O candidato a presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é fascista? O “New York Times” destacou a repórter Elisabeth Zerofsky para ouvir um dos mais eminentes estudiosos do fascismo, o historiador americano Robert Owen Paxton, de 92 anos, a respeito da “ideologia” do empresário americano. O professor aposentado da Universidade Columbia é autor do clássico “A Anatomia do Fascismo” (Paz e Terra, 462 páginas, tradução de Patrícia Zimbres e Paula Zimbres). A eleição americana ocorrerá na terça-feira, 5.

A candidata do Partido Democrata, Kamala Harris, diz que Donald Trump é fascista. Robert Kagan, comentarista conservador do “Washington Post, bradou: “É assim que o fascismo chega aos Estados Unidos. Não com botas marchando e saudações”, e sim “com um garoto-propaganda na televisão”.
Porém, em 2017, num artigo publicado na “Harper’s Magazine”, Robert Paxton clamou por comedimento. “Devemos pensar duas vezes antes de aplicar o mais tóxico dos rótulos”, postulou.
O historiador admitiu que o fato de Donald Trump culpar “estrangeiros pelo declínio” dos Estados Unidos e desprezar “minorias” o aproxima dos fascistas europeus, como Benito Mussolini e Adolf Hitler. Entretanto, “a palavra foi usada com tamanho abandono — ‘todos que não gostamos são fascistas’ — que perdeu seu poder de iluminar”.

“O fato ‘do termo fascismo ter sido rebaixado ao nível de um adjetivo o tem tornado uma ferramenta cada vez menos útil para análise de movimentos políticos dos nossos tempos”, analisa o pesquisador.
Robert Paxton sugeriu, há sete anos, que havia mais diferenças do que semelhanças entre os fascistas europeus e Donald Trump.

Os fascistas da Europa, de 1922 a 1945, “prometeram superar fraquezas nacionais e declínios fortalecendo o Estado, subordinando os interesses dos indivíduos aos da comunidade”. Já Donald Trump e seus apoiadores “queriam, ao contrário, ‘subordinar os interesses da comunidade a interesses individuais — pelo menos aos dos indivíduos mais ricos”.

A transformação do trumpismo em si

A invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, mudou, ao menos em parte, a perspectiva analítica de Robert Paxton. Em 1922 os camisas negras do fascismo, liderados por Benito Mussolini, tomaram o controle de Roma. Não muito diferente do que aconteceu nos Estados Unidos. Com a ressalva de que, no país de Toni Morrison e James Baldwin, não chegaram a tomar o poder.
Ao examinar o acontecimento, Robert Paxton detectou “uma transformação do trumpismo em si”. “A guinada para a violência foi tão explícita, tão óbvia, tão intencional que nós tivemos de mudar o que já havíamos dito sobre o assunto”.

Robert Paxton: o mais eminente historiador do fascismo nos Estados Unidos | Foto: Reprodução

“A mim me pareceu simplesmente que uma nova terminologia era necessária, porque algo novo estava ocorrendo”, sugere Robert Paxton. (O eminente historiador do fascismo não discute o que se dirá a seguir, neste parêntese, mas há similitudes entre o que ocorreu no Estados Unidos, em 2021, e no Brasil, em 8 de janeiro de 2023. No país do presidente Lula da Silva, hordas bolsonaristas, organizadas ou não, invadiram as sedes do Judiciário, do Executivo e do Legislativo, em Brasília. Eram tentativas de golpe. O que faltou, lá e cá, foi uma liderança presente, no sentido de tentar assumir o poder.)

Ante a mudança de posição do trumpismo, Robert Paxton escreveu um artigo para a revista “Newsweek”, na qual também mudou sua opinião. No texto, de 11 de janeiro de 2021, o pesquisador assinalou que a invasão do capitólio removia sua “objeção ao rótulo do fascismo”.

“O incentivo aberto [de Trump] à violência cívica para reverter o resultado de uma eleição extrapola um limite. O rótulo parece agora não apenas aceitável, mas necessário”, escreveu Robert Paxton. (Tendo a considerar que a análise do historiador é pertinente, mas fico com a impressão de que falta demonstrar a conexão, do modo mais objetivo possível, entre os golpistas que invadiram o Capitólio e o suposto líder do movimento, Donald Trump. Quais, entre os invasores, receberam ordens diretas do líder republicano? Afinal, o presidente era mesmo o líder? Está comprovado?)

Quatro anos depois, a repórter do “Times” quer saber se Robert Paxton mantém a opinião: Donald Trump é mesmo fascista?

