste, talvez Fernando Haddad, Rui Costa ou Camilo Santana (o PT pode bancar alguém do Nordeste em 2026). Se não puder disputar, tende a bancar Michelle Bolsonaro ou Tarcísio de Freitas. O “clube” de Bolsonaro é fechado e, por isso, certamente não apoiaria Romeu Zema.

Romeu Zema não é igual mas, num aspecto, cheira a Jânio Quadros, o presidente que renunciou em agosto de 1961 e desestabilizou o país. O governador de Minas Gerais é considerado um gestor eficiente, postula teses liberais, mas a direita bolsonarista parece confiar-desconfiando dele. Por não considerá-lo como um dos “seus”, dificilmente o apoiará. Em 1960, a direita (Carlos Lacerda, Magalhães Pinto, Milton Campos) apoiou Jânio Quadros, mas “não” levou o governo. Num governo de Romeu Zema, o bolsonarismo não mandaria, por certo.
Tarcísio de Freitas governa São Paulo, um dos “países” mais ricos da América do Sul, atrás apenas do Brasil. Bolsonaro poderia apoiá-lo, apesar de que parece considerar que, no governo, o jovem político estaria meio, digamos assim, desbolsonarizado. Mas pelo menos está “empregando” parte de sua turma. A tendência é que o gestor do Estado mais rico das terras tropiniquins dispute a reeleição. Porque é mais inteligente ficar com o pássaro (o governo de São Paulo) que está nas mãos do que tentar capturar aquele que está “voando” (a Presidência da República).

Michelle Bolsonaro é uma carta na manga de Bolsonaro. Porque, se ela for candidata, o candidato será, indiretamente, ele próprio. Ressalve-se que homens machistas, como Jair Messias, dificilmente apostam suas fichas, para o poder, em suas mulheres, exceto se tiver garantias de que irá sentar, ao seu lado, no Palácio do Planalto — o que não seria possível. Haveria uma crise.
Na esquerda, com 81 anos, em 2026, Lula da Silva será, possivelmente, o grande candidato. Resta o petista-chefe com prestígio para enfrentar a direita empedernida, com possibilidade de derrotá-la. Sem o veterano, a esquerda terá dificuldade e talvez tenha de bancar um político do Nordeste. O paulista Fernando Haddad parece “mocinho” para enfrentar campanhas duras, com golpes abaixo da linha de cintura. Os nordestinos são, antes de tudo, fortes e destemidos.

Simone Tebet, ao se tornar ministra de Lula da Silva, ganhou destaque nacional, mas parece ter subordinado — acoplado — seu projeto ao do PT, sobretudo ao de Lula da Silva. Por pertencer ao governo do petismo, não terá discurso para contestá-lo em 2026. Restando-lhe, quem sabe, uma vice do candidato do PT. Ou talvez, se a esquerda tiver mudado, ser a candidata bancada pelo presidente. O hegemonismo do PT dificilmente abrirá espaço para a ex-senadora.
A hora e a vez de Ronaldo Caiado

No campo da direita, há outro candidato, ainda pouco citado pela mídia nacional. Trata-se de Ronaldo Caiado, governador de Goiás.
Ronaldo Caiado não esconde que é de direita, sempre foi — e sua coerência é um de seus trunfos. Mas o político do Centro-Oeste não pertence à virulenta direita bolsonarista. Pelo contrário, é um político da direita civilizada e democrática (não é golpista, ao contrário do bolsonarismo).
Durante a fase aguda da pandemia da Covid-19, Ronaldo Caiado dialogou com integrantes da Universidade Federal de Goiás e outras universidades, sempre em busca de melhores caminhos para salvar vidas. Não aderiu, em nenhum momento, ao negacionismo das hostes bolsonaristas. Aí já se percebe que havia — e há — um divisor de águas.

No governo, e o país deveria abrir os olhos para o que está acontecendo em Goiás, Ronaldo Caiado tem se comportado como um gestor social-democrata, preocupado com a formatação de um Estado do Bem-Estar Social. O gestor goiano vai além do assistencialismo — do qual, dada a pobreza histórica de milhões de brasileiros, não se tem como escapar. Ele está se preocupando, e esta é outra característica de sua face política moderna, com programas de inclusão social efetiva.
De algum modo, e sem populismo, o governo de Ronaldo Caiado aproxima-se do ideário de Lula da Silva — isto no campo social, o que pode ampliar a interlocução entre ambos.
Num país no qual a corrupção às vezes tira nota 10, Ronaldo Caiado faz um governo transparente e decente. A mídia (dita) nacional (os jornais, com a internet, se tornaram todos nacionais e, até, internacionais) deveria observar esta questão: um presidenciável que faz um governo decente e ajustado — o que é uma pedida do país, não apenas de Goiás.

Ronaldo Caiado já disse que não será candidato a senador ou deputado federal em 2026. Será candidato a presidente da República. Então, a mídia da corte — uma corte fictícia, porque a internet desterritorializou o poder dos meios de comunicação, tornando-os mais “iguais” — deve reportá-lo como possível candidato. Precisa inclui-lo em suas reportagens sobre pré-candidatos a presidente para 2026. Goiás fica tão longe assim das cortes de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais? E se, de repente, um candidato diferente — de uma direita que sabe fundir liberalismo e social (como sugeria o sociólogo-diplomata José Guilherme Merquior) — conquistar as mentes e corações dos brasileiros? A mídia (dita) nacional será a primeira a chegar atrasada?
Deixar Ronaldo Caiado de lado, assim como os políticos do Nordeste, como Wellington Dias, Camilo Santana e Rui Costa, é um equívoco político e jornalístico.