Cobertura da guerra tarifária reflete isolacionismo global
08 dezembro 2024 às 00h00
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A cobertura brasileira da guerra tarifária entre Estados Unidos e China naturalmente usa o futuro brasileiro como medida — o aumento do controle comercial será ruim para o Brasil? O real vai se desvalorizar? Os BRICs vão se tornar uma nova potência? Neste momento, porém, é interessante escapar do ufanismo e do viralatismo observando como a imprensa internacional tem tratado o Brasil no cenário de intensificação do isolacionismo global.
Mas primeiro, o contexto. A China proibiu a exportação aos EUA de vários minerais com uso civil e militar — usados para fabricação de semicondutores e em aplicações militares. O movimento é uma resposta de Pequim a Washington pelo aumento do controle comercial e o anúncio de tarifas às importações por Donald Trump. O governo de Xi Jinping acusou os EUA de usar “o comércio exterior e a tecnologia como armas.”
Ao Financial Times, Scott Kennedy (especialista em China do Center for Strategic and International Studies) afirmou: “Antes, a China havia concluído que menos ataques comerciais desacelerariam o ritmo de dissociação entre as duas economias. Agora, concluíram que abrir mão da ofensiva é um convite a mais sanções dos EUA, e que é necessário reagir para impor custos.” Ao Financial Times, a diplomata americana Wendy Cutler disse que “esta é uma sinalização para o novo governo Trump de que a China está preparada para responder com medidas retaliatórias”.
As sanções dos Estados Unidos aos chips chineses chegou a afetar as relações americanas com seus vizinhos na América do Norte. Para contornar as tarifas, os chineses estariam usando o México e o Canadá como porta dos fundos — países onde a mercadoria é superficialmente beneficiada, mas cuja principal função na transação é aproveitar as condições favoráveis de comércio entre os países. O presidente eleito Donald Trump anunciou em 25 de novembro sua intenção de impor tarifas adicionais de 10% à China, juntamente com tarifas adicionais de 25% ao México e ao Canadá.
A promessa de tarifas aos maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos é também uma promessa de aprofundamento do isolacionismo, do menor volume de fluxo do dólar e consequente escassez da moeda. Combina-se a isso a ampliação de poder global dos Brics e a celebração do acordo entre Mercosul e União Europeia.
A conversa sobre desdolarização das transações entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul provocou um tweet de Donald Trump ameaçando tarifas de 100% caso o bloco tentasse substituir a moeda. A razão pelo incômodo é clara: o mundo paga um imposto aos EUA nas transações cambiais em dólar; e o país pode imprimir sua própria moeda com menor risco de inflação pois há demanda global por dólares.
O New York Times publicou nesta sexta-feira, 6, que o acordo entre Mercosul e UE “é uma vitória significativa para os defensores do livre comércio, conectando mercados com mais de 700 milhões de pessoas”. O jornal americano afirma que a França pode ser frustrada com o possível dumping do agro brasileiro na Europa, mas, em geral, tratou da celebração do acordo como um movimento contrário ao que os EUA tem feito. O próprio título da matéria indica essa interpretação: “Enquanto Trump ameaça tarifas, Europa e América do Sul fortalecem laços”.
Pela imprensa européia (especialmente no francês Le Mond) o acordo foi retratado com ceticismo, visto mais como instrumento de ampliação da influência da UE do que como comercialmente favorável. O jornal alemão Süddeutsche Zeitung escreveu: “O temor dos criadores de gado franceses perante a carne da América do Sul é, em si, injustificado: o volume de importações permanece restrito demais. No entanto, são justificadas as apreensões dos ambientalistas: os fazendeiros dos países do Mercosul vão lucrar certamente também às custas da natureza, pois se poderá desmatar ainda mais florestas e usar ainda mais pesticidas, apesar de todas as assertivas em contrário. No entanto, a aliança comercial é oportuna.”
O jornal alemão Zeit Online escreveu: “Grandes vantagens do acordo estão em setores economicamente mais importantes, como engenharia mecânica, energia verde, química, exportações tecnológicas da Europa para a Argentina, importação de matérias-primas cobiçadas do Brasil para a Europa.”