Elisabeth Zerofsky anota: “Cauteloso, mas direto”, Robert Paxton “disse que não acredita que usar esse termo [fascista] seja útil politicamente de nenhuma maneira, mas confirmou o diagnóstico. ‘A coisa fervilha de baixo para cima, de muitas maneiras preocupantes. E se parece muito com os fascismos originais. É a coisa de verdade. É isso mesmo’”.

A repórter do “Times” diz que o debate sobre Trump e o fascismo parte, no momento, de duas perguntas: “Descrever Trump como fascista o define precisamente? E isso é útil?”

Convidado a opinar, Robert Paxton, que aprecia a precisão conceitual, retoma a cautela: “Ainda acho que se trata de um termo [fascista] que gera mais calor do que luz”.

O doutor por Oxford, autor de uma tese sobre o fascismo na França, sugere que “o trumpismo, de maneira curiosa’, se tornou algo que ‘não é obra de Trump’”.

Robert Paxton não retira, porém, a responsabilidade de Donald Trump. Ele assinala que, por causa dos comícios, onde faz pregações para convencer seus apoiadores, faz-se notar a mão do republicano. “Mas ele não enviou articuladores para criar essas coisas; elas simplesmente germinaram, até onde eu sei.”

De acordo com o historiador, o trumpismo vem “de baixo, como um fenômeno de massas, e os líderes estão se esforçando para se manter à frente dele”. Robert Paxton sublinha que o fascismo e o nazismo começaram da mesma forma.

Para entender o fascismo, anota Robert Paxton, é preciso examinar para além dos líderes. “O que deveríamos estudar é o meio no qual eles cresceram”. O historiador enfatiza que, “para o fascismo se enraizar, é preciso haver ‘uma fenda no sistema político, que é a perda de tração dos partidos políticos tradicionais. É preciso haver uma ruptura real”.

Num artigo para a “New York Review of Books”, de 1994, Roberto Paxton escreveu: “Parece duvidoso que parte da posição intelectual possa ser o caráter definidor de movimentos que colocavam a ação acima do pensamento, os instintos sanguinários acima da razão, o dever à comunidade acima da liberdade intelectual e o particularismo nacionalista acima de qualquer valor universal. Afinal, o fascismo é mais um ‘ismo’?”

O fascismo, frisou Robert Paxton, na síntese do “Times”, “é propelido mais por sentimentos do que por ideias”.

No fascismo há uma relação ambígua entre doutrina e ação. “Foi um erro tratar o fascismo como se fosse um fenômeno comparável ao liberalismo, ao conservadorismo ou ao socialismo. ‘O fascismo não se baseia explicitamente em um sistema filosófico elaborado, mas sim em sentimentos populares sobre raças superiores , injustiças que lhes acometem e sua predominância legítima sobre povos inferiores’, escreveu o historiador em “A Anatomia do Fascismo”. (As aspinhas contêm trecho do texto de Robert Paxton.)

Segundo Robert Paxton, o fascismo pode ser mais bem definido como “um comportamento político marcado por ‘uma preocupação obsessiva com um declínio da comunidade e uma humilhação ou vitimização”.

O scholar ianque sublinha que o fascismo se consolidou em países “nos quais a democracia liberal fora acusada de produzir divisões e declínios”. O que aconteceu entre as décadas de 1920 e 1940, na Itália e na Alemanha, está se repetindo no século 21 tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.

Ao final da entrevista, a hábil repórter do “Times” ressalta que, nos seus estudos, Robert Paxton define o fascismo como um “movimento de massa, antiprogressista e anticomunista, radical em sua disposição de empregar a força (…) distinto não apenas de seus inimigos na esquerda mas também de rivais na direita”.

Então, isto se aplica ao trumpismo. O historiador respondeu que “sim”. E o bolsonarismo? Infelizmente, ele não discute Jair Bolsonaro e o bolsonarismo (espécie de trumpismo da América do Sul).

Mas acrescentou: “Não estou propagando o termo porque acho que ele não cumpre o papel plenamente neste momento. Acho que há maneiras de sermos mais explícitos sobre o perigo específico que o trumpismo representa”.

Será provável que, com um novo mandato — e sabendo que não poderá mais ser candidato a presidente da República, se for eleito agora —, Donald Trump não liberará o fascista que o habita, talvez de maneira embrionária? Só um adivinho poderia responder, é claro. Mas é bem possível.

O filósofo britânico John Gray sugere que recuos históricos são possíveis, não são irrealistas. O fato de os Estados Unidos permanecerem democratas desde sua Independência, em 4 de julho de 1776, não significa que, um dia, não possa ter uma ditadura. Alexis de Tocqueville e Hannah Arendt, irmanados com Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Franklin Delano Roosevelt, se revirariam no túmulo.