Menos ritalina e mais educação — como conter a violência nas escolas
27 março 2023 às 19h07
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Candice Marques de Lima
Especial para o Jornal Opção
A escola — e a educação — é uma instituição civilizatória. É principalmente por meio dela que é possível conter a barbárie
Mais um caso de violência em uma escola tomou conta do noticiário na segunda-feira, 27. Um garoto de 13 anos atacou professoras e colegas com uma faca. No momento em que escrevo este texto, as informações vão sendo divulgadas rapidamente. Portanto, não imagino que seja necessário me deter nos detalhes do caso — mais um caso de violência em uma escola.
A imagem do adolescente que atacou pessoas em uma escola pública de São Paulo ainda vai aparecer por alguns dias na imprensa e as cenas que protagonizou serão repassadas repetidamente, para horror e deleite. Imagino que se as cenas fossem apenas da ordem do horror não seriam tão amplamente divulgadas. Há que se ter um deleite em repeti-las continuamente. Na meia hora que assisti informações e opiniões de jornalistas em um telejornal, as imagens do ataque se repetiam frequentemente, como pano de fundo à fala dos articulistas. Sabe-se que não se deve dar tanta ênfase sobre as vestimentas ou o comportamento violento nessas situações, pois isso poderia servir de modelo para outros ataques. Entretanto, não é assim que ocorre quando tais eventos acontecem. A imprensa divulga com uma insistência impressionante as cenas violentas.
O que pretendo tratar aqui não é nem sobre mais um caso de violência em uma escola, nem a respeito das supostas motivações que o adolescente de 13 anos teria para cometer os atos violentos. Essas informações certamente aparecerão nas próximas horas e dias nos jornais de maneira exaustiva. O que me chamou atenção foi o debate que a situação na escola levantou: sobre a necessidade de policiais e de profissionais da saúde nas escolas como forma de conter a violência. Veja-se que em nenhum momento se tratou sobre o tema da educação. O mais relevante, que seria se tratar sobre a educação e como ela está acontecendo na sociedade, é suplantado pelo sensacionalismo que a informação causa nas pessoas.
Os outros temas referentes à educação nunca têm espaço nos noticiários como acontece nos dias em que ocorre violência em uma escola. A alfabetização, a carreira docente, as condições educacionais, a educação inclusiva geralmente ocupam um espaço pequeno nos telejornais e na imprensa sem o destaque que tem quando um aluno de 13 anos ataca professores e outros alunos em uma escola pública na cidade de São Paulo. Certamente, o “Jornal Nacional” vai começar com essa notícia hoje à noite, embora os outros assuntos educacionais apareçam usualmente sem o mesmo relevo.
Outras questões pertinentes não aparecem ou se aparecem têm pouca relevância: por que alunos evadem das escolas, por que os professores são mal remunerados, por que as escolas públicas não têm as mesmas condições arquitetônicas que outras instituições públicas. (Você já comparou a sede de um tribunal de contas a uma escola pública?) Essas deveriam ser questões que envolvessem a imprensa e as pessoas, ao invés de se perguntarem por que um garoto de 13 anos atacou professores e colegas na escola.
O novo fetiche em relação às escolas, juntamente com o discurso da medicalização da educação, é a militarização delas. Sugere-se que com a Polícia Militar na escola todos os problemas educacionais estarão resolvidos. A pergunta que se faz é por que as polícias não conseguem resolver os problemas de violência na sociedade? Nesse momento o Rio Grande do Norte está enfrentando problemas graves na segurança pública. Assim como o Rio de Janeiro e São Paulo. Por que a polícia é convocada para gerir e manter a segurança das escolas quando não consegue resolver a criminalidade de maneira sistêmica em alguns Estados?
Pelo que foi divulgado, quando a polícia foi acionada para atender a violência que o adolescente de 13 anos praticou contra professores e outros alunos na escola agiu de maneira rápida. É necessário que tenha policiais em cada escola? Ou quando acionada a polícia compareça rapidamente como o fez na escola? Da mesma maneira que atue quando houver violência doméstica, quando pessoas invadirem os prédios públicos em Brasília atentando contra a democracia, quando traficantes e milicianos estiverem em guerra.
Outro ponto é sobre as indagações sobre por que um adolescente de 13 anos atacou professores e colegas na escola em que estudava. Seria necessário que houvesse psicólogos em todas as escolas? Havendo tais profissionais, eles evitariam que violência e outras questões ocorressem na escola? O discurso educacional está fortemente medicalizado. Para todos os males da educação há que se haver um medicamento que indique um transtorno ou um profissional da saúde para tratar das mazelas.
Veja-se que é sempre alguém de fora, alheio à escola, que é convocado para resolver as questões escolares. Os professores, como seus alunos, são eternos aprendizes, submetidos a outros saberes — médicos, jurídicos, psicológicos. Nunca são aqueles que podem opinar sobre o que acontece nas escolas. Professores e alunos estão infantilizados, vulneráveis e alienados àquilo que é externo e que vai indicar um caminho a seguir. Mas que parece tampouco funcionar.
Não pretendo escrever que o que acontece na escola deva ser resolvido somente na escola. O que acontece ali precisa ser discutido pela sociedade sem que nenhum discurso assuma papel de mestria. A escola faz parte do laço social e precisamos pensar sobre o que afeta os alunos e seus professores, não para julgá-los ou tentar resolver o problema para eles — especialmente com polícia ou com a área da saúde —, mas para que estejamos empenhados naquilo que é constitutivo do sujeito e, portanto, do laço social — a educação.
Não será colocando a polícia nas escolas ou tirando as crianças dela para que sejam educadas em casa que resolveremos as questões educacionais da sociedade. Será a aposta na circulação da palavra, no entendimento que criamos nossos filhos para o mundo — um mundo habitado pelos vivos e pelos mortos, conforme escreveu a filósofa Hannah Arendt —, isto é, um mundo que tem história e que as crianças que se tornam alunos entendam que estão inseridas num laço. Que seus pais entendam que educar crianças é mais do que satisfazê-las e negociar com elas. É preciso dirigir-lhes a palavra de um lugar em que o adulto porta uma história e um conhecimento que o tornam em condições de transmitir algo a uma criança que a torne humana e merecedora que conviver com outras pessoas. A escola — e a educação — é uma instituição civilizatória. É principalmente por meio dela que é possível conter a barbárie.
Candice Marques de Lima é professora na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás.